A default desktop for openSUSE?
Autor original: Jake Edge
Publicado originalmente no: lwn.net
Tradução: Roberto Bechtlufft
A escolha de do ambiente de desktop no Linux geralmente fica entre os “dois grandes”, GNOME e KDE, inspirando defesas empolgadíssimas (talvez com um fervor quase religioso) dos partidários de cada lado. Logo, não deve ser surpresa para ninguém que a escolha do desktop padrão de uma distribuição, aquele que a maioria dos novos usuários vai usar, possa acabar em briga, com os defensores de cada desktop querendo que sua opção seja reconhecida. Essa batalha está ocorrendo no campo do openSUSE, após uma proposta para tornar o KDE o desktop padrão ser feita no tracker de recursos openFATE; de lá para cá, uma boa quantidade de tópicos bastante extensos surgiu na lista de discussão opensuse-project e em diversos blogs, iniciando um debate movimentado.
Geralmente, o primeiro argumento para a escolha de um desktop padrão está focado nos novos usuários. Os usuários veteranos do Linux já escolheram o desktop mais adequado às suas necessidades; desde que haja suporte ao seu desktop, eles não devem ter maiores problemas para fazer a instalação na distribuição. Já os novos usuários geralmente nem sabem que há outras opções de desktops no Linux. Ao escolher um desktop padrão, uma distribuição facilita as coisas para os novos usuários.
Ao contrário da maioria das outras grandes distribuições, o openSUSE não tem um desktop padrão, e os usuários podem escolher entre o GNOME e o KDE durante o processo de instalação. As outras grandes distribuições usam o GNOME como padrão, com exceção do Mandriva, mas oferecem suporte aos usuários do KDE em variações da distribuição (como por exemplo, o Kubuntu ou um spin do Fedora).
A falta de um padrão no openSUSE é de certa forma uma questão histórica. Quando a Novell comprou o SuSE Linux alguns meses depois de comprar a Ximian, houve uma espécie de choque cultural. O SuSE era baseado no KDE, mas o Ximian patrocinava o desenvolvimento do GNOME (e do Mono). De acordo com um post de Sebastian Kügler, do KDE, a Novell queria migrar tanto a distribuição corporativa quanto a distribuição desktop para o GNOME por padrão – ou talvez até remover completamente o KDE – mas acabou optando por só fazer isso na distribuição corporativa; nos desktops não havia padrão.
O KDE passou algum tempo sendo listado na frente do GNOME na janela de instalação do openSUSE, mas em algum momento a ordem foi invertida. Faz sentido, está em ordem alfabética, mas alguns acham que o KDE foi “rebaixado”. Essa janela tem uma caixa de seleção associada a cada desktop. Nenhuma delas está marcada, e o usuário deve escolher uma.
A comunidade do openSUSE é amplamente composta por usuários do KDE; uns dois terços dos usuários roda ou o KDE 3.5 ou o 4, de acordo com a pesquisa realizada entre os usuários do openSUSE 11.0 [PDF]. Isso fez com que algumas pessoas, especialmente os fãs do KDE, sugerissem que o openSUSE adotasse como padrão o desktop usado por uma significante maioria de seus usuários. A proposta tornou-se rapidamente a mais votada no openFATE, com uma média de 90% de aprovação, de acordo com o post no blog do integrante do conselho do OpenSUSE, Michael Löffler.
Os que defendem a adoção do KDE observam que além de ter o potencial de facilitar as coisas para os novos usuários, o uso do KDE como padrão daria mais crédito ao openSUSE na comunidade do KDE, o que poderia trazer mais usuários, desenvolvedores e empacotadores à distribuição. Outro argumento por trás da proposta é o fato do openSUSE definir um padrão para as decisões relativas a aplicativos (navegadores web, leitores de email etc.), mas deixar a escolha do desktop para o usuário. A proposta defende que o certo seria ter um desktop padrão também. Ao pôr o KDE em pé de igualdade com o GNOME, na verdade, o openSUSE estaria tratando o KDE como cidadão de segunda classe. Conforme explica um desenvolvedor do SUSE, Lubos Lunak:
Não estamos pedindo que o KDE seja tratado de forma especial, nem que receba privilégios adicionais. Escolher a melhor solução tecnicamente é uma prática recomendada no openSUSE, e se por algum motivo isso não for possível, opta-se pela solução mais popular. Mas o GNOME tem o “privilégio” especial de ser apresentado em completa igualdade (ou com alguma vantagem, por ser o primeiro da lista) com a opção que em todos os outros casos seria a escolha padrão, ou que seria adotada sem a possibilidade de escolha. A proposta é de que se aplique à escolha do desktop padrão a prática recomendada da distro, ou em outras palavras, que o “privilégio” do GNOME acabe.
Fazer do KDE o padrão também é uma decisão política. Ao longo de boa parte de sua história, o openSUSE foi completamente controlado pela Novell, mas recentemente ele vem se tornando mais aberto para ser uma distribuição dirigida pela comunidade, trilhando um rumo similar ao do Fedora há alguns anos. Para alguns, mudar o padrão para o KDE é uma forma de mostrar que o openSUSE escapou da mão de ferro da Novell. De certa forma, o openSUSE foi prejudicado pelo acordo de patentes que a Novell fez com a Microsoft (ao menos é assim que alguns encaram a situação), por isso distanciar-se um pouco da Novell seria algo positivo, como destaca Will Stephenson: “Isso daria uma boa ajuda na tentativa de nos livrarmos desse perfume ‘a Novell é maligna’ que insiste em nos impregnar”.
O gerente da comunidade, Joe “Zonker” Brockmeier, mostrou simpatia pela ideia de provar que o openSUSE pode “tomar decisões com independência da Novell”, mas não acha que aderir ao KDE como padrão seja a escolha certa para o projeto. Ele mostra preocupação de que a elevação do KDE acima do GNOME possa fazer os usuários e desenvolvedores dele se sentirem peixes fora d’água, e acha que isso não acrescentaria muitos usuários do KDE à distribuição:
Se a questão se limitasse a enviar uma mensagem favorável ao KDE, eu certamente apoiaria. Mas a decisão não é neutra em relação ao GNOME (na minha opinião), porque estaremos de fato optando por um desktop em prejuízo do outro – mesmo que a intenção não seja essa (e eu prefiro pensar que a mensagem do Frank é favorável ao KDE, e não contrária ao GNOME), e temo que isso vá ser interpretado da maneira errada.
Aprecio o desejo de tornar o openSUSE um lar hospitaleiro para os desenvolvedores e usuários do KDE. Só acho que podemos achar uma maneira melhor de fazer isso.
Lunak sugere a criação de diretrizes para ajudar a determinar as opções padrão que o openSUSE vai adotar. Como ele já comentou diversas vezes nas discussões, se não há opções entre os editores de texto e navegadores web, por que o desktop deveria receber tratamento diferenciado? Ele também destaca que o navegador padrão no momento, o Firefox (tanto para o GNOME quanto para o KDE), também pode ter que mudar no futuro:
Está bem claro que o Firefox é o nosso padrão, e nem sequer oferecemos alguma opção em lugares de maior visibilidade. Não vejo nada de errado nisso, mas se um dia o Chrome tiver 90% dos usuários e o Firefox 9%, seria muita estupidez da nossa parte ficar com o Firefox como padrão sem que houvesse uma maneira simples de mudar isso. (…) Pelo que estamos vendo agora nos desktops, nós deveríamos oferecer a opção de usar o Chrome o quanto antes, já que ele tem uma base expressiva de usuários, e se ele ultrapassar os 25% nós deveríamos mostrar uma página durante a instalação onde nenhuma opção esteja pré-selecionada e o usuário tenha que escolher uma.
Algumas diretrizes, ao menos para o caso dos desktops, foram propostas pelo ex-integrante do conselho do openSUSE, Andreas Jaeger. Em sua proposta, que parece estar conquistando apoio, ele sugere que os desktops sejam listados em ordem alfabética e que o mais popular venha selecionado por padrão. Ele também sugere que a tela de escolha de desktop “explique que o GNOME e o KDE são desktops de primeira classe, e que o padrão se baseia na popularidade”. Como resolver empates (reais ou técnicos) não foi especificado, mas seria preciso uma grande revolução na comunidade do openSUSE para que isso se tornasse um problema, já que os usuários do GNOME correspondem a apenas 26% dos entrevistados.
Não é a primeira vez em que as distribuições têm que lidar com esse tipo de problema: o Fedora passou por algo parecido em abril. A sugestão inicial, feita por Jóhann Guðmundsson, foi de mudar as referências a “desktop padrão” ou “desktop Fedora” para “desktop GNOME”, para tornar claro qual desktop o projeto escolheu. A ideia não era a de mudar o padrão, mas de chamá-lo pelo nome para que outros desktops e seus usuários se sentissem em pé de igualdade.
Isso gerou uma longa discussão (mais uma…) sobre como lidar com as escolhas de desktop durante a instalação (dentre outras coisas). O problema é que não há uma decisão “certa” a ser tomada pelas distribuições. Forçar o usuário a escolher é ruim para os novos usuários; como destaca Naheem Zaffar: “Poder escolher só é bom se você estiver bem informado para fazê-lo.” Espera-se que as distribuições tomem essas decisões, e é isso o que elas acabam tendo que fazer. Ao iniciar um live CD de uma distribuição, a última coisa que um novo usuário em potencial do Linux quer é ter que decidir que desktop usar sem ter informações suficientes para isso.
Também é interessante destacar uma reclamação feita por Josephine Tannhäuser, que mostrou-se insatisfeita ao ver que o KDE 4.3 vai sair para o Fedora 10 e o Fedora 11 sem que uma atualização semelhante saia para o GNOME (para a versão 2.26) no Fedora 10. A estabilidade exigida do GNOME, com sua função de desktop padrão, pode ser parte da resistência a grandes atualizações do GNOME em uma distribuição que esteja perto do fim de seu ciclo de vida. Podem haver outros motivos também – a atualização para o GNOME 2.26 pode ser mais intrusiva do que a do KDE 4.2.4 para o 4.3, por exemplo – mas é provável que os desktops que não são o padrão contem com mais flexibilidade.
Está claro que algumas pessoas da comunidade do KDE gostariam que uma distribuição de nome adotasse seu desktop como padrão. Com certeza muita gente ainda está remoendo o aparente (ou real) desprezo pelo KDE da parte do SUSE, que teria adotado uma postura próxima ao GNOME/neutra após a aquisição pela Novel. De certa maneira, o openSUSE parece um bom candidato a assumir o posto de grande distro com o KDE como padrão, mas isso entraria em conflito com o objetivo declarado de ser a “distribuição com os melhores desktops GNOME e KDE”, como descreve Jaeger.
Com duas soluções de desktop completas, além de algumas escolhas minimalistas para os interessados, o Linux certamente pode atender às necessidades da maioria dos usuários. Mas há um obstáculo a ser superado, um obstáculo que não existe nas alternativas proprietárias. A melhor solução a longo prazo provavelmente vai estar relacionada a um maior esclarecimento quanto às opções de desktop, para que o usuário possa tomar uma decisão mais embasada, semelhante à que tomou ao escolher a distribuição que está experimentando. Como essa informação vai ser passada já são outros quinhentos, mas várias distribuições já tiveram que tomar essa decisão em algum momento. Parece que os projetos desses desktops precisam se preocupar mais em educar seus usuários (inclusive os possíveis usuários) quanto aos pontos fortes das soluções que oferecem. Se isso acontecer, é provável que a escolha do desktop padrão se torne menos política e leve a menos discussões intermináveis nas listas de discussão.
Créditos a Jake Edge – lwn.net
Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>
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