The Open-PC: one step closer to open-hardware
Autor original: Ryan Cartwright
Publicado originalmente no: freesoftwaremagazine.com
Tradução: Roberto Bechtlufft
O projeto Open-PC, ou “PC aberto”, foi anunciado no evento Gran Canaria Open Desktop Summit, em julho de 2009. Segundo o anúncio, o projeto tem como objetivo “desenvolver em cooperação com a comunidade (e para a comunidade) um computador baseado em software livre”. Esse PC usaria apenas hardware que tivesse drivers de software livre disponíveis, e faria o mínimo de concessões possíveis para a execução de um desktop livre. Em janeiro de 2010, o projeto anunciou o lançamento do produto final.
Após o anúncio em vários sites de tecnologia, muitos analistas correram a apontar falhas: a expectativa exagerada, o preço muito alto (359 euros) e o hardware de baixo desempenho (Atom/3GB/160GB/Intel Graphics) foram algumas das reclamações mais populares que encontrei. Também houve quem questionasse se de fato há a necessidade de um PC desses. Hoje em dia você pode comprar um laptop por esse preço, e o Open-PC nem vem com monitor. Diante dessa afirmação, pode parecer que a máquina está um pouco fora de sintonia com a realidade.
Eu acho que os detratores não entenderam a proposta. Este PC não está sendo feito por um fabricante disposto a lucrar às custas do software livre para depois se mandar quando o dinheiro começar a entrar (estou olhando para você, Asus). Ele também não é obra de um grande nome da indústria tentando satisfazer seus clientes mais radicais com um agradinho só para disfarçar (e agora estou olhando para você, Dell). Trata-se de um projeto da comunidade, iniciado porque partes dessa comunidade está farta de ter que fazer concessões, usando drivers não livres em seus desktops livres. É também uma experiência com hardware realizada pela comunidade. As principais decisões de design do projeto, o preço, o nível de integração online, mídia de recuperação e afins, foram definidos coletivamente, através de pesquisas de opinião online.
Este não é o primeiro projeto de hardware desse tipo – tivemos também o Open Graphics Project, por exemplo – mas o Open-PC tem a vantagem de usar hardware já disponível, para o qual há drivers livres disponíveis, em vez de tentar criar seu próprio hardware aberto. Ainda assim, ir do conceito à produção em seis meses é um feito admirável. Duvido que este seja o último projeto desse tipo, e aconteça o que acontecer com o Open-PC, acho que o projeto já pode dizer que teve êxito. É fato que se o objetivo do projeto fosse vender hardware (vender no sentido de agradar aos acionistas), seus detratores teriam razão. Só que o objetivo aqui é mais filosófico, e eu acho que mesmo que as vendas não sejam boas, será difícil rotular o projeto como fracassado, visto que ele já realizou aquilo a que se propôs: criar um computador. Quanto a projetos como o já mencionado OGP, aposto que assim que esse tipo de hardware aberto for produzido em quantidades significativas ele será adotado por projetos como o Open-PC. O OpenBIOS é outro projeto que tem objetivos louváveis, e tenho certeza de que seus frutos aparecerão no caminho desta proposta de hardware aberto.
Do Open-PC à ficção
Ao visitar o site do projeto, tive uma sensação de déjà-vu. Eu li recentemente o romance http://craphound.com/“Makers”, de Cory Doctorow. Talvez alguns de vocês saibam que Doctorow é um ferrenho defensor da liberdade. Isso inclui a área de artes criativas (todos os seus escritos estão disponíveis sob uma licença Creative Commons) e software (há pouco tempo ele migrou do Mac para o GNU/Linux). Neste romance, ele contempla o futuro próximo e vê como os princípios do software livre e da Creative Commons podem se expandir e abranger outras coisas, como o hardware. No livro, os fabricantes fazem tudo, de atrações em parques de diversões a bicicletas e computadores, usando especificações de hardware abertas. Todas essas criações são ligadas umas às outras, de modo que eventuais modificações acabem “voltando” para todas elas. O resultado é um grupo de máquinas com funcionamento semelhante ao do software livre. Correções são enviadas, baixadas e aplicadas. Em “Makers”, o design do hardware é baixado por impressoras 3-D que “imprimem” os componentes que serão montados por robôs. As atrações dos parques de diversões baixam as modificações de outras atrações, e robôs fazem as adaptações durante a noite. O conceito é o de um hardware que está sempre evoluindo, assim como o software.
Talvez eu esteja sendo otimista outra vez, mas vejo uma ponte entre o Open-PC e os dispositivos descritos em “Makers”. Ok, talvez um PC que se reconstrói durante a noite seja um exagero, meio Skynet demais para o seu gosto. Mas um PC feito com base em especificações abertas, que possa receber correções e se adaptar às mudanças parece mais provável. Neste exato momento, milhões de pessoas em todo o mundo já atualizam (e não apenas corrigem) seu software livre usando ferramentas simples que se conectam a um repositório central ou a um de seus mirrors. Será que é um exagero muito grande imaginar uma situação na qual o hardware aberto possa ser adaptado usando ideias semelhantes às expressas em “Makers”? Imagine um PC no qual cada componente possa ser substituído por outro, “impresso” a partir de um design aberto. Acha que eu estou viajando na maionese? Aqui no Reino Unido nós usamos uma expressão, “death by committee”, ou “morte por comitê”. Eu concordava com essa expressão, que ilustra a ideia de que decisões tomadas por um comitê geralmente demoram muito para resultar em algo concreto. O software livre mudou essa visão. E em outra área, o Open-PC provou que essa visão está errada. Mesmo que a princípio elas apenas montem os componentes originais, iniciativas de hardware aberto e livre como o OGP, o OpenBIOS e o Open-PC podem revolucionar o mercado de PCs.
Sim, os fabricantes de hardware atuais não vão se sentir ameaçados pelo Open-PC, mas as softhouses também não se sentiam ameaçadas em 1983 e em 1991. As lojas de hardware também podem não estar muito empolgadas em abraçar essa nova liberdade em hardware, mas o processo ainda está engatinhando. Há uma boa possibilidade de que o hardware aberto, livre e feito em colaboração cresça no futuro; hoje, os fabricantes já usam o software livre para atingir seus objetivos financeiros. Depois que o hardware livre se tornar mais real, não vai demorar para que eles embarquem nessa também. Onde vai estar o dinheiro? Ele vai estar na venda de componentes pré-montados para usuários finais, exatamente como acontece hoje. Só que esses componentes serão baseados em design aberto. Nem todos os fabricantes de PCs terão os recursos ou a inclinação para produzir seus próprios equipamentos, então outros vão fazer isso para eles, adaptando e ajustando o kit básico, da mesma forma que interfaces padronizadas são usadas por vários tipos de placas hoje.
Sim, o projeto Open-PC pode ter feito mais barulho do que deveria. Sim, ele pode ser muito caro em comparação com suas contrapartes proprietárias, mas isso não tem muita importância. Ele provou que isso pode ser feito, e eu tiro o meu chapéu para o projeto. Vale observar que uma das pesquisas perguntava se os entrevistados (em torno de 4700) comprariam o PC. 42% disseram “sim”, 52% disseram não ter certeza, e 6% disseram “não”. Outra pergunta foi se os entrevistados recomendariam o Open-PC aos parentes e amigos. 77% disseram “sim”, 21% disseram não ter certeza, e apenas 1% dos entrevistados disseram “não”. Seja qual for sua interpretação dessas respostas, elas indicam uma coisa diferente – que as pessoas acreditam no projeto. As ideias envolvidas aqui mantêm uma posição forte, e eu duvido que essas ideias simplesmente desapareçam.
Nota: anúncio do Open-PC em seu site oficial
Créditos a Ryan Cartwright – freesoftwaremagazine.com
Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>
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