Bully banido no Brasil: relembre o dia em que a Justiça proibiu o jogo da Rockstar

Em 2008, Bully foi proibido no Brasil pela Justiça do RS. Entenda os motivos do banimento, a polêmica com outros games e como o título voltou ao mercado digital em 2016.

A história de Bully no Brasil não pode ser contada sem olhar um pouco para trás. Em dezembro de 1997, o Ministério da Justiça proibiu a venda de Carmageddon, jogo que premiava atropelamentos de pedestres e foi acusado de estimular a violência no trânsito.

Dois anos depois, em 1999, a Justiça Federal de Belo Horizonte ampliou a repressão e suspendeu a comercialização de seis títulos, entre eles Mortal Kombat, Doom e Duke Nukem 3D.

A medida, assinada pela juíza Cláudia Maria Resende Neves Guimarães, tinha respaldo do Ministério Público Federal e foi publicada no Diário Oficial em 15 de dezembro daquele ano. Era o auge de um clima de comoção social que associava tragédias como Columbine e o massacre do Shopping Morumbi aos videogames.

Esses precedentes deixaram o país preparado para um novo alvo. Quando Bully chegou às prateleiras brasileiras, já havia no ar a percepção de que qualquer jogo polêmico poderia ser rapidamente transformado em exemplo judicial. Nesse artigo irei relembrar como aconteceu e a repercussão da proibição do jogo Bully no Brasil. 

O jogo que virou alvo

Bully banido no Brasil

Lançado em 2006 para PlayStation 2, Bully colocava o jogador no papel de Jimmy Hopkins, um adolescente de 15 anos matriculado à força no internato Bullworth Academy. O enredo misturava sátira social e humor ácido: Jimmy precisava enfrentar grupos de alunos rivais, humilhar valentões e até ganhar dinheiro cobrando proteção de colegas mais fracos.

Aulas de química serviam para produzir bombinhas, enquanto as de educação física ensinavam novos golpes. Para parte da crítica, era uma caricatura mordaz da vida adolescente. Para os opositores, uma apologia direta à delinquência escolar.

Bully

As semelhanças com Grand Theft Auto, outra franquia da Rockstar, só aumentaram a polêmica. Inspetores funcionavam como policiais, e os grupos estudantis lembravam gangues urbanas. Logo, o game ganhou a fama de “GTA escolar”, o que ajudou a atiçar o debate.

A decisão da Justiça gaúcha

Bully 3

O estopim veio em abril de 2008. O Ministério Público do Rio Grande do Sul recebeu uma representação do Centro de Apoio à Infância e Juventude, que encaminhou o caso à Sociedade de Psicologia do Estado. O parecer foi categórico: Bully era “potencialmente lesivo”, capaz de estimular sentimentos de humilhação, agressão física, suborno e fuga. Munido desse laudo, o juiz Flávio Mendes Rabello, da 16ª Vara Cível de Porto Alegre, determinou a proibição da importação, distribuição e comercialização do jogo em todo o território nacional.”

“A sociedade perde a capacidade de  bem educar um filho à medida que jogos  com enfoque idêntico a “Bully” forem trabalhados em nosso território”, destaca um trecho do da decisão. 

A distribuidora JPF Maggazine, responsável pelo lançamento oficial no Brasil, foi notificada, assim como 14 sites que anunciavam o título. Todos deveriam interromper as vendas em até 30 dias, sob pena de multa diária de R$ 1 mil. Em um detalhe que chamou a atenção da imprensa, os lojistas ainda precisariam enviar ao juiz a lista de quem já havia comprado o jogo.

Na sentença, Rabello descreveu Bully como impróprio “aos educados”, afirmando que ele poderia “acarretar graves distúrbios dentro e fora da escola”. O promotor Alcindo Bastos, que acompanhou o caso, resumiu: o jogo produzia sentimentos de “provocação e humilhação”.

O contraste com GTA

 Pouco antes, a Justiça de Minas Gerais já havia proibido Counter-Strike e EverQuest, também sob o argumento de que eram nocivos a crianças e adolescentes. A imprensa da época se perguntava se outros títulos entrariam na lista negra, mas a resposta foi não — e aí está uma ironia que marcou o caso.

Enquanto Bully era considerado perigoso, Grand Theft Auto IV, lançado no mesmo período, chegava às prateleiras brasileiras sem grandes obstáculos. Classificado para maiores de 18 anos, o game trazia tiroteios, embriaguez ao volante e prostituição — mas não foi alvo de proibição.

“Para alguém pedir o banimento, teria que provar que o jogo faz mal para pessoas acima dessa faixa etária”, justificou na época Marcos Ladeira, diretor de marketing da distribuidora NC Games.

Reações e críticas à proibição

Bully 2

Juristas e especialistas em tecnologia questionaram a decisão gaúcha na época. O advogado Omar Kaminski, por exemplo, destacou que a medida poderia ter efeito contrário: “Quem nunca ouviu falar do jogo, movido pela curiosidade, vai querer saber mais a respeito, quem sabe jogar para ver como é”. De fato, mesmo proibido, Bully continuou circulando em cópias piratas e downloads ilegais, algo já rotineiro em 2008.

A volta digital em 2016

O veto manteve Bully fora do comércio oficial brasileiro por quase oito anos. Somente em 2016, já com a ascensão das plataformas digitais, o jogo retornou. Não houve explicação formal para a liberação.

O retorno do jogo em 2016 ocorreu com a versão Bully: Scholarship Edition. Essa edição expandida, lançada originalmente em 2008 para Xbox 360, Wii e PC, trazia novos conteúdos como aulas extras, missões inéditas e melhorias gráficas.

O que aconteceu com Bully fora do Brasil?

Bully 3

Embora a polêmica tenha sido global, só no Brasil houve banimento judicial de Bully. Nos Estados Unidos, um juiz de Miami analisou o game em audiência e negou o pedido para bani-lo como “incômodo público”. Na decisão, o juiz Ronald Fredman argumentou que embora Bully contenha violência, o videogame expõe os jogadores a menos violência do que eles encontrariam assistindo televisão.

No Reino Unido, a BBFC (British Board of Film Classification, órgão responsável pela classificação etária de filmes e jogos) classificou o título como adequado para maiores de 15 anos, apesar da pressão política de parlamentares como Keith Vaz. Algumas redes varejistas, como Currys e PC World, optaram por não vendê-lo, mas por decisão comercial, não legal.

Já na Itália e em outros países da Europa, a Rockstar preferiu lançar o game com outro nome: Canis Canem Edit, expressão em latim que significa “cão come cão”.

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Um marco da relação entre Justiça e games no Brasil

O caso de Bully sintetiza duas décadas de tensão entre videogames, Justiça e sociedade no Brasil. Do atropelamento de pedestres em Carmageddon aos fatalities de Mortal Kombat, até o cotidiano satírico de um internato fictício, os tribunais brasileiros trataram jogos como ameaça concreta à infância e à ordem social.

Mas enquanto em 1999 a repressão levou à criação do sistema de classificação indicativa, em 2008 a decisão contra Bully já soava defasada diante da realidade digital. O retorno do jogo em 2016, quase sem alarde, mostrou como a tecnologia havia superado as barreiras da censura judicial.

Hoje, Bully permanece como um clássico cult da Rockstar — lembrado tanto pelo humor irreverente quanto pelo episódio único que o transformou em símbolo da censura a games no Brasil.

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Editor-chefe no Hardware.com.br/GameVicio Aficionado por tecnologias que realmente funcionam. Segue lá no Insta: @plazawilliam Elogios, críticas e sugestões de pauta: william@hardware.com.br
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