Ganhou enorme repercussão essa semana a informação do importante jornal japonês “The Mainichi” que a Sony cortou 250 postos de trabalho relacionados ao seu negócio audiovisual em formato físico, e interrompeu a produção de mídias virgens de CD, DVD e Blu-Ray.
A notícia soou como um alerta para muitas pessoas de que isso é mais uma constatação da morte dos conteúdos em mídia física. Será que estamos diante de um abandono aos tradicionais discos?
Bom, vamos com calma. O primeiro ponto é analisar os detalhes sobre a informação trazida pelo “The Mainichi”, contextualizar os detalhes desse movimento da Sony.
Não é o fim!
A priori, essa decisão da Sony afeta em grande parte o mercado japonês. O corte no quadro de funcionários representou uma redução de 37% nos postos de trabalho na fábrica da companhia no Japão. Ainda não está claro o impacto disso em termos do mercado global. Por outro lado, um corte na produção de mídias virgens, num país que segue até hoje como um ávido consumidor de material físico, é um movimento altamente representativo.
Em segundo lugar, temos a questão das mídias. O que a Sony está fazendo é encerrar a produção dos discos virgens, que podem ser utilizados para armazenar algum tipo de conteúdo. Eu sei que você já usou muito o Nero para “queimar” alguns CDs e DVDs. Eu também!
Essa decisão da Sony pode indicar uma queda no ímpeto por esse tipo de mídia. Ter pessoas ainda interessadas em comprar um jogo ou um álbum de uma banda de maneira física não significa necessariamente que ainda há uma forte procura por mídias virgens para gravação doméstica.
E aí entramos no próximo ponto deste assunto. Relaxa, a mídia física seguirá por aí por um bom tempo. A Sony e outros distribuidores seguirão lançando filmes, álbuns e jogos em discos.
Há todo um mercado ainda interessado nas cópias em mídias ópticas, e até mesmo nos jurássicos “bolachões”, os discos em vinil. Até fitas K7 seguem vendendo.
O saudosimo
Segundo dados da Recording Industry Association of America (RIAA), em 2023, pelo segundo ano consecutivo, foram vendidos mais vinis do que CDs.
O que explica isso? Bom, em partes há um sentimento que é da “nostalgia de épocas não vividas”. É comum vermos em redes sociais vídeos de pessoas numa faixa etária que, definitivamente, não pegaram o boom do vinil, colocando seus discos nas vitrolas ou exibindo-os como parte da composição do cenário. Algumas, provavelmente, nem possuem o equipamento para reproduzir o vinil, é apenas algo decorativo.
O vinil hoje extrapolou o ponto de somente uma mídia para ouvir música, ele virou um item cool, um elemento pop, que pessoas mais jovens estão gostando de conhecer. Isso ajudou a resgatar a mídia para um público mais amplo. Um público que enxerga aquele grande disco com sua capa gigante, e um capricho no material gráfico, como um item descolado.
Alguns estudos já indicaram que a Geração Z, aquela nascida entre 1997 e 2015, compra mais discos de vinil do que a geração anterior, os Millenials (1980 a 1995).
Mas brincar de amante do vinil não é barato, ainda mais no Brasil. O preço de alguns lançamentos, de artistas mais hypados, pode ultrapassar facilmente os R$ 200. Com vinis importados, o preço é ainda mais assustador. Edições especiais, então, nem se fala.
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A experiência frustrada
Também é curioso observar como muitas pessoas que compram algumas edições especiais do vinil o adquirem por uma suposta diferença em relação aos arquivos digitais, como os discos da famosa Mobile Fidelity.
Na sua linha OneStep, os discos são, supostamente, feitos a partir das fitas masters da gravação, sem interferência de processos digitais. No entanto, em 2022 veio à tona que a masterização passa, sim, por arquivos no computador. A empresa confirmou que recorre ao Direct Stream Digital (DSD) desde 2011.
Isso foi uma verdadeira bomba no mercado do vinil de alta qualidade. Consumidores se sentiram enganados por adquirirem uma mídia que era vendida como algo mais orgânico, sem a influência da digitalização, um áudio mais próximo do ambiente de gravação.
O mercado está aí para seduzir alguns por certos termos de marketing, jogando o efeito da nostalgia na conta. E é essa mesma nostalgia, com o ritual que é colocar uma mídia física para ser tocada, que ajuda a manter viva a áurea em torno dos discos.
Mas é importante ter em mente que o físico está cada vez perdendo mais espaço para o digital, e que essa sobreposição resulta em produtos cada vez mais caros para a parcela de consumidores que ainda querem os discos. Não apenas os discos, também os reprodutores deles.
Fortaleça o nicho
Você já reparou como os players de Blu-Ray vêm sumindo do Brasil há alguns anos? Isso é uma tendência que também vem sendo observada em outras partes do mundo, com cada vez menos modelos sendo lançados. Com a Sony, por exemplo, o player de Blu Ray mais recente lançado pela empresa é de 2021. Samsung e Oppo nem produzem mais Blu-Ray players.
As lojas também podem começar a adotar um método diferente de vendas para essas mídias. A gigantesca norte-americana Target revelou que irá para de vender DVDs e Blu-Ray de maneira regular em suas lojas físicas até 2025, mantendo essa continuidade somente seu site. Nos pontos de venda físicos, a loja passará a apostar em vendas sazonais, atendendo épocas específicas do ano.
Em números gerais de vendas, o Blu-Ray nunca chegou nem perto do DVD. O Blu-Ray mais vendido de todos os tempos é o da animação Frozen, da Disney, acumulando cerca de 8 milhões de cópias desde seu lançamento, em 2014. Mais do que o dobro de DVDs do mesmo filme foram vendidos no mesmo período. Se formos colocar na conta o DVD mais vendido da história, a coisa fica ainda feia para o Blu-Ray. Procurando Nemo, também da Disney, vendeu 38,8 milhões de cópias em DVD.
Há também um catálogo muito mais vasto para DVD do que em Blu-Ray. Segundo dados de junho de 2024, mais de 333 mil filmes estão disponíveis para DVD, enquanto o Blu-Ray computa um pouco mais de 51 mil opções, já os títulos em Blu-Ray 4K, o nicho do nicho, têm apenas 1.885 opções.
Em jogos, a discrepância de vendas entre o digital e o físico também impressiona. No balanço fiscal de 2023, a Sony revelou que vendeu 86 milhões de jogos em Blu-Ray para o PlayStation. Já no digital, foram 200 milhões de cópias.
Além de uma movimentação das empresas em reduzir gradativamente suas ações em tudo que gire em torno das mídias, o consumidor vem adotando cada vez mais um comportamento de nicho em torno desses produtos. E assim seguirá pelos próximos anos.
É curioso também a manifestação de lamento de alguns pela internet com fatos assim. Ficam tristes pelo encolhimento do mercado, mas quantas mídias físicas essas pessoas compraram nos últimos tempos? Lamento não sustenta mercado algum. Curte mídias físicas? Siga comprando, mantenha esse nicho de pé.
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