Debate sobre o codec de vídeo do HTML 5 volta a esquentar

Debate sobre o codec de vídeo do HTML 5 volta a esquentar

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Autor original: Nathan Willis
Publicado originalmente no:
lwn.net
Tradução: Roberto Bechtlufft

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No dia 20 de janeiro, o YouTube revelou seu player que permite que sites exibam vídeo embutido diretamente na página, como um elemento de vídeo do HTML 5, substituindo o plugin do Flash – e o Vimeo, site de vídeos do segundo escalão, foi atrás. Mas os dois só oferecem arquivos de vídeo via HTML 5 em um formato patenteado e que exige o pagamento de royalties, o H.264. Por uma incrível coincidência, o anúncio chegou junto com o lançamento do Firefox 3.6, e poucos dias depois a Apple divulgou em um evento para a imprensa o seu iPad, que não tem suporte nem ao Flash e nem ao H.264. Depois disso, teve início um debate furioso sobre Flash, licenciamento e vídeos na web, além da briga entre o H.264 e o Ogg Theora. A comunidade de código aberto ainda não tem o que comemorar, mas a alta notoriedade do debate abriu as portas para a discussão do verdadeiro problema subjacente: os padrões web patenteados.

Rebobinando

O cerne de toda essa controvérsia é o elemento de vídeo do HTML 5, que permite que os desenvolvedores web incluam conteúdo de vídeo em uma página da web em qualquer formato de arquivo, acabando com a necessidade de embutir esse conteúdo em um player de Flash, que só tem utilidade porque o plugin do Flash está em toda parte. Mas cabe ao navegador incluir o suporte aos formatos que escolher em seu player de vídeo integrado. Só que o padrão HTML 5 não exige a inclusão do suporte a nenhum formato específico para que o navegador esteja em conformidade, e então começou uma guerra entre os proponentes de formatos para domínio da situação.

De um lado, o grupo MPEG exerce pressão pela adoção de seu formato H.264. O codec H.264 é parte da abrangente família MPEG-4, é patenteado e todos que quiserem incluir suporte a ele devem pagar taxas de licenciamento aos detentores das patentes através de um consórcio chamado MPEG-LA – a necessidade do licenciamento se aplica a codificadores e decodificadores, a hardware e a software, e inclui fabricantes originais e redistribuidores.

Do outro lado estão muitos defensores do formato Theora, que não exige royalties para ser implementado nem em hardware nem em software, graças às licenças livres irrevogáveis concedidas por seu criador às patentes originais. O codificador e o decodificador de referência são desenvolvidos pela Fundação Xiph.org e estão disponíveis sob uma licença estilo BSD.

Os proponentes do Theora enfatizam a necessidade de inclusão de um formato de implementação livre no HTML 5, livrando a próxima década de desenvolvimento web do pesadelo causado pelo debate sobre a aplicação das patentes do formato GIF. Os defensores do H.264 afirmam que o desempenho do Theora no quesito qualidade-por-bitrate perde para o H.264, e que terceiros (cujos nomes não foram divulgados) talvez detenham patentes secretas envolvendo uma ou mais técnicas usadas no Theora, vindo a processar por infração de patentes quem quer que o implemente (a chamada ameaça de patentes “submarinas”).

Os principais navegadores web estão divididos nessa questão do suporte a um formato. O Safari da Apple só traz suporte ao H.264, o Google Chrome suporta tanto o H.264 quanto o Theora, e o Firefox e o Opera suportam apenas o Theora. O Internet Explorer da Microsoft não tem nem suporte a vídeo via HTML 5. Para confundir ainda mais, o Safari e o Chrome implementam a reprodução do H.264 porque suas empresas-pai pagam por licenças à MPEG-LA; consequentemente, projetos de navegadores de código aberto como o WebKit e o Chromium não oferecem suporte ao H.264, porque as taxas de licenciamento pagas não cobrem esses derivados.

Os participantes

Essa era a situação quando o YouTube e o Vimeo anunciaram o suporte a vídeos H.264 via HTML 5. O que poderia ter sido um dia marcante para os padrões abertos da web acabou resultando em reclamações à Mozilla da parte dos usuários (e de especialistas) por que o Firefox 3.6 “não suportava o HTML 5”. Na verdade, o Firefox tem suporte a vídeo via HTML 5 desde a versão 3.5, mas não inclui um decodificador H.264.

A expert em vídeos, Silvia Pfeiffer, demonstrou o problema em números. De acordo com as estatísticas de participação no mercado da Statcounter, o Firefox tem uma fatia de 22,57% dos navegadores do mundo, enquanto o Chrome e o Safari somam 8,53%. Ou seja, dentre os navegadores compatíveis com HTML 5 disponíveis no mercado, o Firefox conta com 73% dos usuários, e essa gente toda não podia assistir a vídeo nenhum no YouTube e no Vimeo. Não é de se surpreender que alguns desses usuários tenham reclamado.

Christopher Blizzard, da Mozilla, reagiu às notícias com uma análise detalhada do problema da propriedade e das patentes do H.264. A situação é exatamente a mesma do desastre do GIF na década de 90, e do MP3 no início da década passada, só que há muito mais em jogo agora. O H.264 é patenteado, pura e simplesmente, e os detentores de patentes cobram royalties hoje, e continuarão fazendo isso até que suas patentes expirem. Se o H.264 se tornar mesmo o padrão, os detentores de patentes terão a liberdade de aumentar os preços das licenças, e sem dúvida eles farão isso.

Blizzard examina os termos de licenciamento do H.264 e seus efeitos sobre produtores corporativos e independentes de conteúdo web. Para incluir um decodificador H.264 no Firefox, a Mozilla teria que pagar uma taxa de licenciamento (que talvez chegue a cinco milhões de dólares por ano), mas fazer isso arruinaria os princípios da fundação Mozilla de apoiar e promover formatos e padrões livres.

Flash: nem deu tempo de nos conhecermos melhor…

Outra notícia de destaque da última semana de janeiro foi a festa de lançamento do iPad, da Apple. O iPad, assim como seus irmãos tampinhas, o iPhone e o iPod Touch, usa um navegador web baseado no Safari, e inclui o decodificador H.264 licenciado da Apple para vídeo via HTML 5. Mas assim como ocorre com os dispositivos menores, o iPad não inclui suporte a Flash.

Vindo da Apple, essa decisão foi saudada por parte da mídia como uma sentença de morte para o Flash. O formato, que já foi o favorito para incorporar animações e elementos interativos ao conteúdo web, tem visto seu uso diminuir nos últimos anos, ao ponto dele ser usado quase que exclusivamente como uma plataforma para a exibição de vídeos online (e para propagandas irritantes, obviamente, embora estritamente falando isso não seja considerado “conteúdo” pela maioria das pessoas).

Ninguém parece estar lamentando a possível derrocada do Flash. A Apple sugeriu que o Flash seja o causador da maioria dos travamentos do Safari relatados pelo utilitário de análise de falhas do OS X. A Mozilla disse em outubro de 2009 que plugins de terceiros causam pelo menos 30% dos travamentos do Firefox, e essa estatística é apoiada pela popularidade dos complementos que bloqueiam o Flash.

Em um evento público, Steve Jobs chegou a afirmar que o Flash tinha bugs demais para ser usado, e declarou que o HTML 5 era o futuro.

E o que os donos de sites devem fazer?

Talvez hoje o Flash só tenha fãs na Adobe, e esse fato aumenta a importância da batalha dos codecs no HTML 5. O plugin sobreviveu por tanto tempo por um único motivo: sua disponibilidade em quase todos os navegadores e em quase todos os sistemas operacionais. Muito depois do AJAX ter se popularizado na funcionalidade de conteúdo interativo, o desenvolvedor web só precisava implementar a reprodução de vídeo em um elemento Flash, na certeza de que ele funcionaria em praticamente todos os navegadores que ele encontrasse.

O mesmo não pode ser dito do vídeo no HTML 5, e certamente também não no caso de vídeos no HTML 5 com conteúdo H.264. Se o Theora se tornar o formato dominante (ou for sancionado oficialmente na especificação HTML 5), isso voltará a ser possível, mas isso simplesmente não se aplica ao H.264. Tanto os codificadores quanto os decodificadores dele exigem licenciamento, um fato ao qual não se dá a devida importância no debate sobre o suporte nos navegadores, mas do qual Blizzard trata no post em seu blog. Qualquer um pode fazer um site com CSS, HTML e o Theora usando ferramentas livres e legais, sem ter que pedir permissão a ninguém; com o H.264, isso muda.

A única questão é se a comunidade de desenvolvimento web vai ou não reconhecer o fato e se unir para apoiar o Theora ou outra alternativa livre. O ataque dos detentores de patentes do H.264 ao Theora não são se sustenta; a comparação de qualidade é altamente subjetiva (e, na verdade, a comparação da qualidade da codificação de vídeo é subjetiva por natureza), e como aponta a Xiph.org, patentes submarinas ameaçam tanto os codecs livres quanto os não livres. As patentes originais da tecnologia do Theora são conhecidas e licenciadas livremente; se um detentor de patente possuísse evidências suficientes para aleijar o Theora, iniciando um processo de infração de outras patentes, isso certamente já teria acontecido.

Além disso, o elemento de vídeo do HTML 5 inclui suporte a vários arquivos de origem, e os provedores de conteúdo podem oferecer cada vídeo em vários formatos diferentes; mas a briga toda é porque os detentores de patentes do H.264 estão tentando impedir que um formato rival seja agraciado como parte do padrão. Esses detentores de patentes usariam as mesmas táticas contra qualquer outro formato de vídeo.

Alguns críticos sugerem que outro codec de vídeo livre seja necessário, e o Theora certamente não é a única opção. Há anos a Sun vem desenvolvendo seu próprio codec de vídeo para evitar problemas com patentes através do projeto Open Media Commons, embora o projeto pareça estar meio parado. Blizzard sugere que o Google planeje ter sua própria patente de vídeo, dada a recente tentativa de aquisição da On2, a empresa que desenvolveu o codec VP3 do qual o Theora se originou. Dan Glidden, que antes integrava o projeto Open Media Commons, é um proponente do movimento MPEG-RF para mudar a política do MPEG e estabelecer uma opção livre de royalties, um codec básico para o MPEG-4.

O debate está longe de acabar, mas talvez o YouTube e o Vimeo tenham mudado um aspecto dele: ao contrário do que acontecia em anos anteriores, quando a luta se dava quase que totalmente nos confins dos grupos de trabalho do Consórcio World Wide Web, desta vez a briga é pública. Consequentemente, mais pessoas estão vendo do que se trata o vídeo no HTML 5, e entendendo melhor a diferença entre o elemento HTML e o formato de vídeo disponibilizado. E isso é uma coisa boa.

Enquanto isso, pequenos desenvolvedores web que queiram oferecer conteúdo de vídeo HTML 5 ainda têm opções. A opção mais simples é incluir vários arquivos de vídeo, mas uma alternativa melhor é usar o applet Cortado da Xiph.org; um applet Java de streaming de mídia que decodifica o Theora. Ele é de código aberto, funciona de forma transparente em qualquer plataforma que inclua suporte a Java e não exige a codificação de vários arquivos de vídeo – ou seja, não é preciso sair espalhando conteúdo H.264 sem necessidade. Obviamente, ninguém está se iludindo achando que o YouTube vá implementar isso.

Créditos a Nathan Willislwn.net
Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>

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