OPINIÃO: Aleksandar Mandić foi um gigante do empreendedorismo digital no Brasil

OPINIÃO: Aleksandar Mandić foi um gigante do empreendedorismo digital no Brasil

Faleceu nesta quinta-feira (06), aos 66 anos, uma das personalidades mais importantes para a construção do acesso à internet no Brasil: Aleksandar Mandić. Um verdadeiro desbravador e figura ímpar em capítulos históricos da evolução da internet comercial no país. O falecimento foi confirmado por seu filho, mas a causa da morte não foi revelada.

Brasileiro de origem humilde, Mandić, filho da união de uma bielo-surra com um sérvio, foi o sinônimo do verdadeiro empreendedor 2.0, aquele que construiu suas bases através de um novo universo, o universo de computadores interligados, o universo que deu origem às centenas de transformações que só a web conseguiu fazer.

Meu contato com algum dos empreendimentos em que Mandić esteve diretamente envolvido veio muito antes de eu sequer saber seu nome. O iG, portal que Mandić é creditado como um dos fundadores, era um daqueles locais que eu frequentava de maneira corriqueira quando o acesso à internet (via discada) se tornou corriqueiro em minha casa.

Lembro com extrema clareza o discador do iG disputando espaço com outras tantas opções que eu utilizava para tentar me conectar à web. Opções como o discador Pop (e seu famigerado recurso que prometia aumentar a velocidade de navegação), Click21, iBest, entre outros. Era uma época do verdadeiro conhecimento de um novo mundo. A internet tinha um charme indescritível. 

Termos como “internauta” e “surfar na web” eram corriqueiros. Poucos “surfaram” tão bem como Mandić. Funcionário da Siemens por 17 anos, o técnico em eletrônica Aleksandar Mandić cravou seu nome no pioneirismo digital quando fundou o primeiro BBS (Bulletion Board System) comercial do Brasil, em 1990. Época em que a internet comercial no Brasil ainda nem era uma realidade.

Esse foi o primeiro grande empreendimento de Mandić. Batizado de Mandic BBS, o projeto carregava o conceito de BBS que surgiu nos EUA nos anos 70. O BBS abria a  possibilidade de interconectar seu computador a outras máquinas, através de uma linha telefônica, para conversar e trocar arquivos.

A BBS de Mandić tinha apenas 60 megabytes de capacidade. No início era o próprio Mandić que cuidava da administração do empreendimento, no quarto de sua sala, comandando tudo através de um PC 286 e uma linha telefônica.

O BBS dava partida no que viria ser esse conceito de interligar máquinas numa grande plataforma, conceito que ganhou forma definitiva a partir da criação da World Wide Web (WWW). A BBS e o WWW tornou possível a participação ativa de uma legião de pessoas mundo afora em consumir e compartilhar informações.

Mandić puxou essa carreata da inovação online no Brasil, assim como outros nomes de extrema importância, como Demi Getschko, parceiro de Mandić na concepção do iG, e também um dos principais responsáveis pela implementação da grande rede no Brasil.

Mandic foi atualizando seu BBS de acordo com as novas realidades em termos de conexão, como, por exemplo, em 1997, a possibilidade de navegação a 56 kbps. Provedores como Dialdata, BR Homeshopping e Universo Online também ofereciam essa possibilidade na época.

A Mandic BBS se transformou na Mandic Internet, um dos primeiros provedores de internet do país. O provedor de Mandić foi o primeiro a angariar 10 mil usuários no Brasil.

O Inquieto Mandić não tinha medo de se jogar em novos empreendimentos. Em 2001, após um ano de iG, o empresário tocou o barco e se jogou numa nova empreitada, a criação de um serviço de e-mails pagos. Intitulado mandic:mail, o serviço que era bem caro para a época. A assinatura anual era de R$ 350.

O principal argumento utilizado por Mandic para tentar vender um serviço de e-mail pago, que rivalizava com opções gratuitas, era a questão da curadoria.

Muitos provedores de internet e e-mail, como o Hotmail, vendem os dados dos seus clientes para empresas, que os utilizam para fazer propaganda. Isso lota a caixa postal e é uma chateação para os usuários. Na Mandic, vou garantir sigilo total dos dados dos nossos clientes. Isso será registrado em cartório. O nosso usuário poderá ter acesso ao e-mails de qualquer lugar do Brasil”  declarou na época para a Folha de S. Paulo.

Falando em Folha de S.Paulo, há um fato bem curioso envolvendo Mandić e o Jornal. O empresário publicou um anúncio na capa da Follha de S.Paulo que divulgava um serviço que concorria diretamente com o provedor do UOL, grupo em que a Folha está inserida.

A veia empreendedora de Mandić nunca o abandonou. Seguiu apostando em um serviço de armazenamento em nuvem e até mesmo em um aplicativo. O seu último grande empreendimento, o Wi-Fi Magic. Um app que, via colaboração dos próprios usuários, encontra pontos de Wi-Fi públicos. Aplicativo disponível para Android e iOS.

Mandić foi reverenciado até mesmo na cultura pop. No sexto episódio da quarta temporada de Sillicon Valley, os protagonistas se deparam com a negativa de um CEO que se recusa a ouvir a proposta para o investimento em um app. Este CEO, na série, tinha o nome de George Mandic. Mandić também tentou entrar para a política. Lançou sua candidatura a Deputado Federal pelo DEM em 2010.

Mandić foi um empreendedor estupendo e um personagem quase mítico na história da internet no Brasil. Descanse em paz, grande Mandić!

Sobre o Autor

Editor-chefe no Hardware.com.br, aficionado por tecnologias que realmente funcionam. Segue lá no Insta: @plazawilliam Elogios, críticas e sugestões de pauta: william@hardware.com.br
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