Linux: mais importante do que ganhar mercado é compartilhar

Linux: mais importante do que ganhar mercado é compartilhar

Why sharing matters more than marketshare to GNU/Linux
Para o GNU/Linux, mais importante que ganhar mercado é compartilhar
Autor original: Terry Hancock
Publicado originalmente no:
http://www.freesoftwaremagazine.com/
Tradução: Roberto Bechtlufft

Em um artigo recente, Ryan Cartwright afirmou que o software livre não está jogando o “mesmo jogo” do software proprietário. Ele tem razão, mas então eu pergunto: que jogo o GNU/Linux está jogando?

Trinta anos de mentalidade proprietária nos condicionaram a pensar que o marketshare, a participação no mercado, é fundamental para medir o sucesso, e acabamos nos convencendo de que é preciso “vencer” o Windows para triunfarmos. Mas isso não é verdade. O GNU/Linux pode ser um grande sucesso mesmo sem nunca alcançar mais de 1% de base instalada no mundo. O motivo é a diferença entre “poder” e “liberdade”.

A medida da liberdade

“Sucesso” tem um significado muito diferente quando seu objetivo é a liberdade, e não o poder. As empresas proprietárias existem para fazer dinheiro, e por isso, ter poder no mercado – que se traduz na capacidade de cobrar tributos (como as licenças do Windows pagas à Microsoft) – é para elas a definição essencial do sucesso. Mas para o software livre, o objetivo é oferecer a liberdade de escolher e usar o software livre (o sistema operacional GNU/Linux e seu universo de aplicativos associados). Aos que buscam criar liberdade, esse tipo de tributo monetário é uma bela forma de incentivo, mas não é essencial para o sucesso.

A liberdade não pode ser imposta às pessoas. A liberdade de escolher o GNU/Linux também significa a liberdade de escolher o Windows. Pode-se dizer que é um mau negócio, mas não temos o direito de forçar os outros a escolherem um dos dois, nem devemos fazer julgamentos de valores baseados nas escolhas de cada um: não sabemos qual é a base de suas decisões, nem podemos afirmar que sabemos o que é melhor para eles. Em suma, não precisamos ter poder sobre eles! Na verdade, almejar o poder acaba atrapalhando nosso objetivo de criar um ecossistema de software mais livre.

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A medida mais importante do “sucesso” do software livre é quando os usuários que querem usá-lo sentem-se livres para fazê-lo (créditos: Andy Davison / CC-By-SA 2.0)

Sendo assim, não temos a obrigação ou a necessidade de erradicar o Windows do mercado, nem de conquistar participação no mercado. É por isso que nós não somos uma enorme corporação multinacional que precisa exercer poder sobre as pessoas para sobreviver. Marketshare: definido como a venda de serviços ou como o número total de instalações, é uma boa indicação do sucesso do GNU/Linux, mas não é de forma alguma essencial ao seu objetivo: a liberdade.

Auto-suficiência

Para se alcançar a liberdade, é fundamental oferecer meios de se obter auto-suficiência. Quando os indivíduos são capazes de resolver suas necessidades por conta própria, sem jogar a responsabilidade para terceiros, eles são mais livres.

O GNU/Linux oferece auto-suficiência na forma de software sobre o qual você tem o controle completo. Ao invés de ter que pagar um tributo a um fornecedor corporativo para receber benefícios dele, você mesmo pode satisfazer suas necessidades usando produtos disponíveis livremente. Na prática, obviamente, você não precisa fazer tudo por conta própria: o processo se dá pelas redes de compartilhamento voluntário (ou “comunidade”), compostas de usuários e desenvolvedores do código aberto. Porém, você não é de forma alguma obrigado a participar dessa comunidade, e obviamente podem haver outras comunidades se uma só não for suficientemente global – um exemplo simples: há muitos grupos de usuários Linux divididos geograficamente ou por idioma.

O que importa: compartilhamento e padrões

E o que faz de você livre para escolher o software livre? Em essência, são necessárias qualidade e estabilidade. Há ainda a questão delicada dos padrões de interoperabilidade. Para explicar esses critérios, vamos considerar os motivos pelos quais você pode não ser capaz de usar software livre em um trabalho:

  • O software trava devido a bugs (qualidade)

  • O software está defasado (estabilidade)

  • Os arquivos não abrem (padrões de dados)

Os dois primeiros problemas não têm nada a ver com a participação no mercado dos programas de software livre, mas sim com o nível de atividade do desenvolvimento do software: em quantas plataformas e configurações diferentes o software foi testado, quantas pessoas estão caçando bugs e quanto tempo é dedicado a eliminar os bugs encontrados?

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Essa foto do Linux Kernel Summit 2006 tem 73 pessoas. A estabilidade e a qualidade do kernel do Linux depende dos fatores que permitem a essas pessoas compartilharem seu tempo visando a melhoria do kernel. A participação no mercado de consumo é apenas um desses fatores, e não é o mais importante

Isso tudo não tem a ver com a porcentagem de pessoas que fazem uso do software no mercado, mas com o número absoluto de pessoas desenvolvendo e testando o programa. Em outras palavras, um programa de nicho usado por menos de 1% do público, mas que possua um grupo forte e motivado de desenvolvedores e usuários, pode ser mais bem-sucedido que um pacote usado por 99% da população, mas que tenha poucos interessados em mantê-lo funcionando (é claro que que é pouco provável que um programa tão popular não tenha usuários dedicados, mas isso não implica dizer que as duas coisas estejam diretamente associadas).

Em outras palavras, o que importa são as pessoas que compartilham seu tempo para trabalhar no projeto. E isso é possível graças à natureza da licença, que permite que o software em si seja compartilhado. Ou seja, a força que dá qualidade e estabilidade ao software livre vem do compartilhamento dos esforços da comunidade e do compartilhamento do software em si. Sendo assim, a participação no mercado tem um impacto limitado no software livre. A principal exceção é quando uma empresa que faz muito dinheiro com o produto decide compartilhar o tempo de seus desenvolvedores para que trabalhem com o software livre. Porém, mais uma vez, não há uma associação direta: uma empresa é livre para participar gratuitamente ou contribuir independentemente dos lucros que obtém com o software.

Então, por que as pessoas usam a participação no mercado como se fosse a medida de mais absoluta importância? Porque, para o software proprietário, ela é: Se apenas 1% da população compra licenças do software A, mas 99% compram licenças do software B, então B tem 99 vezes mais dinheiro para pagar aos desenvolvedores. E isso é muito importante para os projetos de desenvolvimento proprietários, porque eles não compartilham. Ao não compartilhar o código, eles não apenas desestimulam como também dificultam (ou mesmo impossibilitam) o compartilhamento. Sendo assim, todo o tempo de desenvolvimento e de testes do software proprietário deve ser pago. É por isso que a disponibilidade de fundos, totalmente guiada pela participação no mercado, é quem determina a qualidade e a estabilidade do software proprietário. É por isso que faz sentido para os desenvolvedores de software proprietário usar a participação no mercado como forma de propaganda.

Mas essas regras não se aplicam ao software livre – ele depende do compartilhamento voluntário para alcançar os mesmos objetivos, e isso acaba sendo bem mais econômico.

O terceiro item, padrões de dados, tem uma ligação com a participação no mercado, embora tênue. Se um único fornecedor assume o controle monopolista sobre o mercado, ele também pode monopolizar os formatos de dados usados para as comunicações. Por exemplo, a Microsoft já teve o domínio total do mercado de processadores de texto. Nessa época, um formato de dados proprietário – o formato DOC, do Word – se tornou o padrão de fato. Como o formato era secreto e apenas o Word oferecia suporte total a ele, isso criou um obstáculo para os que queriam usar software livre. Algo parecido ocorre com os vários formatos de arquivo de criptografia DRM e com codecs de vídeo usados atualmente.

Evitando os monopólios

Esses são ataques abertamente hostis à liberdade de mercado engendrados por essas empresas. Elas são, como diz a lei, “anti-competitivas”, porque põe o competidor em uma desvantagem injusta. Isso cria uma situação na qual a qualidade não é suficiente para permitir que um produto seja usado. E não é só o software livre que passa por esse problema! Ele atinge a todos os softwares concorrentes.

Sendo assim, para promover tanto a liberdade quanto a eficiência do mercado, tais táticas, sejam elas intencionais ou não, devem ser proibidas. Isso pode ser feito por meios legais, principalmente não concedendo direitos autorais monopolistas nem proteção a segredos comerciais a tais padrões. Também podem ser organizados movimentos sociais para o uso de padrões livres. Finalmente, ter mais de um competidor efetivo no mercado levará as forças naturais do mercado a encorajarem o uso de formatos abertos.

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O que realmente importa na participação no mercado é que não há monopólio forte o suficiente que possa controlar efetivamente o mercado (créditos: Robert Jorgenson / CC-By-SA 2.0)

Porém, mesmo nesse ponto, o marketshare só importa devido à necessidade de evitar o monopólio extremo: não que o GNU/Linux precise de 50% ou 90% de participação no mercado para ser um “sucesso”, o que é nocivo é permitir que um único software (Microsoft Windows) tenha uma participação de 90% ou 99%. Uma fatia de 10% a 15% do mercado já seria mais do que suficiente. E o mais importante é que esses 10% ou 15% não precisam pertencer ao GNU/Linux – o que importa é que não pertençam à Microsoft (ou a um único fornecedor). Não vemos problema algum no fato do OS X da Apple, do Free BSD ou de qualquer outro sistema operacional conquistar essa participação no mercado, desde que essa participação seja independente do controle da Microsoft.

O sucesso do software livre é ter liberdade para usá-lo

É uma situação bem diferente da que se apresenta no software proprietário, em que o “sucesso” é diretamente proporcional à participação no mercado (ou ao tamanho absoluto do mercado). No fim das contas, a causa da liberdade não precisa de uma grande participação no mercado. Só precisamos de um mercado livre e de compartilhamento suficiente para que o software seja desenvolvido.

Claro que a liberdade pode não ser o objetivo de todos que usam software livre. Alguns podem almejar a dominação do mercado, e há empresas como o Ubuntu que se beneficiariam de uma maior adoção do GNU/Linux. O sucesso financeiro delas, em qualquer nível, é benéfico ao sucesso geral do GNU/Linux, porque significa que mais dinheiro será gasto no seu desenvolvimento. Mas ainda que essas empresas vão à falência, o GNU/Linux permanecerá: o desenvolvimento vai continuar, haja ou não apoio financeiro das vendas de serviços, desde que haja um grupo suficiente de pessoas que precisem do software a ponto de compartilhar seu tempo para mantê-lo funcionando e adicionando novas capacidades.

Créditos a Terry Hancockhttp://www.freesoftwaremagazine.com/
Tradução por Roberto Bechtlufft <robertobech at gmail.com>

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