Entrevista EasyLinux

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EasyLinux: Conte-nos um pouco de sua trajetória e envolvimento com a informática. Como foram seus primeiros passos?

Como quase todo mundo, eu comecei fuçando, estudando os livros e revistas que encontrava pela frente. Comecei com uns 7 anos, escrevendo programinhas em Basic num CP400, depois estudei o MS-DOS, estudei programação, manutenção de micros,
etc. Com 17 comecei a escrever livros sobre hardware, um pouco depois comecei a trabalhar no guiadohardware.net e a desenvolver o Kurumin. Hoje em dia divido o tempo entre o site, os livros que escrevo, cursos e o desenvolvimento do Kurumin e outros
projetos.

EasyLinux: Você foi o criador e ainda mantém um dos maiores portais de informática do Brasil, o Guia do Hardware. Como nasceu essa idéia?

O GDH foi inaugurado em 1999. Na época existiam poucos sites de informática especializados, principalmente em Português. Como na época estava escrevendo meus primeiros livros, acabou servindo para juntar o útil ao agradável 🙂 Como o
nome sugere, no início o guiadohardware.net falava apenas sobre hardware e manutenção de micros, mas com o passar do tempo passei a dar um bom destaque para Linux, redes e até um pouco de programação. De certa forma, o site seguiu a trajetória comum entre
os profissionais da área de informática: começam com manutenção de micros e depois se especializam em redes, linux ou programação. A diferença é que no caso do GDH tudo passou a ser abordado simultâneamente.

EasyLinux: Como foi o primeiro contato com Linux?

Me lembro de ler um artigo sobre servidores web com Linux ainda em 96, ainda no comecinho da internet comercial aqui no Brasil. Mas, a primeira distribuição que peguei para usar foi o Conectiva Marombi, logo que ele saiu, em 98. É
importante notar que na época já se falava bastante em Linux dentro dos círculos técnicos, mas quase ninguém usava fora dos servidores. Faltavam aplicativos, a compatibilidade de hardware era limitada e o sistema era bastante complicado de usar, bem
diferente do que temos hoje em dia. A evolução do Linux nos últimos anos foi realmente notável.

EasyLinux: Vamos falar sobre a distribuição que você criou, o Kurumin Linux. Porquê criar uma distribuição? Você estava insatisfeito com as distribuições disponíveis na época?

Na verdade, o objetivo inicial do Kurumin era ser uma distribuição Linux compacta, que rodasse do CD e fosse muito intuitivo e fácil de usar para incluir num CD-ROM com artigos e tutoriais que vendíamos através do site na época. A idéia
era que você pudesse acessar o conteúdo do CD para pesquisar mesmo quando estivesse com problemas no micro.

Justamente por rodar a partir do CD, ser intuitivo e fácil de usar, o Kurumin acabou conquistando rapidamente um grande número de usuários. Durante algum tempo trabalhei quase em tempo integral no sistema, por isso ele evoluiu
rapidamente nas primeiras versões. Depois passei a dedicar menos horas, mas como a experiência acaba fazendo você ficar mais produtivo, o desenvolvimento continua num bom ritmo.

EasyLinux: Porquê a escolha do Knoppix como ponto de partida?

O Knoppix foi um grande marco na história do Linux, pois serviu como ponto de partida para a grande maioria das distribuições live, que por sua vez passaram a influenciar até mesmo as grandes. Até mesmo o Ubuntu começou com um instalador
tradicional, mas depois passou a ser distribuído com um live-CD.

Mesmo no final de 2002 (quando comecei a trabalhar no Kurumin), o Knoppix já possuía diversas ferramentas e scripts, sem falar no fato de ser baseado no Debian, o que facilita enormemente a manutenção e atualização do sistema. É justamente graças a esta
sólida base (Debian e Knoppix) que foi possível desenvolver o Kurumin. As peças já estavam prontas, faltava apenas montar.

EasyLinux: Seja quando escolhe os programas que vão entrar, cria ferramentas ou quando define o visual do sistema, qual é sua filosofia ao desenvolver o Kurumin? Ela ainda é a mesma das primeiras versões?

Um texto que sempre me inspirou bastante foi o “hacker howto” do Eric Raymound. Tem uma passagem que fala sobre evitar o trabalho repetitivo, automatizando o que for possível. Um bom administrador de sistemas não passa a vida executando
a mesma lista de comandos cada vez que precisa fazer backup, ou perde dois dias cada vez que precisa reinstalar o sistema. Ele faz manualmente da primeira vez e depois automatiza. Escreve um script, ou cria um pequeno programa que faz a tarefa
automaticamente e depois passa para a próxima.

No caso do Kurumin, sempre que escrevo um artigo ou tutorial para o site, falando sobre algum novo programa, ou configuração, me acostumei a escrever um script automatizando a tarefa para adicionar ao sistema. Com o tempo surgiu a idéia dos “ícones
mágicos”, que depois se transformaram no painel de controle do Kurumin. Ele consiste num conjunto de painéis, desenvolvidos no Kommander, que disparam uns 500 scripts diferentes, cada um encarregado de uma função. Ou seja, para a maioria das coisas que
normalmente você precisaria pesquisar e fazer manualmente, no Kurumin você encontra alguma opção dentro do painel que faz automaticamente pra você.

Isso faz com que o Kurumin acabe fazendo sucesso entre duas categorias bem distintas de usuários. A primeira são os iniciantes, que obviamente gostam da facilidade e conseguem fazer muitas coisas que não conseguem fazer em outras distribuições. A segunda,
por incrível que possa parecer, são os usuários avançados, que gostam de estudar e modificar o scripts, justamente por que eles automatizam muitas tarefas que eles precisariam fazer manualmente em outras distribuições. Estudando e escrevendo novos scripts
eles aprendem mais sobre o sistema e muitos deles contribuiem de volta, com dicas e melhorias.

Existe uma determinada classe de usuários que acha que o Linux precisa ser difícil, que tudo precisa ser feito manualmente, etc. Esta mentalidade é antiquada, pois automatizar tarefas permite que você faça mais, e não menos.

EasyLinux: Você faz tudo sozinho ou há uma equipe de pessoas trabalhando no sistema? É um desenvolvimento de tempo integral ou trabalha no Kurumin no seu tempo livre?

Além de mim, tem o Luciano Lourenço, que faz as artes, o Júlio César, que está mantendo parte dos scripts, o Zack que ajuda com várias dicas e vários outros que ajudam a testar o sistema, contribuem com algum pacote ou script, ajudam no
fórum ou contribuem com uma coisa ou outra. Como dizem, o mais importante não é a quantidade, mas sim a qualidade ;).

EasyLinux: Qual parte do desenvolvimento mais toma seu tempo? E qual mais gosta de se dedicar?

Sem dúvida a maior parte do trabalho são os scripts, já que eles são muitos e precisam ser atualizados acompanhando a evolução do sistema. Esta é provavelmente também a área que mais gosto.

EasyLinux: Depois do Kurumin, qual é sua distribuição favorita?

Antes era o Mandrake, que eu usava antes de começar a desenvolver o Kurumin. Depois passou a ser o Debian, já que ele é a base do sistema. Atualmente tenho também acompanhado o Ubuntu (que afinal também é derivado do Debian ;). Se tudo
der certo, ano que vem vou até lançar um livro sobre ele.

EasyLinux: O Kurumin tem como uma de suas principais características trazer consigo codecs proprietários e drivers para softmodems. O que você pensa das distribuições que têm como princípio carregar apenas programas de código aberto, como
o Ubuntu?

Na verdade, com relação à distribuição de drivers, o Ubuntu está atualmente seguindo uma filosofia muito similar à do Kurumin. Desde as primeiras versões, ele inclui firmwares proprietários para algumas placas Wireless (como as Intel
ipw2100 e ipw2200, usadas nos notebooks Centrino). O Edgy inclui alguns drivers para softmodems e recentemente foi anunciado que a próxima versão trará também drivers proprietários para as placas nVidia e Ati. A meu ver isto é muito bom, pois estão
priorizando os usuários ao invés da filosofia.

Existe muita coisa a ser discutida com relação aos drivers proprietários (seria muito melhor se eles não fossem proprietários em primeiro lugar), mas acredito que a grande maioria prefere ter sua placa wireless ou modem funcionando. Radicalismo só
atrapalha o trabalho dos desenvolvedores e deteriora a relação com os fabricantes.

EasyLinux: Quais são os números sobre a utilização do Kurumin? Você tem idéia de quantas pessoas utilizam o sistema? Qual o perfil desses usuários?

Não existem estatísticas de uso, pois para contabilizar o número de usuários do sistema, seria necessário incluir algum tipo de spyware que enviasse um pacote com informações cada vez que o sistema é usado, o que naturalmente não é ético
nem correto. Entretanto, alguns sites contabilizam os downloads, o que permite ter uma idéia. No superdownloads, por exemplo, o Kurumin tem mais de 500.000 downloads, no Gratis tem mais 350.000 e assim por diante. Se você começar a somar todos estes sites
de downloads e tentar chutar um multiplicador para chegar ao número total, vai chegar a um número na casa dos milhões.

EasyLinux: Na sua opinião, qual a maior virtude do Kurumin e o que ainda está longe do ideal?

A maior virtude é o sistema ser desenvolvido com base na idéia de ser um sistema democrático e fácil de usar, com foco no público Brasileiro. Esta também é a principal limitação, pois muitos querem um sistema com melhor suporte a
internacionalização, ou que seja menos automatizado. Mas, não é este o principal motivo de existirem tantas distribuições diferentes em primeiro lugar? 🙂

EasyLinux: Distribuições que antes usavam o KDE estão mudando para ou ao menos dando a opção de utilizar o GNOME. Existe alguma chance do Kurumin também seguir esse caminho?

Não é bem assim. Grandes empresas como a Red Hat e a Novell preferem utilizar a biblioteca GTK por que ela não impõe restrições ao desenvolvimento de softwares proprietários, enquanto o QT é livre para o desenvolvimento de aplicativos
open-source (você precisa pagar uma licença para usar a biblioteca em aplicativos de código fechado). Isto naturalmente faz com que o Gnome seja preferido dentro das corporações ao invés do KDE. Muitas pessoas têm a falsa noção de que o GTK é livre,
enquanto o QT é “proprietário”, mas a amarga realidade é justamente o contrário. Ambos são livres, mas a licença do QT incentiva o desenvolvimento de aplicativos open-source.

Com relação às distribuições, sempre acaba acontecendo de um dos dois ambientes ser usado por padrão e quase todo o desenvolvimento girar em torno dele. Isso é normal, pois os dois ambientes são muito diferentes e é quase impossível duplicar todas as
funções e interface do sistema em ambos. Isso só funciona em distribuições que usam uma configuração muito próxima do padrão.

A partir do ponto em que você tem duas equipes, uma trabalhando no KDE e outra trabalhando no Gnome, você acaba tendo na verdade duas distribuições diferentes, que compartilham o mesmo repositório de pacotes, como no caso do Ubuntu e Kubuntu.

Com relação ao Kurumin, você pode perfeitamente instalar o Gnome através do apt-get, mas não existem planos de uma versão que o utilize por padrão, justamente devido ao trabalho de personalização que seria necessário e à perda de identidade.

EasyLinux: Finalizando, o que podemos esperar do Kurumin, a curto e a longo prazo?

A curto prazo temos o Kurumin 7, que tem como ênfase a estabilidade. O sistema cresceu e dia 14/01/2007 já está chegando ao seu quarto aniversário. Daqui pra frente, entramos no trabalho incremental, de manter tudo o que já funciona,
adicionar novas funções e manter o sistema atualizado. Um número assustadoramente grande de pessoas utiliza o Kurumin como sistema operacional padrão e por isso precisam de um sistema estável e confiável. A palavra de ordem é “evolução” e não
“revolução”.

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