O avanço dos micro-PCs

O avanço dos micro-PCs

O lançamento do Raspberry Pi e a grande disponibilidade de SoCs ARM baratos levou ao surgimento de toda uma nova classe de dispositivos, os micro-PCs, que podem ser ligados a uma TV ou monitor para serem usados como players de mídia ou para tarefas leves de navegação e produção de conteúdo. Por serem feitos para ocuparem uma faixa muito baixa de custo, eles não oferecem configurações muito poderosas, geralmente limitados a processadores single-core e 512 MB de RAM, mas muitos trazem GPUs poderosas o suficiente para exibirem vídeos 1080p e rodarem jogos complexos. Diferente do Raspberry Pi, eles geralmente utilizam imagens do Android, já que são voltados para o público final, mas nada impede que eles rodem Linux, a partir do momento em que alguma imagem do sistema fica disponível.

O primeiro representante foi o Cotton Candy, anunciado no final de 2011 pela FXI. Apesar de ser o pioneiro, ele foi o modelo com a configuração mais forte apresentada até agora, com um processador SoC ARM Cortex A9 dual-core operando a 1.2 GHz, combinado com um processador gráfico ARM Mali 400MP, que além de oferecer um fill-rate de 1.2 gigapixels, é capaz de sustentar uma saída de vídeo 1080p, com direito a aceleração de vídeo via hardware. Ele inclui ainda 1 GB de RAM completos e o tradicional slot micro-SD para a conexão de cartões de até 32 GB:

 

candy

Ele adota um formato peculiar, incluindo um adaptador USB macho (para conexão direta em um notebook) e um conector HDMI macho para a conexão direta em uma TV. Ligado ao PC ele usa o próprio mouse e teclado do PC, mostrando a saída de vídeo via frame-buffer em uma janela, funcionando de forma muito similar ao que você teria ao rodar uma VM, porém com a diferença de que tudo é processado pelo Cotton Candy, sem onerar o PC principal. Ao ser ligado na TV por outro lado você usaria um cabo USB para a alimentação elétrica e um teclado e mouse bluetooth para input.

O grande problema com o Cotton Candy é que ele fazia parte de outra faixa de preço, sendo anunciado por US$ 200. Devido a isso, ele acabou vendendo poucas unidades. A partir do início de 2012, vários SoCs baratos, com processadores Cortex A8 e chipsets gráficos poderosos começaram a substituir os antigos SoCs baseados em processadores ARM11, possibilitando o surgimento de uma nova safra de dispositivos, bem mais baratos.

Um bom exemplo é o MK802, baseado no SoC AllWinner A10, que inclui um processador ARM Cortex A8 single-core de 1.5 GHz, uma GPU Mali 400 (similar à GPU do Galaxy S II, porém operando a um clock ligeiramente mais alto), Wi-Fi e 512 MB de RAM, combinados com uma porta USB e saída HDMI:

allwinner

Ele já vem com o Android 4 pré-instalado nos 4 GB de memória Flash interna e foi desenvolvido para funcionar em conjunto com um teclado e mouse USB e uma TV, sendo alimentado através de uma porta micro-USB, compatível com a maioria dos carregadores de celular. A memória interna pode ser expandida através de um cartão microSD. Naturalmente, o fato de ele vir com uma única porta USB complica um pouco as coisas, demandando o uso de um hub USB, ou de um combo de teclado e mouse sem fio que utilize um único transmissor. 

Se comparado com o Cotton Candy, ele oferece uma configuração mais modesta (processador single-core e apenas metade da memória RAM), e é um pouco maior, mas é em compensação muito mais barato, disponível na época do lançamento por apenas US$ 74. 

A Mali 400 é uma GPU móvel bastante poderosa, que além de um bom desempenho 3D também oferece suporte à decodificação de vídeos 1080p via hardware, o que abre as portas para o uso como media player. O processador relativamente poderoso também permite que ele seja usado para streaming de vídeos, navegação web e outras tarefas. Como sempre, a decodificação via hardware engloba apenas os formatos mais usados, como o MPEG-4, H.264, D1, etc. deixando de fora vídeos em formatos menos comuns (como o Xvid) bem como arquivos com opções incomuns de codificação. Para eles é possível usar um player com suporte à decodificação via software, como o MoboPlayer ou o MXPlayer, que em um Cortex A8 de 1.5 GHz permitem assistir tranquilamente vídeos 480p em qualquer formato via software quando necessário.

Outro modelo similar é o Mini X, vendido na época do lançamento por US$ 77. Ele oferece praticamente a mesma configuração do MK802, com o mesmo SoC, os mesmos 512 MB de RAM e os mesmos 4 GB de memória integrada, mas agora com um formato diferente e uma interface modificada, próprio para uso em conjunto com uma TV:

mini 2

 

O formato físico, combinada com a decodificação via hardware fazem com que ele seja uma opção razoável de media player, onde você pode simplesmente gravar os arquivos em um cartão, ou baixá-los pela rede (já existem até mesmo clientes bittorrent para o Android, como o aTorrent e o aDownloader) e assistir na TV, ganhando também a possibilidade de navegar na web, assistir vídeos via streaming e etc. Ele funciona como uma espécie de Google TV que não é do Google.

Ele oferece uma porta HDMI para saída de vídeo, com duas portas USB frontais (operando em modo USB Host) para a conexão de teclados, mouses e outros periféricos, bem como o tradicional slot micro-SD com suporte a cartões de até 32 GB. Ele já inclui uma interface Wi-Fi, com uma antena externa e vem com um controle remoto para facilitar o uso a partir do sofá.

No geral eles são uma opção interessante para uso em conjunto com uma TV, já que são baratos e já vêm com o Android instalado. Para uso como estações de trabalho de baixo existe a barreira do conector de vídeo, já que a grande maioria dos monitores ainda oferece apenas conectores DVI e VGA. No caso do DVI o problema é fácil de resolver, já por se tratar de outra conexão digital,  basta usar um adaptador HDMI > DVI simples para fazer a conexão. No caso do VGA (que é analógico) por sua vez, você precisaria de um conversor, que é bem mais caro.

Uma terceira opção é o APC, desenvolvido pela VIA (http://apc.io/). Ele chegou ao mercado como uma espécie de concorrente do Raspberry Pi, já que também é um computador completo em um formato compacto, vendido “pelado”, sem o gabinete e por um preço apenas um pouco mais alto: US$ 49 por unidade.
Se comparado ao Raspberry Pi, o Via APC é um pouco mais poderoso do ponto de vista do hardware. Ele é baseado em um SoC VIA WonderMedia, que inclui um processador ARM11 operando a 800 MHz (clock 100 MHz mais alto que no Pi). Ele inclui ainda 512 MB de RAM (contra os 256 do Pi) 4 portas USB, saída VGA e HDMI, placa de rede e conectores de áudio, bem como 2 GB de memória Flash, que podem ser expandidos através de um cartão microSD. O fato de oferecer uma saída VGA e múltiplas portas USB torna o VIA APC mais facilmente utilizável, já que ele pode ser usado em conjunto com a enorme base de monitores VGA que temos no mercado:

via apc

Um ponto em que ele perde é em relação à GPU, que é bem menos poderosa que a do Raspberry Pi, oferecendo suporte mais limitado à aceleração de vídeo e sendo limitada a resoluções de 720p. A placa da VIA é também mais gulosa do ponto de vista do consumo, indo de 4 watts em idle a até 13.5 watts em full-load, contra os 4 a 6 watts máximos do Raspberry Pi.

Outro fator em que os dois aparelhos são diferentes é na questão do sistema operacional. O Raspberry Pi é fornecido sem sistema e o usuário pode escolher entre imagens de várias distribuições Linux, enquanto o VIA APC vem com o Android 2.3 instalado, incluindo alguns tweaks e utilitários para adaptar melhor o sistema ao uso em conjunto com teclado e mouse, assim como como no caso do Mini X e do MK802.

Embora o Android 2.3 seja um sistema bem deficiente como desktop (provavelmente a VIA optou por ele em vez do 4.0 devido aos requisitos de hardware mais baixos) ele oferece os recursos básicos que a maioria dos usuários espera, como navegador, acesso a redes sociais, IM, Skype, etc. o que pode fazer com que ele seja uma solução passável para muitos ambientes.

No geral, estes micro-PCs tendem a ficarem mais populares devido ao preço, mas não espere que eles cheguem ao ponto de ameaçarem os desktops ou os tablets, já que eles se destinam a nichos específicos. Eles podem ser também uma alternativa ao Raspberry Pi para muitos, por já virem com uma versão funcional do Android pré-instalada e mais RAM, mas para quem pretende rodar Linux a troca acaba sendo desvantajosa, pois o Raspberry Pi possui uma comunidade muito grande, com várias imagens de distribuições disponíveis e um bom ritmo de atualização. Diferente do que temos nos PCs, dispositivos ARM demandam builds especializados do sistema, que precisam ser compilados com as opções corretas para o hardware disponível. Sem uma comunidade em torno do projeto, você acaba restrito ao sistema que vem pré-instalado.

Outro ponto que favorece a popularização destes micro-PCs, pelo menos entre o público técnico é o baixo valor, que permite que na maioria dos casos eles possam ser importados por pessoas físicas sem o pagamento de impostos, comprados através de lojas como a DealExtreme ou no Ebay. Isso faz com que o preço total na maioria dos casos se mantenha na casa dos 100 a 150 reais, sem dúvida uma opção tentadora de PC auxiliar, apesar das limitações. É bem provável que estações e media-centers de baixo custo como eles se tornem populares daqui em diante, substituindo os PCs em algumas áreas.

 

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