Altas expectativas para o software livre em 2010

Looking forward to 2010
Autor original: Jonathan Corbet
Publicado originalmente no:
lwn.net
Tradução: Roberto Bechtlufft

Como eu não tenho lá muito bom senso, mantenho a tradição de fazer uma série de previsões acerca do Linux no começo de cada ano para compartilhar com o mundo. Não há nenhuma fonte de conhecimento extraoficial por trás destas previsões, e você não tem nenhum motivo para dar a elas mais crédito do que merecem as mensagens de spam que enchem sua caixa de email. Ainda assim, é divertido imaginar o que pode acontecer e tentar adivinhar quais serão os temas mais importantes do ano.

Sem mais delongas, vamos às minhas previsões para 2010. Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.

As plataformas de hardware abertas serão tidas como algo cada vez mais importante pelo público em geral. Quem quer que tenha visto a maciça campanha publicitária da Verizon para divulgar seu produto baseado no Android, o “Droid”, deve ter entendido que a abertura agora motiva vendas no mercado de celulares, o que não era verdade há um ou dois anos. A Apple nos fez um favor mostrando como é doloroso ter uma plataforma restrita, mesmo que ela seja relativamente aberta. Os produtos que serão lançados no futuro, como as badaladíssimas máquinas “tablet”, serão julgados segundo diversos critérios, e um deles será “quem decide quais aplicativos posso rodar nele”. Sistemas fechados vão ter problemas devido à sua natureza fechada.

Vários computadores tablet movidos a Linux entrarão no mercado em 2010. Só deve demorar um pouco para que a gente entenda em quais tarefas essas máquinas todas serão realmente boas.

As patentes de software vão atacar novamente. O processo da Nokia contra a Apple é um sinal especialmente ruim. Estamos presenciando a abertura de um mercado completamente novo na computação, um mercado sobre o qual nenhuma empresa detém comando majoritário. É como a corrida do ouro, e algumas empresas certamente vão tentar garantir o seu por meio dos tribunais.

As políticas de atribuição de direitos autorais serão discutidas por vários projetos ao longo do ano. No ano passado, a tentativa (ainda em progresso) da Oracle de adquirir o MySQL através da compra da Sun mostrou claramente como a atribuição de direitos autorais a uma empresa pode dar zebra, e o fato da Canonical impôr uma diretiva de atribuição gerou reações negativas. Até Eben Moglen, que que defendeu os direitos autorais no passado, declarou publicamente que seria melhor para o MySQL ter uma estrutura de propriedade mais variada. No futuro, os desenvolvedores vão pensar duas vezes antes de assinar contratos de atribuição, e os projetos vão se questionar se seus interesses estão mesmo sendo melhor servidos pela imposição de contratos de atribuição. Os contratos de atribuição de direitos autorais não vão desaparecer, mas assim como políticas de marca registrada de “mão pesada”, eles serão vistos como um impedimento à liberdade e como prejudiciais à produção.

E por falar no MySQL, a compra da Sun pela Oracle vai prosseguir sem a imposição de maiores alterações da parte da União Europeia. Seja quais forem seus planos a longo prazo, a Oracle vai tratar o MySQL com suavidade em 2010. Mas é quase certo que haverá tentativas de criar um fork, seja qual for o comportamento adotado pela Oracle.

A guerra dos navegadores vai esquentar de novo, mas os principais concorrentes serão do time do software livre. O Firefox está em posição de comando, mas seu peso e demora para iniciar parecem bastar para que alguns usuários busquem alternativas na competição – que parece se personificar cada vez mais no Google Chrome. Se o Google continuar desenvolvendo esse navegador, e continuar evitando erros fatais como proibir extensões que bloqueiem anúncios, pode ser o que o Chrome conquiste uma parcela expressiva do mercado até o fim do ano.

Dispositivos de armazenamento de estado sólido ganharão maior adoção, levando a resultados interessantes. O já mencionado longo tempo de inicialização do Firefox, por exemplo, tende a desaparecer quando o navegador rodar em um SSD. A difusão no uso de SSDs tende a camuflar desleixos no desenvolvimento de aplicativos, mas também vai colocar mais pressão sobre o subsistema de blocos do kernel, que terá que se esforçar para acompanhar taxas de operação cada vez maiores.

Os desenvolvedores mais ousados vão oferecer o Btrfs até o fim do ano. O sistema de arquivos se mostrará completo em recursos e estável, mas por enquanto continuará sendo para os usuários mais aventureiros (e que tenham bons backups). O ext4, por sua vez, ultrapassará os limites das distribuições comunitárias e será posto em uso “corporativo”.

O grande bloqueio do kernel (BKL, ou big kernel lock) vai sumir do kernel principal. Na verdade, é provável que permaneça em alguns pontos, mas as coisas chegarão a um ponto no qual uma chamada lock_kernel() indicará código velho, sem manutenção e sem uso. Em qualquer hardware que seja razoavelmente atual, um kernel poderá ser executado sem usar o BKL. Esse trabalho será parte de um trabalho maior, envolvendo a inclusão do patch de preempção em tempo real no kernel principal, mas eu não ouso tentar prever quando essa tarefa será concluída.

O uso do LLVM em ambientes de produção vai crescer, conforme esse compilador amadurece e ganha estabilidade. É provável que a maior parte dos usos interessantes esteja em projetos não tradicionais, como o Unladen Swallow.

Haverá um incidente de segurança assustador envolvendo dispositivos móveis baseados no Linux. A nossa segurança é muito boa, mas está longe de ser perfeita; imagine a quantidade de bugs que devem existir nos drivers wireless, que são bastante complexos e analisados por um número relativamente pequenos de pessoas.

E por falar em segurança, 2010 será o ano da “caixa de areia”. Tecnologias como SELinux, AppArmor e TOMOYO não vão desaparecer, mas um número cada vez maior de pessoas vai decidir que muitos objetivos de segurança são atingidos com mais facilidade colocando-se os processos que correm risco em suas próprias “caixas”.

Vai se falar muito em cloud computing, e as empresas vão trocar tapas para hospedarem uma parte de nossas vidas. Eu só espero que, em algum momento, essa corrida rumo aos serviços altamente centralizados seja acompanha da exigência por um controle pessoal dos dados. Talvez os integrantes de nossa comunidade facilitem as coisas para que usuários não técnicos configurem pequenas nuvens para uso de indivíduos ou grupos pequenos, com foco no controle individual e na portabilidade.

O GNOME 3 vai ser lançado. Tirando uma lição da experiência com o KDE4, os desenvolvedores do GNOME irão promover menos seu trabalho e se focar mais em não fazer com que as coisas parem de funcionar para os usuários. Isso resultará em um lançamento que não atrairá muita atenção, nem do tipo bom nem do tipo ruim, mas que servirá de base para o futuro desenvolvimento da plataforma.

Os desenvolvedores vão começar a usar o Python 3 conforme a linguagem for se tornando mais disponível nas distribuições comunitárias. Até o fim do ano, um pequeno número de programas em Python 3 será razoavelmente popular. Enquanto isso, ainda estaremos esperando pelo Perl 6.

A importância comercial das distribuições comunitárias vai aumentar em 2010. Distribuições como o Debian e o Gentoo já estão pipocando em lugares inesperados, com organizações proeminentes as escolhendo por sua combinação de estabilidade, ampla seleção de programas e ótimo suporte. Mais empresas vão começar a perceber que o modelo de “distribuição para empresas” não é perfeito para todas as situações, e vão procurar por soluções que os aproximem das comunidades que criam todo o software que as distribuições empresariais usam.

O Linux e o software livre estarão mais fortes do que nunca até o fim do ano. Sim, eu faço essa previsão todos os anos, mas dá para confiar bem mais nessa previsão do que na maioria das outras. Faz sentido fazer uma previsão que a gente sabe que vai se concretizar. O software fica cada vez melhor, a comunidade cresce cada vez mais, e o valor do software livre está se tornando ainda mais conhecido. Acho que não temos nenhum motivo para acreditar que isso vá mudar num futuro próximo.

Créditos a Jonathan Corbet lwn.net
Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>

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