AMD: Abrindo mão das fábricas

Desde o humilde início no final da década de 1960, a AMD sempre fabricou seus próprios chips, controlando todas as etapas da produção, assim como faz a Intel. Por um lado, isso é um fator bem positivo, já que com tudo sendo feito internamente, técnicas de produção podem ser otimizadas para os chips que estão sendo desenvolvidos e eventuais problemas podem ser corrigidos muito mais rapidamente.

O grande problema é que a AMD sempre teve uma parcela de mercado muito menor que a Intel. Nas melhores épocas, as vendas da AMD correspondiam a mais de 20% do total de chips, mas nas épocas ruins chegava a cair para perto dos 10%.

Com a introdução de técnicas mais avançadas de produção, o investimento necessário para atualizar as fábricas foi se tornando exponencialmente maior a cada nova geração de chips. A AMD passou a ter problemas financeiros (que se agravaram com a compra da ATI em 2006) e acabou chegando a uma situação em que não tinha condições de investir os 4 bilhões de dólares (ou mais) necessários para colocar uma fábrica de 32 nanômetros em produção.

No final de 2008 a Intel já estava convertendo quatro fábricas para o processo de 32 nanômetros (a primeira delas foi concluída no final de 2009), enquanto a AMD possuía apenas duas fábricas, uma de 45 nanômetros e outra de 65, sem perspectivas de atualização.

Com uma possibilidade real de falência pairando no ar, a AMD optou por uma estratégia arriscada: abrir mão de sua divisão de produção de chips e se concentrar no desenvolvimento e venda dos processadores. Surgiu então a Globalfoundries, que herdou as duas fábricas da AMD em Dresden (na Alemanha) e passou a atender também outras empresas, interessadas em produzirem chips usando técnicas avançadas de produção.

Mesmo que a AMD decidisse manter as fábricas, seria muito difícil que conseguissem clientes externos, já que o fato de venderem processadores e GPUs faz com que eles sejam concorrentes potenciais de muitos deles (não existiria nenhuma chance de que a nVidia enviasse os projetos de suas GPUs para serem produzidas pela AMD/ATI por exemplo). Por outro lado, uma empresa “neutra”, separada da AMD, tem bem mais chances.

Assim como no caso dos processadores, fabricar chips diversos usando uma técnica de 45 ou 32 nanômetros resulta em chips muito mais econômicos e capazes de atingir frequências de clock mais altas do que os fabricados usando técnicas antigas.

Comercialmente, a ideia faz todo o sentido, já que ao atender mais clientes, é possível manter as fábricas trabalhando em capacidade máxima por mais tempo (sem depender unicamente da demanda por processadores da AMD), recuperando assim o investimento a tempo de iniciar o trabalho de modernização para a próxima técnica de produção. Outro bom motivo é que, com a separação, a Globalfoundries poderá captar sozinha os recursos necessários para atualizar as fábricas, sem esvaziar os cofres da AMD.

Pouco depois de anunciada a divisão, a Globalfoundries já havia conseguido 6 bilhões em investimentos (a maior parte vindo da ATIC), já tinha conseguido mais um grande cliente (a STMicro, que é uma das gigantes dentro do ramo de produção de SoCs para dispositivos embarcados) e anunciou a construção da tão necessária fábrica de 32 nanômetros, dessa vez no estado de Nova Iorque, nos EUA, a um custo de US$ 4.2 bilhões.

Externamente, o projeto do prédio não parece ter nada de especial (lembra um shopping center), o que interessa mesmo é o que vai dentro dela:

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Um bom exemplo de empresa que não possui fábricas é a nVidia, que terceiriza a fabricação dos chipsets de vídeo para a TSMC. As técnicas de fabricação não são exatamente as mais avançadas (o GT200 foi fabricado usando uma técnica de 65 nm e o GT200b de 55 nm), mas tem sido o suficiente para que consigam se manter competitivos, muito mais do que seriam caso tentassem manter uma fábrica própria.

Outras empresas, como a Texas Instruments, Samsung e Toshiba, fabricam seus próprios chips, assim como fazia a AMD. Embora não produzam processadores x86, as três são muito fortes na produção de chips ARM e componentes integrados diversos. O grande problema é que sem terem como manter as fábricas atualizadas elas pagam o preço ao produzirem seus chips usando técnicas obsoletas de fabricação. Enquanto a Intel iniciava a construção de suas fábricas de 32 nm, a Toshiba ainda fabricava seus chips usando uma técnica de 90 nanômetros.

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Muitos analistas profetizam que no futuro a fabricação de processadores ficará centralizada nas mãos de duas ou três grandes empresas, que precisarão produzir para vários fabricantes para conseguirem recuperar os crescentes investimentos necessários para atualizarem as fábricas.

Uma delas será a Intel, que não deverá perder o reinado nos chips x86 tão cedo, outra será a TSMC (que é atualmente a maior do setor) e a terceira tem tudo para ser a Globalfoundries, que pode, eventualmente, se tornar bem maior do que a própria AMD.

Um bom exemplo de área em que os serviços da Globalfoundries podem fazer diferença são os smartphones. Em pleno ano de 2010 a maioria dos chips ARM destinados a eles são ainda produzidos usando técnicas de 65, ou mesmo 90 nanômetros. Mesmo os chips mais avançados, como o Cortex-A8 usado no iPhone 3GS, são ainda produzidos usando uma técnica de 65 nanômetros, o que resulta em chips muito menos eficientes. Com o uso de técnicas mais avançadas, de 32 nm em diante, teremos chips ARM mais rápidos e com um consumo elétrico muito mais baixo.

Curiosamente, quem pode perder com a história é justamente a Intel, que aposta que o uso de técnicas mais avançadas de produção podem permitir que as próximas gerações do Atom sejam usadas em smartphones, compensando a menor eficiência do chip (em relação aos ARM) com o uso de técnicas de produção. Se a Globalfoundries disponibiliza as mesmas aos demais fabricantes, a estratégia da Intel fica seriamente ameaçada, em uma versão reloaded da boa e velha concorrência entre a Intel e a AMD.

A principal vantagem para a AMD é o fato de poderem se concentrar no desenvolvimento de novos processadores, sem precisarem se preocupar com a atualização das fábricas. Com a separação, a empresa encolheu e pode vir a ter mais dificuldades com a produção dos próximos chips, já que agora precisarão trabalhar em conjunto com uma empresa externa. Em compensação, a AMD recebeu US$ 2 bilhões e parte das ações da Globalfoundries em troca das fábricas, o que amenizou bastante os problemas financeiros e assegurou a sobrevivência da empresa.

Um último obstáculo à separação era o acordo de licenciamento da plataforma x86 entre a AMD e a Intel, um acordo que estipulava que a AMD deveria produzir a maior parte dos seus processadores internamente. Do ponto de vista da Intel, a separação entre a AMD e a Globalfoundries era uma violação, já que a AMD passaria a produzir seus chips em uma empresa externa, um caso que acabou indo para a justiça.

Entretanto, a AMD também também tinha suas queixas contra a Intel, com processos relacionados a práticas anti-competitivas em várias cortes. Em resumo, a Intel oferecia grandes descontos para integradores como a Dell e a HP para que utilizassem apenas processadores Intel, impedindo que os processadores da AMD pudessem competir livremente. A Intel já tinha sido multada em US$ 1.45 bilhões pela União Europeia e tinha tudo para perder também em outras cortes, o que poderia gerar sansões e multas de mais vários bilhões.

Previsivelmente, as duas acabaram chegando a um acordo em novembro de 2009, com a AMD concordando em retirar as queixas em troca de US$ 1.25 bilhões em dinheiro, permissão para produzir processadores x86 não apenas na Globalfoundries mas também em outras fábricas caso desejado, e a promessa de que a Intel deixaria de usar táticas anti-competitivas.

Com isso, o último entrave foi resolvido e a AMD ficou livre para concluir a separação e iniciar sua carreira fabless. Como diz o ditado, vão-se os anéis mas ficam os dedos.

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