A HP definitivamente pegou o mundo de surpresa na quinta-feira, com o anúncio de que estava, simultâneamente, descontinuando a produção do TouchPad e dos demais produtos baseados no WebOS e, ainda mais surpreendente, abrindo mão de sua divisão de PCs e notebooks, que deve se tornar uma empresa independente ou então ser vendida.
Quando a HP anunciou a compra da Palm ano passado, tudo indicava que eles pretendiam seguir os mesmos passos da Apple, assumindo o controle tanto do hardware quanto do software, com o objetivo de oferecer produtos melhor integrados e obterem margens de lucro maiores. A HP vinha em uma espiral ascendente depois da compra da Compaq e parecia que a empreitada em torno do WebOS tinha boas chances de dar certo, com a empresa já anunciando até mesmo que pretendia passar a oferecê-lo em notebooks, como uma opção ao Windows.
Entretanto, as dificuldades em torno do desenvolvimento do WebOS e a baixíssima procura do recém-lançado TouchPad fizeram com que a HP jogasse a toalha, abandonando não apenas o WebOS, mas todo o negócio de PCs.
Muito embora a reputação da empresa no mercado nacional não ande muito boa, fruto de um elevado índice de defeitos em alguns modelos de notebooks, a HP é atualmente a maior fabricante de PCs do mundo, superando a Dell em número de unidades vendidas por uma grande margem. O fato de a maior fabricante ter anunciado que vai jogar a toalha, focando em outros negócios despertou dúvidas sobre a própria viabilidade da plataforma PC a longo prazo, dando origem a mais uma leva de artigos “o PC está morto, o futuro é dos tablets”.
É bem verdade que os tablets estão atraindo a atenção do público, e qualquer gráfico que mostre a curva de vendas deles vai mostrar uma curva ascendente vertiginosa, simplesmente pelo fato de que a dois anos atrás praticamente não se vendiam tablets.
Vale lembrar que isso também aconteceu com os netbooks, que saíram do zero para dezenas de milhões de unidades vendidas em poucos meses, levando muitos a acreditarem que eles substituiriam os notebooks, o que obviamente não aconteceu. Depois de crescerem vertiginosamente ao longo do primeiro ano, as vendas de netbooks estacionaram em um determinado patamar, que se mantém mais ou menos constante (em número de unidades vendidas) até hoje.
Na verdade, até o momento temos apenas dois modelos de tablets que se revelaram viáveis a ponto de venderem em grande volume: o iPad e o iPad 2. Outros modelos, como o Motorola Xoom e o Asus Transformer estão conseguindo vender algumas centenas de milhares de unidades por mês, mas isso representa muito pouco frente às vendas dos iPad, netbooks e notebooks.
Os tablets chineses de 100 dólares (ou menos!) também estão vendendo aos milhões, mas ninguém em sã consciência vai considerar usar um deles como única plataforma de computação. Em geral, quem os compra o faz ou por curiosidade, ou para uso como um visualizador de mídia ou como um assistente portátil, fazendo par com um PC ou notebook.
Em resumo, os tablets estão crescendo rapidamente em vendas pelo menos motivo que o Eee PC foi um grande sucesso de vendas em 2007: Eles são novidade e por isso todos querem um. Eles são também práticos para tarefas leves, como checar e-mails e rodar jogos para passar o tempo, mas eles não são muito eficientes em situações em que você realmente precisa produzir.
Por exemplo, eu estou escrevendo este artigo em um PC desktop com dois monitores. Embora ele não seja um PC high-end, ele tem um poder de processamento superior ao de um notebook médio e o fato de possuir dois monitores permite que eu mantenha o artigo sendo escrito em vista, ao mesmo tempo em que checo referências, ilustrações, etc. Também poderia escrevê-lo em um notebook, muito embora de forma um pouco menos eficiente devido à falta da segunda tela, mas sem dúvida seria torturante tentar escrevê-lo em um tablet, não apenas devido à falta de teclado e mouse, mas também pela falta de poder de processamento para manter um navegador com muitas abas abertas, lado a lado com outros aplicativos, e mesmo de um sistema robusto para chavear rapidamente entre tarefas.
Em um desktop ou notebook, posso manter tranquilamente 3 ou 4 janelas do navegador abertas, cada uma com 10 ou 20 abas e mais um punhado de janelas do OpenOffice ou outros aplicativos abertas simultâneamente (o hardware dá conta do recado) e chavear entre elas em frações de segundo usando o mouse e a barra de tarefas.
Em um tablet esse tipo de trabalho extensivo não é viável, não apenas por que não existem recursos computacionais suficientes, mas também por que a interface é muito menos eficiente, voltada para quem precisa fazer apenas uma coisa de cada vez. Seja no iOS ou no Android, os conceitos e limitações são basicamente os mesmos.
Onde quero chegar com tudo isso? É natural que os tablets continuem crescendo em popularidade ao longo do próximo ano, roubando o espaço dos netbooks de um lado e de players de mídia (iPods, etc.) do outro. Os netbooks são uma presa fácil, já que eles também não são adequados para trabalho intensivo (pouco poder de processamento, teclado apertado, etc.) o que faz com que o público deles (precisamente o público que precisa apenas checar e-mails, navegar e executar outras tarefas leves) veja os tablets como uma opção para fazer as mesmas coisas em um dispositivo mais leve e que pode ser usado em mais situações.
Por outro lado, os tablets não têm como competir diretamente com os notebooks e com os smartphones, que são destinados a tarefas diferentes. Não existe nenhuma dificuldade em integrar um transmissor 3G em um tablet para transmissão de dados, mas mesmo os mais corajosos não vão se sentir muito confortáveis em tentar usá-los como telefones. No outro extremo, temos cada vez mais opções de smartphones com telas de 4.5″ (alguns fabricantes já estão testando modelos com telas de 5″!), quem podem perfeitamente assumir o papel de tablet.
No outro extremo, temos os usuários “pesados”, que podem ter um tablet para ler e assistir filmes, mas jamais vão abrir mão de um PC e um notebook para quando forem realmente trabalhar.
Outro mercado em que os tablets terão dificuldades em entrar serão as empresas em geral, já que um PC ou notebook será quase sempre mais barato que um tablet (os PCs atualmente custam a partir de R$ 700 e os netbooks/notebooks a partir de R$ 900, com os tablets de grandes fabricantes custando a partir de R$ 1000) e permitem continuar rodando toda a enorme gama de aplicativos x86 que continuam em uso. Migrar de micros PCs para tablets em um ambiente profissional é bem mais complicado do que migrar para Linux, e quem tem acompanhado projetos como estes na última década, sabe como isso pode ser problemático.
Em resumo, minhas “previsões” são que os tablets continuarão crescendo, roubando sobretudo espaço dos netbooks, mas eles estacionarão em um determinado patamar a partir do final de 2012, passando a decair lentamente a partir daí, passando a perder terreno para smartphones com telas grandes.
Os PCs e notebooks já atingiram seu ápice de vendas a alguns anos atrás. com exceção de países sub-desenvolvidos que estão entrando agora na corrida tecnológica, praticamente todo mundo que poderia ter um PC já tem um, o que faz com que as vendas se concentrem mais nas substituições e upgrades de equipamentos, que por sua vez estão se tornando mais lentos. Em outras palavras, os PCs não têm mais para onde crescerem em matéria de vendas, mas por outro lado eles não irão a lugar nenhum, pelo menos não antes do início da próxima década. Os formatos podem mudar (como no caso dos Ultrabooks fininhos da Intel) mas os PCs continuarão entre nós.
Mesmo contando com a concorrência dos processadores ARM, que devem começar a equiparem alguns notebooks e netbooks a partir do lançamento do Windows 8 (sem falar de continuarem a dominar os smartphones e tablets), os processadores x86 também não devem perder a majestade tão cedo, pois eles manterão a liderança em relação ao desempenho e a Intel tem margem de sobra para reduzir os preços caso a situação realmente fique difícil. Os ARMs devem conquistar um espaço no mercado low-end, mas os chips x86 devem continuar fortes no mercado mid-range e high-end.
O grande problema do ponto de vista dos fabricantes é que os PCs não são mais a mina de ouro que já foram no passado. Quem viveu o final da década de 90, vai se lembrar na época em que qualquer integrador de fundo de quintal conseguia trabalhar com margens de 20% ou mais vendendo PCs montados, uma espécie de corrida do ouro, que resultou em uma concorrência brutal e margens de lucro cada vez mais apertadas. Hoje em dia, mesmo grandes fabricantes não conseguem trabalhar com margens muito superiores a 3 ou 4% e o espremer das margens afeta todas as camadas da produção: dos integradores aos fabricantes de memórias e placas-mãe. Basicamente, a única empresa que ainda ganha muito dinheiro com os PCs é a Intel; todos os demais (até mesmo a AMD) batalham para continuar à tona, trabalhando com margens cada vez mais exprimidas. Isso faz com que os grandes fabricantes americanos tenham cada vez menos interesse em se manterem nesse mercado, dando lugar para integradores locais, bem como empresas asiáticas especializadas em trabalhar com margens de lucro baixas.
Quem tem ganhado dinheiro hoje em dia são fabricantes de smartphones, como a Apple e a Samsung, e os tablets são a nova corrida do ouro, na qual todos querem tomar parte. Enquanto os fabricantes de PCs se matam para conseguir margens de 3 ou 4%, os tablets permitem trabalhar com margens de 50% ou mais. Tendo isso em mente, é fácil perceber o motivo de toda a empolgação em torno dos tablets, já que é para eles que todas as metralhadoras dos departamentos de marketing estão apontadas.
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