Steve Jobs foi contratado pela Atari em 1974 como técnico de hardware. Dormia no chão, tomava banho esporadicamente, insultava colegas — e ainda assim foi essencial para um dos jogos mais icônicos da empresa. Mas quando tentou apresentar seu projeto de computador pessoal, foi rejeitado. Essa decisão levou à criação da Apple — e talvez a um dos maiores erros estratégicos da história da tecnologia. Este é o relato definitivo sobre a passagem de Jobs pela Atari.
A entrada pela porta da frente, mesmo sem convite
Aos 19 anos, Jobs tinha abandonado o Reed College e voltado a morar com os pais em Los Altos. Ao ver um anúncio no San Jose Mercury News que dizia “Ganhe dinheiro e se divirta”, ele decidiu: iria trabalhar na Atari.
Foi até a sede da empresa, descalço, e disse que só sairia dali com um emprego. Al Alcorn, engenheiro-chefe, o descreveu como “um hippie na recepção”. Jobs foi contratado como técnico noturno, com salário de US$ 5/hora. Era o funcionário número 40 da empresa.
A ficha de emprego que Jobs preencheu se tornou lendária. À pergunta sobre meios de transporte, respondeu:
“Possível, mas improvável.”
E no campo “habilidades com computadores”:
“Sim.”
Essa irreverência não o impediu de entrar. Pelo contrário — era quase um pré-requisito para sobreviver ao ambiente anárquico da Atari.
Breakout, Wozniak e a traição ao amigo
Em 1975, Bushnell atribuiu a Jobs o desenvolvimento de um novo jogo baseado em Pong, mas single-player. O projeto seria Breakout, um futuro clássico dos arcades.
Sabendo de suas limitações técnicas, Jobs convocou seu amigo Steve Wozniak. Para estimular a economia de chips, Bushnell ofereceu um bônus: quanto menos componentes usados, maior o pagamento.
Bushnell ofereceu um bônus de US$ 5 000 se Jobs conseguisse reduzir o número de chips. Ele cumpriu a missão com a ajuda de Wozniak — mas manteve o bônus para si. Wozniak recebeu apenas US$ 350 e afirmou ter acreditado por anos que deveriam ter ganhado US$ 700 ou até US$ 1000.
A viagem à Índia
Logo após Breakout, Jobs decidiu viajar à Índia em busca de iluminação espiritual. Convenceu Al Alcorn a justificar sua ausência com uma missão técnica para resolver problemas elétricos em fliperamas europeus.
“Quero ir para a Índia para o Kumbha Mela, que começa em abril. Vou partir em algum momento de março, ainda não tenho certeza. Se você quiser, e eu ainda estiver aqui quando você chegar, podemos subir juntos para as montanhas e você poderá me contar seus pensamentos e sentimentos, que não entendi totalmente pela sua carta”, escreveu Jobs em carta para o seu amigo de infância Tim Brown.
A Atari pagou metade da viagem. Na Índia, Jobs desistiu do guru que buscava, mergulhou no zen e retornou meses depois com a mente transformada — e um choque cultural profundo. Ao voltar, reapareceu na Atari e pediu seu cargo de volta. Foi aceito.
O projeto de computador pessoal que a Atari rejeitou
Com a popularização do Altair 8800 e Commodore PET, Jobs e Wozniak projetaram um computador pessoal compacto, com peças da própria Atari. A ideia era apresentar o projeto para a empresa, e oferecer a oportunidade de ser a pioneira nesse novo mercado.
Esse projeto foi apresentado em 1976. Nolan Bushnell ainda era o CEO da Atari, mas o cenário interno já havia mudado drasticamente: naquele mesmo ano, a Warner Communications havia adquirido o controle da companhia.
A partir dali, decisões estratégicas passaram a ser ditadas pela sede em Nova York, e a ordem era clara: manter o foco exclusivo em videogames e sistemas fechados. O projeto foi recusado. A ideia de abrir a arquitetura ou explorar o mercado de computadores pessoais não fazia parte da cartilha da nova gestão.
A segunda rejeição: quando a Atari recusou comprar a Apple
Meses depois de ver seu projeto de computador pessoal rejeitado internamente, Jobs retornou à Atari — agora como fundador de uma nova empresa. A Apple já existia, mas ainda era um embrião.
Jobs procurou a Atari com uma proposta ousada: vender a Apple em troca de um aporte de US$ 50 mil. A oferta incluía 30% de participação na empresa.
A resposta foi mais um “não”. O executivo Joe Keenan, então presidente da Atari sob o comando da Warner Communications, não levou Jobs a sério. Segundo versões que circularam posteriormente, sua reação teria sido ríspida:
Tire os pés da minha mesa. Saia daqui. Você fede. E nós não vamos comprar o seu produto.”
— Frase atribuída a Joe Keenan.
A versão mais famosa é que Keenan teria considerado o jovem empreendedor “desalinhado, malvestido e imaturo” — e não confiável o suficiente para um investimento.
Quem confirma esse segundo episódio, de forma mais branda, é Allan Alcorn, engenheiro da Atari e mentor de Jobs nos tempos de funcionário. Segundo ele:
“Eu vi aquilo. Pensei, ‘uau.’ Achei aquilo realmente, realmente legal, mas não enxerguei nenhum mercado real na época — erro meu”.
Essa segunda rejeição teria um efeito duradouro. O nome Apple surgiu durante uma fase frutariana, após um período em uma fazenda no Oregon. Jobs disse que o nome soava “divertido, alegre e nada intimidador”. Mas havia também um elemento de provocação embutido na escolha: “Apple” viria antes de “Atari” na lista telefônica.
Anos depois, em uma apresentação nos anos 80, Jobs reafirmaria essa motivação ao dizer: “Eu trabalhei na Atari. Apple ainda nos colocaria na frente deles na lista telefônica.”
A miopia estratégica que enterrou a Atari
Nolan Bushnell, anos depois, lamentaria as decisões. “A Warner enterrou o Atari 800”, disse. A máquina tinha chipset superior, mas nunca atraiu desenvolvedores. Enquanto Jobs “evangelizava” programadores, a Atari ameaçava processar qualquer um que ousasse criar software para seus sistemas.
Chris Crawford, engenheiro da empresa, chegou a vazar documentos técnicos para desenvolvedores externos. Alan Miller implorou para que o Atari 400/800 fosse aberto. A resposta foi sempre a mesma: não.
O que Jobs levou da Atari para a Apple
Jobs sempre foi honesto sobre seu tempo na empresa. Disse que a eletrônica era uma forma de “colocar comida na mesa”, não sua vocação artística. Mas também admitiu: foi lá que entendeu o poder do design simples, das interfaces intuitivas e da liderança carismática.
A Apple nasceria com esses valores. Mas com uma diferença: Jobs controlaria tudo. Nada de hierarquias permissivas, como na Atari. A lição do caos serviu como bússola para sua obsessão por controle total.