O editor ranzinza experimenta o Twitter

O editor ranzinza experimenta o Twitter
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The Grumpy Editor’s Twitter experience

Autor original: Jonathan Corbet

Publicado originalmente no: lwn.net

Tradução: Roberto Bechtlufft

Como bom velho ranzinza que sou, confesso que nunca entendi a graça de serviços como o Twitter. Mensagens de 140 caracteres me fazem pensar em uma combinação do que há de pior nas mensagens SMS de celular e na Usenet. Mas um desastre local ocorrido recentemente me fez usar um pouco o Twitter, e vim compartilhar com vocês algumas das minhas observações levemente relacionadas ao mundo do software livre.

Enquanto trabalhava “alegremente” no “feriado” do dia de trabalho aqui nos Estados Unidos, notei ao olhar pela janela do porão que uma tonalidade de laranja havia surgido no céu. O cheiro de fumaça veio logo em seguida. Saí do computador para dar uma espiada, e não tive como não notar que um grande incêndio estava acontecendo nas colinas a oeste. Os incêndios florestais aqui no Colorado não chegam ao nível do que vemos na Califórnia (aliás, nada aqui chega ao nível da Califórnia), mas mesmo assim esse tipo de incêndio é uma ameaça muito séria. Quando o céu se enche de fumaça, é óbvio que a gente quer saber o que está acontecendo.

O tal incêndio foi o maior incêndio da história do Colorado. Queimou 6.600 acres (2.600 hectares) amplamente povoados, destruindo mais de 160 casas. Digno de nota, não é mesmo?

O maior incêndio da história do Colorado durante a noite.

Obviamente, na hora, o site do jornal local não esclarecia muita coisa, e nem a televisão. Nessas situações, é certo que à noite a TV vá mostrar vídeos impressionantes de casas em chamas e aviões jogando água na região. Na manhã seguinte, o jornal local traz fotos desses mesmos vídeos. A estação de rádio comunitária local foi um pouco mais útil, mas é difícil conseguir informações quando acontece algum desastre na vizinhança. Doido para saber de alguma coisa, fui ao Twitter e procurei por “boulder fire” (incêndio em Boulder).

Os resultados foram interessantes: a turma do Twitter já estava batendo altos papos sobre a emergência. Todos estavam fazendo suas observações e postando imagens variadas. O chamado para evacuar a área foi espalhado através do Twitter, já que o mecanismo de notificação local de emergência parou de funcionar. É possível que algumas pessoas tenham deixado suas casas depois de ver o aviso no Twitter. Um professor de jornalismo da região estava ouvindo as frequências de rádio da polícia e do corpo de bombeiros, e postava as partes mais relevantes. Dentre as informações difundidas, estavam os centros de evacuação e os abrigos para animais grandes como cavalos, além da destruição de um dos carros dos bombeiros. Tudo isso só na primeira hora desde o início do problema.

Em outras palavras, muitas das informações úteis que circulavam pelo Twitter não estavam disponíveis por nenhuma outra fonte. Isso foi suficiente para que eu ficasse atualizando a página de pesquisa várias e várias vezes.

Apesar disso, não era tão fácil obter as informações. A taxa de mensagens úteis era baixíssima por uma série de motivos. O principal deles é a forma como as mensagens são encaminhadas no ambiente do Twitter. As relações entre seguidores levam a uma estranha topologia, composta por um grande número de links de mão única; só dá para transmitir mensagens para quem estiver vinculado a você no serviço. Por meio do mecanismo de retwite, o Twitter parece ter recriado o mecanismo de envio exaustivo de uma mesma mensagem que tínhamos na velha Usenet. As pessoas ficam retransmitindo tudo aquilo o que acham interessante.

O resultado é um monte de conteúdo duplicado, às vezes com algum comentário trivial no fim da mensagem. Depois que é repetida pela centésima vez (literalmente), a mensagem já não é mais tão interessante. Mesmo assim, as pessoas ainda sentiam a necessidade de retwitar para quem não estivesse seguindo a tag criada para o incêndio (no caso, #boulderfire). Esse processo se repetiu por muito tempo, e mensagens que só eram relevantes nos estágios iniciais do desastre ainda circulavam dias depois.

Para completar, muitas informações postadas não eram particularmente úteis. Um monte de gente pegou carona na situação com posts do tipo “esse #incendionocolorado é uma droga”. As construtoras locais correram a avisar que estavam disponíveis para reconstruir as casas destruídas. Fomos encorajados a fazer doações para terceiros, que juravam encaminhar o dinheiro para as vítimas. As estações de TV locais garantiam que seus vídeos do combate ao incêndio eram os melhores. Também postou-se muito sobre como a situação demonstrou o “poder do Twitter”.

Uma comunidade desse tamanho, mesmo que temporária, tem que ter pelo menos um troll e um doido. É parte das leis da física. O canal sobre o incêndio no Twitter não foi exceção, embora muita gente tenha se surpreendido com isso. O troll logo foi massacrado com uma incrível eficácia. O doido, que fingia representar um canal local de notícias, postou regularmente sobre corpos carbonizados (na verdade, ninguém teve ferimentos graves) e sobre a recusa das agências de notícias de se ajoelharem diante da “polícia do Twitter”.

Preciso dizer que isso tudo foi retwitado exaustivamente?

Resumindo, talvez uma mensagem em cada cinquenta fosse original e interessante, o que reduz consideravelmente o valor do canal. Para deixar tudo ainda mais divertido, o tal professor de jornalismo foi bloqueado, taxado como spammer, enquanto o verdadeiro spam continuava comendo solto.

Identi.ca é o nome de uma alternativa livre ao Twitter. Obviamente, fui até lá dar uma conferida na situação. A parte boa era a ausência do enorme tráfego de retwites; a ruim é que praticamente não havia nada de útil. Havia poucas informações, e de modo geral elas pareciam ainda mais com spam do que no Twitter. Parece que existe uma indústria de criação de páginas supostamente relacionadas às últimas notícias e de postagem de links para essas páginas em redes sociais. Resumindo: o identi.ca não trazia nada de útil para quem quisesse descobrir por que diabos aquela fumaça toda estava obstruindo a visão do monitor bem diante de seus narizes.

Você pode dizer que as pessoas postam no Twitter porque é lá que os leitores estão. E o pior é que o identi.ca parece estar mesmo só correndo atrás do Twitter. Pode funcionar como uma demonstração útil da plataforma StatusNet, mas quem posta no Twitter não tem nenhum motivo para migrar para o identi.ca. O código fonte livre não atrai muitos dos usuários de redes sociais, e o identi.ca não tem mais nada de atraente para convencer essas pessoas, Ele não tem condições de competir.

Apesar disso, eu ainda não sou usuário do Twitter. O incêndio foi controlado, e minha atenção tornou a se voltar para fontes de informações menos entupidas de ruído, como a lista linux-kernel. O valor do Twitter ficou um pouco mais claro para mim, mas o que ficou evidente mesmo é que precisamos de espaço para transmitir mensagens de uma maneira mais eficiente. A difusão de informações de alta qualidade sobre desastres em andamento pode ser um caso um tanto limitado, embora a maioria de nós vá se interessar por isso em algum momento de nossas vidas, mas o simples questionamento “o que está acontecendo” pode ser aplicado de forma mais ampla. Se nós, da comunidade do software livre, bolássemos uma plataforma de mensagens menos barulhenta, menos sujeita à manipulação, sem um controle centralizado e mais eficiente na transmissão de notícias aos interessados, valeria a pena tuitar sobre isso.

Créditos a Jonathan Corbetlwn.net

Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>

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