Dispositivos hackeáveis: avanços e retrocessos

Hackable devices: one step forward, one step back
Autor original: Jonathan Corbet
Publicado originalmente no:
lwn.net
Tradução: Roberto Bechtlufft

Assim como muita gente, o LWN defende há tempos que os fabricantes abram seus produtos para possibilitar modificações. Mais do que um simples gesto de respeito para com os clientes, a possibilidade de hackear agrega valor ao dispositivo e abre o caminho para uma criatividade ilimitada; os donos desses tipos de dispositivos geralmente os levam em direções nunca imaginadas por seus fabricantes. Alguns anúncios recentes sobre o assunto demonstram visões opostas da possibilidade de hackear dispositivos.

No lado ruim, a Sony anunciou recentemente um novo conjunto de sistemas PlayStation 3, com mais armazenamento, tamanho reduzido e menor consumo de energia. O dispositivo também “inclui” a remoção da opção para instalar outros sistemas operacionais. Geralmente o outro sistema operacional era o Linux, e os usuários não costumavam instalá-lo para contar com a experiência arrasadora que ele proporciona; em vez disso, o Linux no PS3 tinha mais utilidade como uma forma acessível de hackear a arquitetura do processador “Cell”. Sistemas PS3 rodando Linux podiam ser usados para criar sistemas e clusters de supercomputadores de desempenho reduzido ou para diversas outras finalidades interessantes. O bloqueio dos novos modelos de PS3 representa uma verdadeira perda para a comunidade Linux.

O motivo alegado para a alteração é a redução dos custos; a Sony simplesmente não queria gastar recursos para que a opção para instalar outros sistemas operacionais funcionasse no novo sistema. Uma boa parte desses custos, pelo visto, reside na criação de um hipervisor sob o qual os sistemas secundários seriam executados; aparentemente, esse hipervisor existiria para impedir que outros sistemas operacionais fizessem uso do mecanismo de renderização 3D. Presume-se que a já mencionada experiência arrasadora (e lendária) proporcionada pelo Linux não seria uma ameaça tão grande à Sony ao ponto dela precisar erguer muros em torno de partes do hardware, e evidentemente a questão não é essa. É óbvio que o medo de que surja uma versão de alto desempenho do jogo Nethack foi suficiente para afastar definitivamente o Linux dessa plataforma.

A Sony certamente pode fazer com seu hardware o que bem entender. Mas alguns de nós podem querer que a empresa se lembre da origem da matéria-prima usada em seus produtos. A Sony, obviamente, é uma grande usuária do Linux embarcado; há uma vasta gama de produtos da Sony usando o Linux. Se você lê livros em um leitor da Sony, tira fotos com uma câmera da Sony, cria filmes com uma filmadora da Sony ou assiste a filme em uma TV da Sony, é provável que esteja usando Linux. Até o adaptador de campainha da linha WallStation da Sony usa Linux. É interessante navegar pela página de downloads da Sony, onde a empresa cumpre suas obrigações com a GPL, e ver a quantidade de produtos listados.

Está claro que a Sony tira muito proveito do Linux. E isso é ótimo, o Linux está aí para isso. E a Sony não se ausenta da comunidade de contribuidores; uma rápida olhada nas contribuições ao kernel desde a versão 2.6.26 aponta 113 patches da Sony, pondo a empresa um pouquinho à frente do LWN na lista. Mas a Sony certamente vai descobrir que o Linux é uma plataforma melhor para os seus produtos se deixar a comunidade de desenvolvimento brincar com esses produtos. Há desenvolvedores por aí que (1) construíram a plataforma que a Sony está usando em seus produtos, e (2) que adorariam ajudar a fazer esses produtos funcionarem melhor. Frustrar esses desenvolvedores não parece um bom caminho para obter sucesso a longo prazo com o Linux.

Já o anúncio do “computador móvel” N900 da Nokia traz uma abordagem diferente. O N900 é um tablet baseado no Maemo, mas ao contrário de seus predecessores, ele também funciona como telefone. Parece um bom dispositivo, embora um pouco grande para caber no bolso. Eu estou convencido de que preciso obter um desses telefones para propósito de análise; a integridade jornalística exige isso.

Embora a propaganda oficial tenha atraído uma boa dose de atenção, muita gente na comunidade ficou mais impressionada com o post de Quim Gil sobre o assunto. Os telefones celulares são notórios por virem bloqueados, mas parece que o N900 vai ser diferente:

Se você está preocupado com a liberdade, não vai ser preciso ‘desbloquear ou ‘destravar’ o Maemo 5. Da instalação de um aplicativo até a obtenção de acesso como root, é por sua conta. Confiamos em você, e afinal, este dispositivo é seu. A Nokia também confia na comunidade de código aberto de modo geral, e particularmente na comunidade do Maemo, para ajudar a conduzir os usuários casuais pelo caminho da experiência. O N900 pode ser um novo e bem-sucedido ponto de entrada para uma nova onda de usuários e desenvolvedores do código aberto.

A jornada da Nokia rumo a mais dispositivos abertos tem sido lenta, mas a empresa parece entender de verdade de onde vem o seu software. O Linux não é apenas uma plataforma que ela pode embarcar nos telefones sem ter que pagar royalties; é um componente vivo que as pessoas podem ajudar a aperfeiçoar e cujo uso pode ser encorajado ativamente. Se o N900 for bem-sucedido, ele sem dúvida irá encorajar uma nova onda de desenvolvedores que irão ajudar a tornar o Linux melhor para todos nós. E no processo, isso fará com que os telefones baseados no Maemo sejam bem melhores para a Nokia.

Resta saber o quanto dessa abertura será preservada quando o N900 chegar aos usuários finais, especialmente aos que compram telefones das operadoras. Dispositivos verdadeiramente hackeáveis talvez estejam disponíveis somente para quem comprá-los por outros canais, pagando o preço total. Mas a existência dessa opção já é um grande passo na direção certa. Abrir as operadoras de telefonia móvel já é tarefa para um outro ano, e vai exigir muito mais paciência.

Aqui temos o exemplo de duas empresas, ambas conhecidas por criarem dispositivos cheios de estilo e voltados ao consumidor. As duas basearam alguns de seus produtos no Linux. Uma rumou para a abertura, oferecendo acesso total ao dispositivo na esperança de dar gás aos desenvolvedores e conquistar uma fatia de mercado da rival dominante. A outra fechou um produto, deixando de fora desenvolvedores interessados, para baixar os preços. Não há dúvida de que a abordagem aberta é melhor para a nossa comunidade do que a fechada. A longo prazo, a abertura e o suporte à comunidade devem se provar melhores para os negócios também.

Créditos a Jonathan Corbet lwn.net
Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>

Sobre o Autor

Redes Sociais:

Deixe seu comentário

X