Como ficam os projetos da Sun depois da compra pela Oracle

Oracle: SELECT * FROM Sun
Autor original: Jonathan Corbet
Publicado originalmente no:
lwn.net
Tradução: Roberto Bechtlufft

Apesar dos rumores incessantes, a IBM acabou não comprando a Sun Microsystems. Mas no dia 20 de abril, a Oracle comprou. A aquisição da Sun pode ter algumas implicações interessantes para a comunidade Linux. Eu não estou sabendo de nada que vocês já não saibam, mas suspeito que o resultado de modo geral será positivo. O que veremos abaixo é mera especulação de minha parte quanto ao rumo dessa história.

Há alguns meses, eu escrevi um artigo levemente irônico sobre um assunto sério: o que aconteceria se a Sun Microsystems passasse por uma mudança de gerência que tornasse a empresa bem menos amigável ao software livre? Agora parece que vai mesmo haver uma mudança de gerência. É de se questionar que mudanças nós veremos na atitude da empresa recém-adquirida: a Oracle nem sempre é vista como uma das empresas mais amigáveis, de modo geral. Mas ainda que a Oracle seja em grande parte uma empresa de software proprietário, ela parece ter uma abordagem de apoio ao software livre. Eu tive uma impressão muito boa do discurso dado pelo “arquiteto-chefe corporativo” da Oracle, Edward Screven, no recente evento Linux Foundation Collaboration Summit. Em alguns níveis de software, pelo menos, a Oracle parece estar genuinamente interessada em trabalhar com a comunidade de desenvolvimento e ajudá-la a crescer.

Há vários tópicos de interesse específico sobre os quais podemos especular; vou falar de alguns deles:

MySQL

O projeto, obviamente, pode ser encarado como um competidor direto do banco de dados principal da Oracle. Logo, não é de se admirar que várias pessoas especulem que a Oracle não vá incentivar o seu crescimento. Ou, talvez, que a Oracle vá diminuir a ênfase no projeto ou “devolvê-lo à comunidade”. Mas as coisas não irão necessariamente seguir esse rumo.

É preciso lembrar que essa não é a primeira vez que a Oracle é vista como uma ameaça ao MySQL por causa de uma aquisição. Em 2005, a Oracle comprou a Innobase, criadora do motor de armazenamento InnoDB usado pelo MySQL. O projeto MySQL sabiamente se afastou do InnoDB, mas o fato é que esse código continua sendo software livre, e o InnoDB continua ganhando versões novas. No fim das contas, a casa não caiu.

Além disso, há uma questão bem simples: parece que o MySQL rende um dinheiro. A aquisição pode ser uma oportunidade para a Oracle obter lucros com clientes que por algum motivo não estejam interessados em comprar licenças dela. Isso amplia a linha de produtos de bancos de dados da empresa e pode dar a ela a oportunidade de encorajar os clientes a migrarem para as ofertas mais caras e proprietárias.

Interessante mesmo vai ser o que vai acontecer com a comunidade de desenvolvimento do MySQL. A Oracle ainda não tem lá muita experiência no gerenciamento de projetos grandes baseados no trabalho da comunidade, mas parece que ela está aprendendo. Só que no momento, a comunidade do MySQL não está em muito boa forma; ela sofreu com a lendária mão pesada da Sun, o que gerou um grau razoável de insatisfação entre os desenvolvedores. Há alguns forks ativos por aí, o que leva à possibilidade do controle sobre o “verdadeiro” MySQL escapar das mãos da Sun. A Oracle talvez possa atrair esses desenvolvedores de volta em um projeto focado no núcleo do MySQL, gerenciado de uma forma mais voltada para a comunidade. Se isso acontecer, vai ser difícil não chegar à conclusão de que a aquisição foi uma boa para o MySQL.

Solaris

No comunicado distribuído à imprensa, o sistema operacional figura como umas das principais justificativas para a aquisição. A Oracle vende um bom número de licenças para desenvolvimento no Solaris, e a ideia de controlar a plataforma inteira certamente vai deixá-la feliz. A pergunta é: será que a Oracle encara o Solaris como um sistema com um longo futuro pela frente ou como uma plataforma legada que será suportada por algum tempo, sem contar com muito desenvolvimento?

Já faz algum tempo que correm boatos de que a Sun estaria repensando suas opções de licenciamento. Um Solaris licenciado sob a GPL não estava totalmente fora de cogitação antes da compra da empresa; é possível que essas chances tenham aumentado agora. Um Solaris com nova licença, de preferência somada a uma maior clareza no licenciamento de patentes, pode tornar possível a migração de tecnologias como o ZFS e o Dtrace para o Linux. Se o Linux vai ou não ter interesse nisso já é outro papo.

Obviamente, há uma alternativa: a Oracle pode decidir promover o Solaris como um competidor do Linux (e de licença incompatível), reduzindo seu envolvimento com o Linux. Talvez eu esteja sendo inocente, mas acho isso pouco provável. A Oracle investiu pesado no Linux para criar uma impressão real de que acredita na plataforma. A Oracle nem de longe realizou o mesmo nível de investimento no Solaris (e não esqueçamos que ele também é software livre). Se a Oracle tentasse emplacar o Solaris como uma alternativa melhor ao Linux, iria apenas dar continuidade à estratégia da Sun. Presume-se que haja pessoas espertas o suficiente na Oracle a ponto de se perguntarem por que a Oracle teria mais sucesso com essa abordagem do que a Sun teve.

Btrfs

Edward Screven afirmou que a Oracle estava interessada no Btrfs porque gosta mais da tecnologia dele do que da do ZFS. A posse do ZFS pode comprovar ou não essa afirmação, mas não parecem haver razões para acreditar que a declaração não tenha sido sincera. A Oracle afirmou que seus planos para o Btrfs não mudaram, e que os recursos investidos no projeto não diminuirão.

Java

O comunicado à imprensa declara que o Java “é o software mais importante que a Oracle já adquiriu”. Boa parte do software da Oracle é escrito em Java, e há claras vantagens em controlar essa parte da pilha de software. Cada vez mais os clientes podem recorrer apenas à Oracle para obter suporte para a maioria dos componentes principais que usam. Presume-se que isso vá ajudar a Oracle a fazer dinheiro.

OpenOffice.org

O projeto parece não combinar muito com a Oracle, que não é uma empresa de software para desktops. Ainda assim, a Oracle pode achar que vale a pena manter o projeto em desenvolvimento como forma de encorajar os usuários de desktops corporativos a abandonarem os produtos da Microsoft. Com um pouco de sorte, a Oracle vai fazer do OpenOffice.org um projeto mais voltado para a comunidade. Ao tornar tão difícil a participação no desenvolvimento do OpenOffice.org, a Sun rejeitou as ofertas de ajuda que vieram de vários setores da comunidade. Talvez a Oracle seja mais esperta e perceba que, ao tornar as coisas mais abertas, pode acelerar o desenvolvimento do OpenOffice.org sem ter que investir mais no projeto. A esperança é a última que morre.

A verdade é que tudo pode acontecer. Pode ser que a aquisição seja parte de um plano de longo prazo da Oracle de adquirir o suficiente da comunidade de software livre para neutralizar as ameaças que detectar. Agora que esse plano hipotético começa a se realizar (faltando apenas, talvez, a aquisição da Red Hat, boato que volta e meia surge), a Oracle pode se afastar do Linux, tornar tudo proprietário e se preparar para a batalha final. Isso não seria nada bom para a comunidade Linux, mas como sempre, nós acabaríamos mais fortes depois que a poeira baixasse.

Ou então a Oracle pode ter entendido que software realmente livre pode ajudar a transformar os produtos de seus competidores em commodities, permitindo à Oracle oferecer opções sólidas de seus próprios produtos. Essa empresa, que já se tornou uma das maiores contribuidoras do kernel do Linux, pode se tornar a maior contribuidora dos projetos de software livre como um todo (título que a Sun já possuiu). Se a Oracle mantiver os projetos da Sun de maneira mais focada na comunidade, poderemos concluir, daqui a um ano, que a aquisição foi boa, sim.

Créditos a Jonathan Corbetlwn.net
Tradução por Roberto Bechtlufft <roberto at bechtranslations.com>

Sobre o Autor

Redes Sociais:

Deixe seu comentário

X