Desenvolvimento, popularização do Linux e PC conectado

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Este artigo em forma de entrevista contém explicações sobre o novo ritmo de desenvolvimento do Kurumin e várias opiniões sobre a viabilidade do Linux entre os usuários domésticos e sobre o PC Conectado.

1- Você anunciou recentemente que o Kurumin passará a ter apenas atualizações de versões anuais. O que o levou a tomar essa decisão?

É só uma questão de adaptação. Não tenho como dedicar muito tempo ao projeto e nas últimas versões houveram poucas contribuições, por isso faz mais sentido centralizar os esforços num número menor de versões.

Outro objetivo é incentivar a correção de problemas nas versões beta. Se o seu problema não foi corrigido durante a fase de testes, seja por que você não o reportou, ou não forneceu informações suficientes, ele só vai ser corrigido depois de muito tempo,
na próxima versão. Durante este período, as correções são disponibilizadas na forma de dicas e scripts, o que tem o objetivo de ajudar a melhorar o nível técnico de quem usa; afinal você passa a ser obrigado a colocar um pouco a mão na massa para resolver
os problemas.

Mas, isso não significa que as versões passarão a ser anuais. Havia mencionado que a versão 6.0 sairia em 2006, a versão 7.0 sairia em 2007 e assim por diante, mas isso não significa que não existirão versões intermediárias entre elas.

2 – O Kurumin ainda utiliza como base os sistemas Debian e Knoppix. Você pretende deixar o Kurumin independente de outras distribuições? Por quê?

Dentro do mundo open-source, ser “independente” é na maioria dos casos sinônimo de ser “ineficiente”. Ao invés de ficar duplicando ferramentas de configuração e reempacotando programas, é muito mais inteligente aproveitar a base desenvolvida por outras
distribuições e usar suas horas de trabalho para corrigir problemas e adicionar novos recursos. Com isto, você consegue chegar a um produto melhor com o mesmo número de horas de trabalho e beneficia indiretamente outras distribuições que podem aproveitar
as ferramentas desenvolvidas por você.

Quem defende este ponto de vista de que as distribuições devem ser “independentes” são geralmente pessoas leigas que não sabem bem o que estão falando.


3 – As principais distribuições estão aprimorando o uso dos recursos Wine e VMware. Você acredita que esta é a melhor solução para atrair usuários Windows que não querem se desligar de seus programas proprietários favoritos?

Num mundo ideal você poderia usar qualquer programa, independentemente do sistema operacional que escolhesse. Infelizmente na vida real as coisas não são bem assim. Embora seja possível desenvolver aplicativos multiplataforma, que rodem tanto no Linux
quanto no Windows, como o OpenOffice e o Mozilla, a maioria dos programas são desenvolvidos para rodar sobre uma única plataforma.

Atualmente a oferta de aplicativos Linux está crescendo muito rápido, incluindo tanto softwares livres quanto aplicativos comerciais. Apesar disso, muitos programas interessantes existem apenas em versão Windows e muitos deles são aplicativos críticos
para muita gente. A idéia de programas como o Wine e VMware é permitir que você possa migrar para o Linux a partir do momento em que a maior parte das suas necessidades são supridas pelos programas nativos, mas continuar usando alguns programas Windows
específicos, para os quais não existem similares e de que você realmente precisa.

Todo programa executado através do Wine ou do VMware, roda com um desempenho um pouco inferior ao original e, no caso do Wine, muitas vezes com problemas diversos. No caso do VMware existe todo o overhead de precisar rodar uma instância do Windows,
consumindo memória RAM e processador. Ou seja, os dois são mais uma solução emergencial, para casos específicos.

Se você passa o dia trabalhando no Corel, AutoCAD, ou outro programa específico ou se a maior parte dos programas que você usa e gosta só existem em versão Windows, então o melhor é continuar no Windows, isto é senso comum.

4 – Quais as principais inovações do Linux, independente da distribuição, que ainda necessitam de avanços para tornar o sistema mais popular e eficiente?

Na verdade, com relação ao sistema em sí não existe tanta coisa assim a ser feita. Os principais problemas são fatores externos, como o suporte a hardware, ferramentas de configuração e aplicativos.

Hoje em dia ainda existe carência de drivers em várias áreas, como por exemplo na parte do suporte a softmodems, placas wireless, placas 3D e recursos de economia de energia, como o suspender e hibernar. Se você pesquisar antes de comprar, não vai ter
muitos problemas em comprar um micro 100% compatível, o problema é justamente que 90% das pessoas compra primeiro e vai verificar se funciona ou não no Linux depois.

Esta questão dos drivers só vai ser solucionada definitivamente quando os próprios fabricantes, em massa, passarem a desenvolver drivers for Linux, como fazem no caso do Windows. Para que isso aconteça, é necessário que exista uma grande base de usuários,
que justifique o investimento.

Isto acontece gradualmente. Conforme a base de usuários aumenta aos poucos, a base de suporte de hardware também aumenta gradualmente, o que traz mais usuários e assim por diante.

Hoje em dia, temos projetos oficiais de desenvolvimento de drivers Linux por parte da Intel, nVidia e outros fabricantes. O suporte às placas 3D da nVidia e às placas Wireless da Intel, por exemplo, é muito bom.

Por outro lado, existem fabricantes “hostis” como a SiS, que não desenvolvem drivers, nem divulgam especificações e fabricantes como a ATI, que investem pouco na área e por isso desenvolvem drivers deficientes.

Se você quer apressar isso, comece a evitar fabricantes como a SiS e ATI na hora da compra e convença seus amigos a fazerem o mesmo. Melhor ainda, procure o contato do ombudsman ou atendimento ao cliente e envie um e-mail explicando por que você decidiu
comprar uma placa do concorrente. Quando começarem a perceber que estão perdendo um número considerável de clientes, com certeza mudarão sua postura.

5- Qual sua opinião sobre o PC Conectado?

Mesmo que realmente saia, não acredito que o projeto vá fazer uma diferença significativa no número de PCs vendidos, ou mesmo atingir seu público alvo.

Uns 70% dos PCs vendidos no país são vendidos através do mercado cinza, onde de qualquer forma não se paga impostos. A redução de impostos vai simplesmente causar uma diminuição nas vendas do mercado cinza, mas sem aumentar de forma considerável o total
de máquinas vendidas. Seria melhor que o governo simplesmente baixasse os impostos de importação de componentes de informática e deixasse que o mercado encontrasse um novo ponto de equilíbrio.

Normalmente, as pessoas de baixa renda compram micros usados. Você pode comprar um K6-2 ou um Pentium II por 500 reais ou menos. Para eles, comprar um PC por R$ 1400 com componentes de baixa qualidade e configuração deficiente, numa loja de varejo com
vendedores sem formação técnica não é necessariamente um bom negócio.

Outra questão é que um PC tem pouca utilidade hoje em dia se você não puder se conectar na Internet. Para a população de renda realmente baixa, que não tem como pagar por uma conexão de banda larga e, em muitos casos, nem como manter uma linha de
telefone, os programas que funcionam melhor são os telecentros e laboratórios nas escolas, combinados com cursos e livros baratos.

6- O programa PC Conectado é uma forma viável de popularizar o Linux no País?

O maior problema com relação à popularização do Linux não são os fatores técnicos, mas simplesmente a falta de empresas sérias, que realmente invistam neste mercado.

Os usuários domésticos são um público complicado de atender, pois possuem necessidades muito mais variadas do que o público corporativo (jogos, multimídia, e vários tipos de programas especializados) e, ao mesmo tempo, são o público que (por variados
motivos) menos tem condições de contribuir, tanto com código e correções, quanto financeiramente.

Isto faz com que ambos os modelos de desenvolvimento nos quais as distribuições se baseiam (o comercial e o comunitário) não funcionem bem. Isso explica por que quase todas as grandes distribuições são focadas ou no público corporativo (Red Hat, SuSE,
etc.) onde é possível vender produtos ou nos usuários mais técnicos (Debian, Slackware, Fedora), que contribuem no desenvolvimento.

Não é difícil desenvolver uma distribuição Linux voltada para o desktop, como mostrei desenvolvendo o Kurumin. Se apenas uma pessoa, dedicando poucas horas de trabalho pode desenvolver uma solução como o Kurumin, é obvio que uma equipe maior poderia ir
bem mais longe. A questão é que esta equipe precisa ser paga, ou mantida de alguma forma.

Para efetivamente desenvolver os recursos necessários, fazer estudos de usabilidade, desenvolver manuais e dar suporte, seria necessário uma equipe relativamente grande, maior do que seria necessária para desenvolver uma distribuição comercial, voltada
para o mercado corporativo.

O usuário doméstico, de uma forma geral, não paga nem mesmo pelo Windows, o que dizer de pagar por uma distribuição Linux. Por isso não seria viável manter esta equipe vendendo caixinhas ou cobrando qualquer tipo de licença.

Uma possível solução seria trabalhar junto aos integradores de PCs, de forma a fornecer versões customizadas da distribuição, otimizadas para cada configuração por um pequeno custo por máquina vendido. Mas, aí você esbarra na Microsoft, que pressiona os
integradores a venderem apenas máquinas com Windows, em troca de descontos expressivos nas cópias do Windows vendidas para eles. Caso o integrador comece a vender apenas algumas máquinas com outro sistema, ele perde o desconto, o que tira a sua
competitividade nos modelos com o Windows.

A segunda solução seria manter um projeto comunitário. Este modelo também seria complicado, simplesmente por que o público alvo não tem tanto conhecimento técnico e por isso não tem como contribuir com o projeto. Os usuários mais técnicos já usam outras
distribuições, Debian, Slackware, Fedora, Gentoo, etc. e por isso também não terão muito interesse em contribuir. Pelo contrário, em muito casos eles vão atacar o projeto, como acontece no caso do Kurumin, por exemplo.

Ou seja, para que exista um trabalho sério neste sentido, é necessário que aconteçam mudanças na mentalidade, tanto dos usuários iniciantes (que precisam estudar mais e contribuir financeiramente com os projetos) e também nos usuários mais avançados, que
(além de também estudar mais :P) precisam abandonar esta mentalidade elitista.

Esse é o tipo de mudança que só acontece gradualmente e, naturalmente, é o tipo de coisa que não é possível fazer por decreto. O governo pode ajudar dando preferência a empresas que desenvolvam soluções Linux na hora de fazer compras ou dando bolsas de
estudo e algum apoio financeiro para o desenvolvimento de projetos, mas nada além disso.

7 – Você acredita que o Linux um dia poderá superar o Windows em número de usuários?

A médio ou longo prazo sim. Existem dois fatores “estruturais” que propiciam isso.

O primeiro é o número de desenvolvedores. No caso dos projetos de código aberto, o desenvolvimento é descentralizado, por isso não existe um número máximo de desenvolvedores. Existem projetos pequenos, com um ou dois desenvolvedores e existem projetos
gigantescos, como o Kernel ou o KDE, com milhares de desenvolvedores ativos e um número exponencialmente maior de colaboradores esporádicos.

Num modelo fechado, como na Microsoft, as equipes de desenvolvimento tem um certo limite de membros. Como tudo é hierarquizado e centralizado, uma equipe muito grande se torna ineficiente. Independentemente do valor investido, existe um limite para a
quantidade de programadores que podem trabalhar de forma produtiva, o que limita o ritmo de desenvolvimento a um certo patamar. Podemos ver esta limitação claramente já nos dias de hoje, vendo os atrasos no lançamento do Windows Vista e número de recursos
que foram retirados para que ele não atrasasse ainda mais.

A segunda questão é econômica. Os PCs estão ficando cada vez mais baratos, por isso o custo do Windows e programas é cada vez maior com relação ao custo do equipamento. Hoje em dia, um PC novo chega a custar menos de 1500 reais, enquanto uma cópia do XP
home custa R$ 500, um terço do valor do equipamento. Se você incluir o preço do Office e mais alguns aplicativos, vai acabar facilmente gastando mais de três mil reais.

Conforme os PCs vão ficando mais baratos, isto se torna cada vez mais gritante, fazendo com que comecem a procurar alternativas.

As distribuições Linux estão ficando gradualmente mais completas e fáceis de usar e os PCs se tornam cada vez mais baratos. Apesar disso, o custo do Windows e demais softwares continua mais ou menos o mesmo, fazendo com que a balança comece a se
equilibrar.

Creditos: As perguntas usadas no artigo foram formuladas por Vinícus Casagrande

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