De leigo para leigo

De leigo para leigo
Hoje, 13 de Abril de 2007, o UOL Tecnologia publicou um artigo introdutório, destinado ao público leigo, que se propõe a apresentar o Linux, abordando a instalação e aplicativos. Enquanto continuar no ar, ele pode ser encontrado no link:
http://tecnologia.uol.com.br/ultnot/2007/04/13/ult4213u72.jhtm

O problema é que, como é comum na imprensa não especializada, acabaram escrevendo um texto bastante superficial, que reporta problemas encontrados ao instalar em uma configuração específica, sem fornecer explicações claras do por que, ou soluções para os mesmos, o que acaba criando a falsa impressão de que os mesmos se repetirão em outras instalações.

Este é o famoso “FUD” (Fear, uncertainty and doubt, medo incerteza e dúvida), ou seja, boatos que acabam levando a um pré-conceito negativo sobre o sistema.

Como todos sabem, não sou nenhum usuário fanático, muito pelo contrário, defendo que cada um deve utilizar o sistema que melhor atenda às suas necessidades, mas me considero particularmente ofendido com análises parciais, feitas por quem não entende do assunto, mas se identifica como se soubesse do que está falando.

Vamos a alguns trechos e uma rápida discussão sobre eles:

“A reportagem chegou a esta conclusão após fazer (ou tentar) a instalação passo a passo de duas das distribuições tidas como mais amigáveis dentro do universo Linux -Ubuntu 6.10 e Mandriva One. Confira a seguir a epopéia.”

A frase de apresentação já começa induzindo o leitor a uma atitude negativa. Quem já instalou uma versão atual do Ubuntu ou do Mandriva num PC compatível, sabe que a instalação é bastante simples. Basicamente o sistema detecta o hardware, mostra a opção de fazer uma instalação destrutiva, ou um particionamento personalizado e faz a cópia dos arquivos.

Como costumo dizer, a instalação é simples, o mais complicado para quem vem do Windows é se adaptar aos novos programas, migrar os dados, instalar plugins e configurar periféricos como scanners, algumas impressoras e placas wireless, softmodems e outros periféricos que infelizmente ainda não possuem um suporte muito completo no Linux.

Naturalmente, existem placas problemáticas, o velho problema do hardware de baixa qualidade, combinado com a falta de suporte por parte do fabricante. Felizmente elas estão se tornando um caso cada vez mais raro, mas ainda existem muitos exemplos por aí. Mesmo que não entendesse muito bem do assunto, um jornalista responsável testaria em mais de uma configuração para verificar se o problema é realmente com o sistema, ou se é um problema específico, relacionado com o hardware do micro escolhido.

A matéria não cita as versões utilizadas (outra omissão grave), mas pelos links citados (ftp://mirror.fis.unb.br/pub/linux/Mandrakelinux/devel/cooker) e (http://ubuntu.c3sl.ufpr.br/releases/edgy/ubuntu-6.10-desktop-i386.iso), podemos presumir que utilizaram o Ubuntu 6.10 e a versão Cooker do Mandriva. O Ubuntu 6.10 é a versão estável mais atual (já que, enquanto escrevo, o 7.4 ainda está em fase beta), e por isso uma boa escolha. Mas, o Cooker é a versão de desenvolvimento do Mandriva, que naturalmente não é recomendada para uso do grande público. A matéria não cita isso, dando a impressão de que os erros de instalação ocorreram ao utilizar uma versão estável.

“Nesse ponto, a reportagem passa a descrever a experiência de instalação das duas distribuições em um computador de testes do UOL Tecnologia -um Pentium 3 700 Mhz, com 512 MB de memória RAM, disco rígido de 80 GB e funções multimídia onboard, sem suporte para imagens 3D, que tinha a versão Professional do Windows XP instalada. Não se trata de uma máquina avançada, mas é uma configuração que simula um PC médio do brasileiro.”

Um erro comum que muitos cometem ao “testar o Linux” é usar um PC antigo, muitas vezes já com problemas de hardware. É compreensível, já que ninguém gosta de ficar fazendo experiências com seu micro de trabalho e por isso resolvem utilizar algum PC sucateado, que está sem uso. Me parece que este é um caso típico. Para justificar, foi usada a frase “simula um PC médio do brasileiro”, que me soou como uma desculpa.

Mais um erro grave foi omitir a configuração do equipamento, o que torna impossível reproduzir os problemas encontrados. Considerando que é um Pentium III, com “funções multimídia onboard, sem suporte para imagens 3D”, podemos presumir que ele utiliza uma placa da PC-Chips, com vídeo e som onboard, com um chipset SiS ou Via, já que na época, placas “tudo onboard” de outros fabricantes ainda eram relativamente incomuns e foram pouco vendidas no Brasil.

“Feito isso, o assistente de instalação mostra as partições existentes. A partir deste ponto, é possível notar que o Linux não é exatamente fácil de instalar e usar, já que não é informado que o sistema precisa de pelo menos duas partições para funcionar -a chamada raiz (conhecida pelo símbolo “/”), onde será feita a instalação, e uma reservada para trabalhar como memória RAM adicional quando o sistema for muito exigido, chamada de swap.”

Ao instalar o Windows XP, é necessário utilizar um particionamento em modo texto, que não oferece opções de redimensionar partições. Também é necessário escolher entre formatar a partição em FAT ou NTFS, tudo utilizando teclas de atalho. Apesar disso, nunca vi ninguém reclamando que o XP é difícil de instalar, pois realmente não é.

Embora o particionador seja em modo texto, você precisa apenas ler as instruções na tela e ter uma vaga noção do que está fazendo para conseguir usá-lo. Ao instalar qualquer distribuição Linux, por mais amigável que seja, as duas coisas também são necessárias.

Qualquer pessoa minimamente esclarecida sabe que no Linux são utilizadas duas partições: a partição de instalação e a partição swap, assim como sabemos que é necessário utilizar um disquete com drivers para instalar o Windows XP num micro com HD SATA ou HDs em RAID. O jornalista entretanto, usa esta característica específica para justificar a frase “é possível notar que o Linux não é exatamente fácil de instalar e usar”.

Continuando a linha crítica introduzida no parágrafo anterior, o jornalista continua:

“Como se tratava de um sistema com Windows instalado, todo o espaço livre disponível no disco rígido (cerca de 74 GB) aparecia como uma única partição. Então, é preciso selecioná-la para fazer o redimensionamento, o que provoca um aviso bastante assustador, mas verdadeiro “Tenha cuidado: esta operação é perigosa. Você deveria fazer backup de todos os dados desta partição” o que significa que é possível perder dados fundamentais para, por exemplo, voltar a executar o Windows.

Depois de escolhido o tamanho da partição raiz do Linux, o primeiro erro aparece. A ferramenta não conseguiu formatar o espaço em disco necessário porque o HD estava fragmentado . Nesse momento, foi preciso cancelar a instalação, voltar ao XP e executar o utilitário de desfragmentação de disco. A operação deu resultado, mas a instalação teve que ser recomeçada.”

Por aqui, podemos presumir que o HD de 80 GB estava formatado em uma única partição NTFS. Mesmo os usuários Windows mais esclarecidos costumam usar duas partições: uma para o sistema e outra para dados, justamente para facilitar eventuais reinstalações do sistema.

É bem conhecido que no Linux não existe um suporte completo a partições NTFS, já que ele é um sistema de arquivos bastante complexo e a Microsoft não divulga informações sobre seu funcionamento interno. Atualmente, é possível escrever em partições NTFS com segurança utilizando o ntfs-3g, mas os particionadores baseados no parted (que é o caso do particionador do Mandriva, Gparted e outros) ainda têm dificuldades em mover os dados dentro de partições NTFS, de forma que, por segurança, só permitem redimensionar partições NTFS que estejam desfragmentadas.

Novamente, devo argumentar que qualquer usuário Windows minimamente esclarecido sabe que é recomendável desfragmentar a partição de instalação do sistema regularmente. Isso faz com que os arquivos sejam armazenados em setores contínuos e melhora o desempenho geral.

O aviso sobre a possibilidade de perda de arquivos é uma norma em qualquer programa particionador. Redimensionar partições é sempre uma operação razoavelmente perigosa, de forma que, independentemente do particionador usado, é sempre recomendável fazer um backup.

O que me chamou a atenção é que, ao invés de explicar todos estes detalhes, o que enriqueceria o artigo, o jornalista optou por simplesmente utilizá-los como argumento para sustentar a tese de que o sistema é pouco amigável e difícil de usar. Ou seja, uma tentativa de manipular a opinião do leitor.

O particionador do Mandriva é considerado bastante amigável, tanto que muitos preferem utilizar uma mídia de instalação do Mandriva para particionar o HD no lugar do PartitionMagic. É um macete bem conhecido: você dá boot com o CD de instalação, prossegue com a instalação até o ponto do particionamento, particiona o HD a gosto (mesmo que seja para criar partições NTFS para a instalação do Windows) e em seguida aborta a instalação. Outros preferem utilizar o Gparted, incluído no Kurumin e outros live-CDs. Ambos são baseados na mesma biblioteca (libparted), por isso possuem funções bastante semelhantes.
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Continuando, temos:

“Chegando novamente ao momento do particionamento, foi criada uma partição raiz de 10 GB e uma swap com 1 GB Logo após, o assistente pede para que sejam selecionados os módulos a serem instalados. E, mais uma vez, falta informação o usuário leigo sem contato com Linux não tem como saber quais são as opções necessárias.”

Mais uma vez, tenho impressão de que o problema não é “o usuário leigo”, mas sim a própria falta de conhecimento de quem está instalando. Esta seria a tela de seleção de componentes, mostrada durante a instalação do Mandriva:
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Os programas disponíveis estão divididos em categorias relativamente auto-explicativas. As opções marcadas por default são apropriadas para um desktop, de forma que alguém que realmente se sentisse intimidado pelo número de opções disponíveis, teria a opção de simplesmente aceitar as opções padrão, ou clicar no botão “Ajuda”, que mostra um texto mais descritivo, já traduzido para o português.

Os usuários mais avançados, por sua vez, podem marcar a opção “Seleção individual de pacotes” para ter acesso a um painel mais “punk”, onde é possível selecionar individualmente quais pacotes instalar, fazendo uma instalação personalizada.

Esta tela de seleção de pacotes do Mandriva continua fundamentalmente a mesma desde o Mandrake 8 (ou seja, mais de 6 anos de casa) e me parece uma tentativa honesta de agradar gregos e troianos.

O jornalista entretanto, tenta manter a linha anterior, usando a frase: “o usuário leigo sem contato com Linux não tem como saber quais são as opções necessárias”. Enfim, ninguém nasce sabendo, é por isso que nos ensinam a ler na primeira série.

“Selecionado o sistema operacional baseado no software livre, começam os problemas. A carga tem início, e a tela apresenta uma profusão de linhas de código sob fundo preto, imagem comum na inicialização dos Windows até a versão 2000. Após alguns segundos, ao invés serem mostradas as primeiras telas da interface gráfica, aparece um prompt em linha de comando, pedindo o login e a senha. Colocadas as informações, nada acontece. O prompt de comando segue piscando na tela, desta vez como se esperasse um comando.”

Aqui podemos ver um problema real. O instalador do Mandriva não detectou corretamente o vídeo onboard da placa usada e por isso não conseguiu carregar o modo gráfico. Como não sabemos qual é a configuração do micro utilizado, fica difícil dizer com certeza o que aconteceu.

Dentro da minha tese de que o micro usa uma PC-Chips com chipset SiS ou Via, a explicação mais provável seria que temos um chipset Via, que não é bem suportado pelo driver “via” do X.org e por isso, embora o instalador tenha detectado a placa corretamente, o vídeo não subiu. Seria um dos casos raros e reais de incompatibilidade num componente básico do sistema.

Outra possibilidade é que, durante a instalação, foi escolhida uma resolução ou taxa de atualização não suportada pelo monitor (neste caso seria o popular problema de BIOS), ou ainda que a placa de vídeo (ou o monitor) não suportam DDC e por isso o sistema não foi capaz de detectar o monitor corretamente.

A solução neste caso, seria utilizar o driver “vesa”, que usaria apenas as funções genéricas da placa de vídeo e utilizaria 1024×760 com 60 Hz de atualização para o monitor. Embora não seja um modo que aproveite todos os recursos do hardware, seria uma solução temporária que poderia ser usada até que fosse possível conseguir outra placa de vídeo.

Para trocar o driver de vídeo, ele poderia usar a versão em modo texto do mcc, editar diretamente o arquivo “/etc/X11/xorg.conf”, substituindo a linha Driver “via” (ou similar) por Driver “vesa”, ou simplesmente ter repetido a instalação e usado a opção de selecionar manualmente o driver de vídeo desejado.

É possível ainda que a versão de desenvolvimento do Mandriva que foi utilizada, realmente não incluísse o pacote com o módulo correto para a placa de vídeo. De qualquer forma, a dica de utilizar o driver vesa (outro “macete” muito conhecido no meio técnico) funcionaria da mesma forma.

Mais uma coisa que gostaria de ressaltar é que o instalador do Mandriva oferece a opção de testar a configuração do vídeo durante a instalação, o que permite detectar erros como este. Ao perceber que o vídeo não foi detectado corretamente, você poderia ir para a seleção manual e testar outras possibilidades até encontrar uma que funcione.

Neste ponto, o jornalista resolveu chamar o técnico:

“Foi ele quem, depois de inúmeros comandos e tentativas para executar a interface gráfica a partir do prompt, descobriu que o problema era a ausência o driver da placa de vídeo. Em uma das muitas tentativas de instalar o sistema, foi inclusive escolhida a opção de formatar o disco inteiro, que acabou excluindo o Windows XP da máquina -alternativa provavelmente indesejada por boa parte dos usuários iniciantes, que poderiam ter a opção de dividir o computador entre os sistemas para compará-los melhor antes de se decidir.”

A pessoa escolhida para consertar o problema foi identificada na matéria como programador e “especialista no sistema operacional criado por Linus Torvalds”. Ou seja, presumiríamos que se tratasse realmente de uma pessoa que entendesse do sistema e pudesse solucionar o problema de forma rápida.

Normalmente, bons técnicos cobram por hora trabalhada. O cliente paga 100 ou mesmo 200 reais por uma hora de trabalho pois confia que o técnico realmente entende do assunto e será capaz de corrigir o erro rapidamente, muitas vezes em bem menos que uma hora. É o caso onde chamar um técnico capacitado que cobra R$ 100 por hora de trabalho, pode sair mais barato do que chamar um não tão qualificado que cobre, por exemplo, R$ 30. De nada adianta a hora do segundo técnico ser mais barata, se ele demorar 4 ou 5 horas para solucionar o problema, ao invés de apenas uma.

Aqui chegamos a uma situação típica, onde o “especialista” não conseguiu identificar o problema e passou a simplesmente reinstalar o sistema, testando diversas combinações de opções até encontrar alguma que funcione. Chegou até mesmo a formatar todo o HD, apagando a instalação do Windows e todos os dados, coisa que um bom técnico nunca deveria fazer.

Mais adiante, chegamos no trecho:

“Para completar o teste e fazer mais uma tentativa de instalar o Mandriva One, foi adotada uma solução à qual a maioria dos leitores não poderia recorrer -um CD pré-gravado do Mandriva One, que foi obtido pelo UOL Tecnologia em uma coletiva de imprensa organizada pela Mandriva no ano passado. E que pode ser comprado pelo usuário no site da empresa.

Dessa maneira, foi novamente feita a instalação, que basicamente segue todos os passos realizados nas diversas tentativas frustradas feitas anteriormente. A diferença é que desta vez o processo funcionou a contento e, finalmente foi possível executar o Mandriva One -tanto como live CD como instalado no disco rígido.”

Ou seja, realizaram novamente o teste utilizando a última versão estável do Mandriva e ela conseguiu detectar o vídeo corretamente. Ou seja, voltamos ao ponto inicial de que o teste inicial foi escrito com base na versão Cooker e a crítica sustentada pelo problema com a configuração do vídeo é baseada em um problema transitório (ou já corrigido), que existiu apenas na versão de desenvolvimento, que não é destinada nem recomendada para uso do público leigo em primeiro lugar.

Seria como alguém testar uma versão beta do Vista (ao invés da versão final) e utilizar os erros encontrados para desqualificar o sistema.

Se você pretende testar o Mandriva, recomendaria que se baseasse pela análise do Júlio, que publicamos a algumas semanas:
https://www.hardware.com.br/analises/mandriva-2007-free/

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