‘Computador público’ vs ‘computador pessoal’

‘Computador público’ vs ‘computador pessoal’

Hoje, todos estão muito habituados no fato de cada pessoa ter seu próprio computador, seja um desktop ou um notebook. Principalmente em casas de família, como exemplo, o irmão mais velho tem o seu PC com configuração bem avançada, para jogar 3 horas por dia, enquanto a irmãzinha tem seu outro, para poder utilizar, 30 minutos diariamente, numa página do Orkut ou jogando em sites de games em Flash.

O conceito de “Computador pessoal” foi implantado há muito tempo, lá na década de 80, com a IBM, seguido pela Apple. Mais tarde, o primeiro acabou ganhando a supremacia, sendo este o padrão usado largamente até hoje. Na época, o termo “Personal Computer“, de sigla popular “PC“, se referia à computadores, digamos, pseudo-portáteis, de tamanho muito reduzido com comparação aos outros feitos na época. Essa idéia tinha como por base que, cada casa pudesse ter um computador para suas tarefas. Carlos E. Morimoto, em seu tutorial “História e Evolução dos Computadores“, descreve tecnicamente os primeiros computadores pessoais:

“O primeiro PC foi lançado pela IBM em 1981 e tinha uma configuração bastante modesta, com apenas 64 KB de memória, dois drives de disquetes de 5¼, um monitor MDA somente texto (existia a opção de comprar um monitor CGA) e sem disco rígido. O preço também era salgado, 4000 dólares da época.

Esta configuração era suficiente para rodar o DOS 1.0 e a maioria da programas da época, que por serem muito pequenos, cabiam em apelas um disquete e ocupavam pouca memória RAM. Mas, uma vantagem que existe desde este primeiro PC é a arquitetura aberta, que permite que vários fabricantes lancem acessórios e placas de expansão para ele. Foi questão de meses para que começassem a ser vendidos discos rígidos, placas de expansão de memória, placas de vídeo, etc. de vários fabricantes.

A Apple havia lançado o Apple III poucos meses antes do PC. Os dois equipamentos bateram de frente, pois disputavam o mesmo mercado e Apple III acabou levando a pior, apesar da sua configuração não ficar devendo à do PC e o preço dos dois ser quase o mesmo. O Apple III vinha com 128 ou 256 KB de memória, dependendo da versão, um processador Synertek 6502A de 2 MHz e drive de disquetes de 5¼. O grande pecado foi o uso de um barramento de expansão proprietário, o que limitou as possibilidades de upgrade aos acessórios oferecidos pela própria Apple, uma característica que acabou sendo a grande responsável pela supremacia do PC.”

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E como a indústria é algo que nunca pára de crescer, a demanda, produção e evolução destes computadores cresceram num nível tal que era totalmente inesperado uma década atrás. Hoje a população média possui computadores muito potentes, de forma que, em média, somente 10% dos recursos são utilizados diariamente. Além de ser um desperdício de recursos do sistema, o conceito de computador popular é extremamente destruidor em níveis ambientais. Isso pois, como a cada ano, mais uma vez impulsionado pela indústria, são lançados PCs cada vez mais potentes, as pessoas em geral sentem-se, com os avanços principalmente dos jogos, a trocarem sempre de computador, algumas vezes até por questão de status. Muitas vezes, o desperdício acaba sendo financeiro também. Pode-se exemplificar com uma pessoa que, levado por essa “onda”, gastou mil reais por ano em atualizações no hardware, ou upgrades. Na maioria dos casos, o novo computador não vai ter todos os recursos utilizados, pois o outro supria muito bem as necessidades para o dia-a-dia, e, por questão de alguns jogos ou de status, mil reais que podiam ser gastos em outras necessidades acabariam de ser desperdiçados.

Agora a principal questão é: o tempo. Suponha-se que uma família de classe média tenha apenas um computador. O tempo de utilização dele, durante o dia é , em média, de 4 horas, somando-se o tempo em que havia, realmente, um humano sentado à sua frente. As outras 20 horas, provavelmente, dividiam-se entre o tempo que que a família dormia; o período em que os mesmos estavam acordados e o PC estava desligado e as horas quando estava ligado, mas na proteção de tela e sem ninguém usando (desperdício de energia também). Agora, pode-se aplicar mentalmente esse mesmo raciocínio para uma casa que tenha dois ou três computadores.

Sabe-se que a maioria das pessoas, que não trabalham com o computador ou o usam apenas para eventuais tarefas, poderiam muito bem compartilhar esses recursos não utilizados e, principalmente, o tempo que este não estava sendo usado. Se numa rua onde 10 casas usam o computador para navegar na Internet e fazer alguns trabalhos, estas, absolutamente, poderiam se dirigir à um telecentro e usar o mesmo equipamento, alternando o tempo. Isso, em teoria, resumiria de dez computadores para somente um, fato que seria extremamente bom para as pessoas que não queriam gastar dinheiro, tempo e manutenção com computador e para aquelas que não tem suporte financeiro para comprar um.
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Ou seja: um telecentro em cada região, de boa qualidade, supriria a grande maioria da necessidade de um computador, não desperdiçando máquinas que em sua maioria do tempo não seriam utilizadas. Mas vem a questão: “num telecentro, não tenho como guardar minhas configurações, e, para o governo, ele possui manutenção muito cara.”

É justamente neste caso que entra o conceito de computador público, e entra em atividade a questão do software livre. Primeiro: usando o sistema operacional Linux e seus aplicativos de código aberto, o custo em licenças do governo seria zero. Logo após, outra pergunta é automaticamente feita: manutenção. Com o tempo, os usuários começam a degradar o sistema, necessitando de constante manutenção.

Uma solução simples para este problema é criar um sistema onde as pessoas possam mexer a vontade no Linux, instalar, modificar o sistema, e, a cada reinicialização tudo voltasse à estaca zero. Isso facilitaria a vida de quem quer possuir um telecentro, ou até mesmo facilitaria para o governo, que poderia implantar maior número de computadores pois a manutenção deles seria quase que nula.

Focando a parte técnica, a idéia era de uma distribuição Linux que possuísse dois modos: um administrador, em que as alterações do sistema eram salvas, e o modo usuário, onde o mesmo poderia mexer no que quisesse, e após a reinicialização, as alterações seriam perdidas e o sistema voltaria ao seu original. Surgiu então a idéia de fazer isso usando o UnionFS, como se o usuário entrasse num live-cd instalado no HD, sem a mão de obra de ter que refazer a imagem ISO a cada alteração no sistema.

Segundo Carlos E. Morimoto, em sua dica “Criando um “computador público” usando o UnionFS“, “uma solução mais fácil seria utilizar o UnionFS para “congelar” um sistema já instalado e personalizado, fazendo com que as alterações feitas pelos usuários sejam descartadas a cada boot.

Atualmente, a maioria das distribuições live-CD utiliza o UnionFS para permitir a instalação de programas e outras alterações mesmo enquanto o sistema está rodado a partir do CD.

Todas as alterações são feitas em uma ramdisk, criado utilizando parte da memória RAM, de forma que as alterações são perdidas a cada reboot.
Tocando em miúdos, o UnionFS permite montar duas pastas, onde uma pode ser montada em modo somente-leitura e outra montada em modo leitura e escrita. Podemos então usar uma partição separada para armazenar as alterações, fazendo com que as pastas “reais” do sistema permaneçam inalteradas.”

Uma outra solução, que não vem ao caso, é a placa recuperadora, amplamente vendida do mercado. Além do custo em larga escala ser extremamente alto, ela não permite tanta flexibilidade quanto uma solução baseada em software livre.

A solução para o problema dos dados pessoais é usar uma terceira partição armazenada num servidor e transferido para a máquina local, qualquer que seja, em qualquer telecentro, mediante é claro da apresentação de um usuário e senha. Assim, a pessoa poderia usar normalmente qualquer computador do telecentro que, no momento do login, todas as suas configurações e pequenos arquivos pessoais seriam transferidos para a máquina, fazendo que que a mesma se sentisse no próprio computador pessoal.

Um outro questionamento também é válido: existem vários projetos de terminais leves sob Linux, usando o chamado LTSP (Linux Terminal Server Protocol), como o Sacix, distribuição nacional voltada para telecentros, usando exatamente este conceito. O Sacix usa, baseando-se num servidor, vários terminais num telecentro, armazenando todo o processamento e armazenamento neste servidor principal. Assim, os computadores clientes acabam sendo de baixíssimo custo, visando ser apenas um terminal onde as aplicações são executadas virtualmente; estes servem apenas para mostrar o conteúdo na tela e interagir por meio de teclado, mouse e outros.

Contudo, há uma série de limitações em projetos como esse. Em primeiro lugar, o uso de servidores é limitado para 20 a 40 terminais, o que significa gastos relevantes com os mesmos. Um servidor deve ter processamento e memória suficiente para todo esse número de execuções paralelas, gerando gastos sensíveis com estes também. Em segundo lugar, o uso de terminais leves acarreta numa experiência limitada pelo usuário, que possui, teoricamente, pouca capacidade de recursos da máquina para uso no dia-a-dia, não podendo, por exemplo, carregar vários aplicativos de uma só vez. Isso acarreta, dependendo da situação (como uma estação onde há jogos 3D, por exemplo) num estado desagradável em termos de economia (já que o valor investido em servidores poderia ser equivalente, no caso) e uso (os usuários não estariam limitados). Portanto, uma solução como este projeto visaria um suporte mais adequado e flexível, podendo até ser aplicado facilmente em famílias que adotem o conceito de computador público. Vale lembrar também que, em termos de funções exclusivamente pessoais, hoje até celulares suprem necessidades mais privadas e básicas.

Somando todos esses conceitos, temos surgindo uma outra mentalidade: a do computador público. Havendo interesses, isso pode ser levando adiante, tornando o uso de um computador algo não degradável, em termos de manutenção, personalizável e compartilhado, onde não há desperdício de tempo, dinheiro e recursos, tanto de máquina quanto de natureza. Afinal, viver num mundo público e aberto é algo muito mais humano do que viver pessoalmente e fechado.

Obviamente, isso vai contra a idéia do capitalismo que vivemos atualmente e das grandes empresas que, por interesse em vender mais e mais, acabam por não deixar a idéia difundir ou chegar à prática. Neste caso, a melhor “arma” é a própria comunidade, que pode perfeitamente levar adiante um projeto que visa o bem geral, assim como está acontecendo com o Linux.

Esse projeto começará a ser desenvolvido na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), com minha participação, no campus de São José dos Campos, produzindo um software que implante esse sistema em qualquer distribuição Linux, aumentando ainda mais o grau de liberdade e desenvolvimento em termos de comunidade. Em breve, também haverá um site para o mesmo.

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