A evolução social do Linux, parte II

Inclusão social, ao longo dos séculos, sempre foi o lema primordial no discurso de inúmeros políticos para a tão sonhada democracia, iniciada 3 séculos antes de Cristo no livro Política, de Aristóteles.

O quadro não mudou nada. Com o avanço da tecnologia, a inclusão também passou a ser digital, pois todos têm direito de compartilhar informações por um meio muito fácil, a Internet. E, para resolver este problema, inúmeros programas estatais ou provados foram criados, como o OLPC (One Laptop Per Children), que visa levar um laptop de estudo a cada estudante; computadores com preços mais acessíveis, etc.

A iniciativa maior, no Brasil, tendo repercussão até no exterior, foi com certeza o “Computador para todos”. Conforme o site oficial:

“O Computador para Todos tem como objetivo principal possibilitar a população que não tem acesso ao computador possa adquirir um equipamento de qualidade, com sistema operacional e aplicativos em software livre, que atendam ao máximo às demandas de usuários, além de permitir acesso à Internet.”

Ou seja, ter um preço baixo era a característica fundamental dos computadores do programa. E, obviamente, um dos primeiros gastos cortados foram com o sistema operacional. A solução quase que unânime foi a instalação do Linux em tais PCs, que acabou por popularizar uma das paixões de muita gente, era motivo de alegria ver milhares de computadores serem vendidos com o pinguim.

No início de 2006, um amigo próximo, sabendo que eu vestia a camisa do Linux todo dia, chegou em mim e disse “realmente, o Linux é muito ruim”. Espantado, comecei a conversar com ele o porquê disso, já que todos nós sabemos que o Linux é um dos melhores sistemas operacionais, se não for o melhor. Expliquei também que o Linux era dividido em distribuições, contando características de cada uma.

O computador possuía uma distribuição própria da linha. Ele trouxe o mesmo na minha casa, e, embora use intensamente Linux há anos, confesso que até eu fiquei assustado. Para começar, tinha o clássico defeito de 2GB apenas estarem formatados; os outros 38 estavam simplesmente sem uso algum, um fator considerável para um computador vendido em lote. E não era apenas isso; até o papel de parede da distro tinha imagens serrilhadas, como se feitas em programas de desenho básico.

Não pára por aí. Recentemente fui fazer uma visita básica às lojas que vendem tais computadores. Olhei uma das distribuições mais famosas dos PCs do programa federal, e realmente, me senti inconformado. Ao mexer o mouse para sair da proteção de tela, me deparei com o Xscreensaver – para um possante Pentium 4. Daí já dá para ver como o sistema é moderno e atualizado.

Além disso a questão da seleção dos programas é algo crítico: muitas distribuições dessas possui um arranjo bastante atrapalhado de programas, como, por exemplo, maioria de aplicativos GTK num ambiente KDE.

Após a postagem do primeiro artigo, um usuário me enviou um texto descrevendo sua situação constrangedora também os o Linux instalado no “Computador para todos”. Veja seu relato.

Vale lembrar que a crítica abaixo é de um usuário, não tendo relação nenhuma com as opiniões do Guia Do Hardware. O “X” foi usado para não mostrar o nome da distribuição referente:

“Júlio, sou assíduo leitor do GDH resolvi me cadastrar no fórum, pois como você em breve publicará uma segunda parte comentando o “Computador para todos”, achei por bem independente do resultado te passar a seguinte informação: no Estado da Bahia está sendo vendido um computador incluso no programa para todos com a distribuição X, a tal distro é de causar vergonha para a comunidade de usuários de Linux, e o site da distro é de fazer chorar. Por exemplo: o acesso de banda larga em Salvador é via Velox, na distro tem um botão para tal, só que simplesmente não funciona. O manual da distro é uma piada, enfim, nem vou entrar em muitos detalhes, dê uma olhada que você vai entender o porquê de eu vir aqui te fazer esse alerta e com certeza você irá estar melhor preparado para escrever sobre o “Computador para todos”.

E, mais tarde:

“Continuando nossa conversa sobre sistemas furados e que denigrem a imagen do Linux, queria te dizer o seguinte: na empresa onde estou como “temporário”, todas as estações de trabalho usam Linux, divididas entre Ubuntu e Conectiva que inclusive serão migradas para Ubuntu. Em casa eu utilizo o Kuruma e Ubuntu em duas máquinas, sendo uma delas um servidor de arquivos, com D.S.L e Coyote roteando minha rede. O caso que te contei sobre o X se deu por conta de minha ex-mulher, que mora com minha filha em Salvador – BA ter ganho de sua irmã um “Computador para todos” com a famigerada distro instalada, o que fez com que ela me pedisse socorro aqui em SP. Você imagina uma usuária que sequer chega a ser leiga em Windows tentando aprender de cara a lidar com Linux desses, ainda mais um que não funciona e não tem informação alguma. O transtorno aumentou mais ainda quando eu, com muita boa vontade tentei acessar o site dos caras e dei com “os burros n’água”.

Espero ter contribuído com minha indignação para que você escreva mais e melhores textos como tem feito.

Um grande abraço”

Essa infelizmente é a realidade. Programas que, sem definir estratégias, tentam agir pelo impulso, pela resposta rápida de resultados; ponto totalmente contraditório, já que a qualidade é um dos fatores essenciais para qualquer tipo de venda. Ainda não pára por aí. Outro usuário também comentou num fórum:

“Segundo nos passaram, uma grande montadora lançou algumas linhas de computadores com o sistema Y, mas não prestou um suporte de qualidade, e a preocupação deles é vender em quantidade de forma que os gastos com suporte sejam irrelevantes (desde que comprem bastante, os consumidores podem reclamar á vontade do suporte ineficiente).”

Projetos sociais de implantação do Linux são totalmente favoráveis e merecem apoio, disso não há dúvidas. De uma forma ou de outra, acabam popularizando o Linux e a informática, levando mais e mais informações para cada cidadão. Entretanto, a má estratégia e administração acabam por atrapalhar uma evolução social mais agradável.

O Linux, há mais de uma década em média, era utilizado somente por técnicos ou curiosos, em que ninguém se arriscava a substituir o Windows. O tempo foi passando o movimento a favor do software livre foi crescendo, e alguns usuários já começavam a arriscar-se na “façanha” de usar o Linux no dia-a-dia. Hoje, é usado em escolas, laboratórios, e inúmeras casas como o sistema padrão. Contudo, esse “inúmeras” é uma parcela insignificante com relação aos usuários de Windows somado com a população que nunca utilizou um computador na vida. E um desses que vamos pegar.

Imaginem uma família de classe baixa, que usava seu Pentium 100 com Windows 95, e decide comprar outro computador. Chegando na loja, opta pelo “Computador para todos”, mas fica com um pé atrás por vir com Linux (obviamente, o pé atrás é aquele pré-conceito explicado no primeiro artigo), e, embora muitos amigos “loucos” tenham falado bem do Linux e outros “normais” falado mal, pelo irresistível preço compra seu computador.

Chegando em casa, ligando o PC verifica que seu HD possui 1 GB de espaço livre. Em pleno KDE, o mensageiro padrão é o Gaim, que ele não sabia mexer. Os pacotes, todos mal selecionados, ícones incoerentes no menu e no desktop, programas totalmente desatualizados, dificuldade em instalar programas – não porque no Linux é difícil, muito pelo contrário – e sim pois o usuário simplesmente não tem documentação para tal. Cansado de tudo, sem amigos, tendo que corrigir problemas técnicos, ele simplesmente “larga a mão”, indo numa lojinha de esquina, e pimba – instala o Windows – sem licença. E o pior de tudo é que ele espalha ao seu redor, entre amigos e familiares, que “Linux é uma porcaria. Não recomendo”.

O problema de tudo isso não é o Linux. E sim das empresas que escolhem uma distribuição mal elaborada, ou fazem uma sem conhecimento e pessoal técnico aprofundado e especializado, resultando num sistema “caseiro”. Isso fora a documentação, não existente em lugar nenhum. Fóruns? Nem pensar, a distribuição afinal acabou de sair do forno. E como tudo que sai do forno, ainda está muito quente.

Solução para isso é não tentar se arriscar numa nova distribuição, oferecer suporte às já existentes, e instalar tantas boas por aí – openSUSE, Ubuntu, Mandriva (que inclusive dá suporte no Brasil), Fedora, etc. Distribuições assim são robustas, famosas, que oferecem suporte fenomenal na Internet, possuem interfaces personalizadas de maneira profissional, centenas de pessoas desenvolvendo, e tudo mais. Assim, o Linux simplesmente deixa de ser algo caseiro, feito às pressas e implantado em máquinas, para ser algo profissional, popular positivamente e motivo de satisfação dos clientes.

Não apenas em qualidade, e sim em versão. Não adianta instalar uma versão de 2 anos atrás do Linux para obter bons resultados. A comunidade do software livre caminha muito depressa, sendo necessário estar sempre com uma distribuição “em dia”.

Outra solução também é as atuais distribuições voltadas para computadores de baixo custo contratarem mais gente especializada e certificada, ampliarem a rede de desenvolvedores e fazer algo maduro, profissional.

O mesmo acontece em empresas e instituições, como universidades. Há alguns anos, várias começaram a migrar para o Linux, reduzindo custos; o Governo Federal também, e recentemente o Banco do Brasil, isso excluindo inúmeras outras. A sorte é que as empresas tem a quem recorrer, possuem pessoal contratado e a produtividade de seus funcionários é fundamental.

E por falar em Banco do Brasil, após veiculação de uma série de críticas pela revista Você S/A, a p?opria ouvidoria da instituição deu um retorno interessante ao BR-Linux:

“1 – O BB faz uso de softwares livres desde 2001;

2 – A migração é um sucesso graças à participação dos funcionários. São eles os responsáveis pelos procedimentos em suas estações, para que o sistema operacional OS/2 ou Windows seja desinstalado e instalado o Linux. São mais de mil instalações por dia com números crescentes, sendo que, nos primeiros três dias de migração, foram mais de 6 mil estações migradas para o novo sistema. O Banco teve o cuidado em manter o visual do sistema anterior e seus aplicativos para que as mudanças fossem mínimas. E ainda assim municiou os mais de 50 mil funcionários beneficiados na primeira fase da mudança de software com todas as informações necessárias.

3 – Não houve muitas dúvidas dos funcionários, que possuem vários canais de comunicação e atendimento às soluções bancárias. Todos apresentam, sem exceção, números baixíssimos de ocorrências, traduzindo a adoção de softwares livres como a suíte de escritório OpenOffice.org e o Sistema Operacional GNU/Linux em um grande sucesso. As mudanças são debatidas em Grupos de Discussão da Intranet Corporativa do Banco com a troca de milhares de mensagens entre funcionários. A maior parte das mensagens são elogios à nova plataforma e as dúvidas sempre são solucionadas rapidamente, algumas vezes, inclusive, entre os próprios usuários. Além disso, o Núcleo de Software Livre da Diretoria de Tecnologia tem aproveitado as sugestões dos funcionários para que a evolução dos produtos esteja cada vez mais alinhada aos requisitos dos usuários.

4 -Há pouquíssimos registros de travamentos nas plataformas com Linux instalados. Esse número é residual e, definitivamente, não é superior ao que havia na plataforma Windows ou OS/2.

5 – A opção do BB por software livre não é uma questão ideológica, a Empresa utiliza sempre a opção de software que apresenta o melhor custo benefício, tanto que utiliza um grande número de soluções baseadas em software proprietário.”

Ou seja, desde que escolhido a dedo e tendo pessoal realmente especializado, o Linux em empresas se torna uma “mão-na-roda”, e claro, questões de migração são normais, levando um tempo curto até a adaptação de um sistema ao outro (não adaptação em dificuldades, e sim em ambientes).

Voltando sobre a inclusão digital, temos também o Intell Classmate, com o Mandriva, e o OLPC, com uma versão personalizada do Fedora rodando um gerenciador de janelas Sugar, feito por conta própria. Esses são dois casos em que há uma cooperação mútua empresa-Linux, no sentido de oferecer um aparelho de baixo custo e com qualidade ao mesmo tempo. Na raíz disso estão várias equipes de profissionais que realmente conhecem do assunto, empenhados em desenvolver o melhor. Nisso hão há dúvidas que resultados positivos sobrevalecerão, tanto para os apaixonados por Linux, tanto para os usuários de tais notebooks.

Ou seja: de técnico para popular, esse é o caminho desse sistema operacional extremamente flexível, indo desde celulares até servidores ultra-potentes. Contudo, é preciso bastante documentação, ensinamento, pois um processo de transição está em andamento. É preciso também oferecer qualidade e superioridade, diferencial, para garantir a satisfação completa de fabricantes, vendedores e usuários. Da mesma forma que usar Linux do desktop era loucura há alguns anos, não usar passará a ser. As gerações estão caminhando e, o Linux vai se tornar algo natural em breve, não sendo necessario nem gastar tanto em suporte e migração. E com isso o Linux cresce ainda mais.

Na próxima parte do artigo, vamos discutir o que acontece dentro da própria comunidade Linux que acarreta num vetor contrário ao seu movimento.

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