Are Closed Computing Devices Like Modern Cars?
Autor original: Thom Holwerda
Publicado originalmente no: osnews.com
Tradução: Roberto Bechtlufft
É bem comum as pessoas fazerem analogias envolvendo carros nos fóruns na internet, e nós não somos exceção. O problema dessas analogias é que geralmente elas não têm lá muita força. É o caso de uma analogia recente, que vem se mostrando bastante popular. Algumas pessoas andam dizendo que a migração de fabricantes de computadores para plataformas fechadas (Apple e Sony estão entre os exemplos) é equivalente às pessoas não poderem mais consertar seus carros por conta própria. Essa analogia, que superficialmente parece fazer sentido, cai por terra diante de uns cinco minutos de análise.
Como você sem dúvida já sabe, vários fabricantes de computador estão tentando impedir que seus usuários mexam com as entranhas de seus dispositivos. O iPhone, o iPod Touch e o iPad da Apple são exemplos populares, mas as manobras recentes da Sony envolvendo o Linux no PlayStation 3 provavelmente são um exemplo ainda melhor. Essas políticas vêm acompanhadas por termos que eliminam a garantia caso o dispositivo seja aberto.
Surgiu uma analogia popular sobre o assunto, usando os carros de décadas anteriores e os carros modernos. O fato é que os carros eram relativamente simples. Você mesmo podia consertá-los, e não dependia de profissionais treinados. Mas nas últimas décadas isso mudou: a eletrônica foi sendo adicionada não só a componentes periféricos como janelas, mas também aos motores, que passaram a ser cobertos por partes plásticas.
Com o tempo, foi ficando praticamente impossível para a maioria das pessoas consertar seus carros; hoje, elas se limitam a trocar o olho e a encher o reservatório de água do parabrisas. À primeira vista, pode parecer que essas duas situações estejam relacionadas. Só que há duas diferenças cruciais entre elas, e que muitas vezes são ignoradas: a primeira é uma questão semântica, mas a segunda certamente não é.
A primeira coisa que não faz sentido é que os computadores não mudaram tanto assim nos últimos 20 anos, ou seja, o mundo dos computadores não está se tornando parecido com o mundo dos automóveis. O computador comum ainda consiste do mesmo conjunto básico de componentes: placa-mãe, processador, pentes de RAM, fonte de alimentação, unidades de armazenamento, placas de expansão… isso tudo já existia há 20 anos, e de modo geral continua existindo. É claro que hoje há computadores com memória soldada ou sem slots de expansão (como os laptops, por exemplo), mas isso também já acontecia vinte anos atrás. Parece que pouca coisa mudou nesse sentido.
Além disso, sempre existiram dispositivos computacionais que não podiam ser consertados pela maioria das pessoas. Há dez anos era o usuário não tinha como consertar seu telefone, e até hoje não consegue; geralmente está tudo agrupado em uma única e pequena placa de circuitos, e sem ferramentas especializadas não há como fazer nada. Isso acontece hoje, e já acontecia há 20 anos. Esses dispositivos já nos acompanham há tempos.
Só que isso é mais ou menos uma questão semântica. Você pode dizer que o que está acontecendo é que os dispositivos que não podem passar por manutenção dos usuários estão se tornando mais populares, e isso faz sentido: os smartphones e laptops hoje são muito populares – os laptops até vendem mais do que os desktops. É muito mais difícil fazer a manutenção de laptops do que a de desktops; embora não esteja ficando mais difícil mexer nessa categoria de dispositivos, o mercado parece estar seguindo na direção dela.
Vamos ao segundo ponto, que é o que realmente importa.
Manutenção e modificação de carros
De fato, ficou mais difícil fazer a manutenção dos carros. A diferença fica evidente quando comparamos o motor de um Ford T de 1925 ao do Ford Focus de 2010.
E isso acontece com todos os componentes: hoje os carros são controlados por todo tipo de chips eletrônicos, que monitoram todos os aspectos do motor, dos freios e de todo o resto. Com isso, ficou infinitamente mais difícil consertar o carro por conta própria, o que força muitas pessoas a levarem seus carros a profissionais.
Mas há um detalhe, que é a diferença crucial entre a indústria automotiva e o mundo da computação: as montadoras não estão se esforçando para impedir que você modifique seu carro, nem estão tentando incriminar você por modificar seu carro. Há dois fatos que ilustram bem essa situação.
Para começar, embora eu dirija um Ford, quem faz a manutenção dele não é um mecânico da Ford. Há muitas oficinas na cidade pequena em que eu vivo que cuidam de todo tipo de carro, seja qual for a montadora, o modelo ou o ano. Você pode comprar um carro novo, dar uma banana para os mecânicos autorizados e procurar uma oficina mais em conta.
A lei europeia garante que as oficinas independentes tenham acesso aos mesmos tipos de treinamentos e informações que as autorizadas. Com isso, o cliente tem a liberdade de escolher a oficina que lhe traga mais benefícios – às vezes a autorizada fica muito longe de casa, ou é cara demais. É claro que você pode perder a garantia oficial, mas a escolha é sua. Sendo assim, faz mais sentido migrar para uma oficina mais barata depois que a garantia acaba.
No mundo da computação isso é impossível. Se o iPad quebrar, você só pode recorrer à Apple. Se o Playstation 3 quebrar, você só pode recorrer à Sony. Se eles cobrarem dez milhões de dólares pelo conserto, é pegar ou largar. Ao contrário do que acontece com os automóveis, não há leis que concedam a terceiros o acesso ao tipo de treinamento e informação necessários.
Imagine um mundo de computação e tecnologia no qual essas leis existissem. Hoje, se seu dispositivo quebra após o término da garantia (o que vai acontecer mais cedo ou mais tarde), você é praticamente forçado a comprar um novo, já que o preço do conserto é (talvez propositalmente) altíssimo. Para completar, muitas vezes você precisa enviar seu dispositivo para o outro lado país, ficando sem ele por semanas.
Já pensou se você pudesse entrar numa loja de eletrônicos aí perto, com técnicos que tenham acesso ao mesmo treinamento e às mesmas informações que os técnicos autorizados do fabricante? Teríamos uma competição saudável, que não existe hoje. Isso diminuiria os custos consideravelmente, além de aumentar ainda mais a longevidade do dispositivo e reduzir seu custo total de propriedade (TCO).
Outra coisa que mostra que as montadoras de automóveis são diferentes dos fabricantes de computadores é que elas não o impedem de modificar ou aprimorar seu carro. Há um mercado incrivelmente amplo e sadio de peças para a modificação e a personalização de carros. A internet está entupida de instruções para quem quer modificar o carro de acordo com sua vontade.
Até a modificação de motores modernos é feita com a maior naturalidade. Há centenas, talvez milhares de profissionais que modificam motores ou mexem no software do carro para obter o máximo de desempenho. Alguns desses profissionais chegam a trocar o motor inteiro, ou todo o sistema de frenagem. Isso é perfeitamente normal, e várias das empresas que realizam esse trabalho conquistaram fama e prestígio graças à sua técnica primorosa.
Sim, também existem empresas que personalizam a carroceria.
Muita gente pensa que a sigla AMG é só uma credencial dada aos carros de maior desempenho da Mercedes. Mas a verdade é outra: a AMG era uma empresa independente, que criava motores personalizados e se especializou em modificar carros da Mercedes. Em 1990, a AMG entrou em uma cooperação especial com a Mercedes, e acabou se tornando uma subsidiária integral dela.
A história da divisão especializada em corridas da Fiat, a Abarth, é parecida. A Abarth, fundada em 1949, montava carros próprios, geralmente com a colaboração de outros fabricantes de automóveis (Porsche, Simca, Fiat), mas era fortemente especializada na modificação de Fiats. Em 1971, a Abarth foi comprada pela Fiat, e agora está no departamento de corrida da montadora italiana, em situação semelhante à da AMG na Mercedes.
Isso prova que quem faz um bom trabalho de modificação de carros, melhorando seu desempenho, pode acabar sendo comprado pela montadora dos carros que modifica. Ou seja, existe um mercado muito próspero para esse tipo de trabalho.
Por que o hardware e o software são especiais?
A diferença entre a indústria automotiva e o mundo da computação não poderia ser mais óbvia. Embora tenha ficado mais difícil fazer a manutenção dos carros, as montadoras não tentam impedi-lo de realizá-la. Seu carro pode ser consertado onde você quiser sem que a lei seja infringida (na verdade, há leis específicas que promovem isso!) e tanto a melhoria quanto a modificação do seu carro são práticas perfeitamente normais, que podem levar a sucesso e prestígio consideráveis.
Como podemos ver, a analogia não se sustenta. Os dispositivos computacionais não estão ficando parecidos com os carros. Muito pelo contrário: enquanto a indústria automobilística é relativamente aberta, e você, consumidor, tem muita liberdade de escolha (em outras palavras, você é dono do seu carro), isso não acontece com muitos dispositivos computacionais modernos.
Eu adoraria ver o mundo da computação adotando o modelo automotivo, oferecendo por lei aos especialistas acesso ao mesmo tipo de treinamento e de informações que os fabricantes oferecem aos seus técnicos autorizados. A concorrência gerada (inexistente hoje em dia) seria muito bem-vinda. Os consumidores poderiam consertar seus dispositivos de forma mais fácil e barata, e eles passariam a durar muito mais tempo. Isso também seria bom para a economia local, já que oficinas de manutenção e reparos pipocariam em todos os cantos – e não estou falando só em iPads e Playstations, mas em televisões, aparelhos de som e todo o resto.
Muita gente tem essa ideia doida de que o hardware e o software dos computadores devem ser tratados de forma diferente de outros produtos, porque são especiais por algum motivo. Nós permitimos que as empresas de hardware e software façam as maiores loucuras, coisas que nunca aceitaríamos de empresas de outros setores, e até hoje não sabemos o porquê.
Hardware e software são produtos como qualquer outro, e devem ser tratados como tal. Se os fabricantes de automóveis não podem forçar os consumidores a se submeterem a seus caros programas de reparos, por que permitimos que as empresas de hardware façam isso?
Créditos a Thom Holwerda – osnews.com
Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>
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