Uma análise crítica do iPhone

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Uma análise crítica do iPhone

A Apple tem uma grande facilidade em atrair a atenção da mídia. Uma simples apresentação de Steve Jobs feita durante o MacWorld 2007 foi suficiente para que o iPhone ganhasse a atenção do mundo, sendo comentado em inúmeros sites e blogs técnicos, além de ser capa em diversas revistas da grande imprensa. De hype eles entendem ;).

Embora o iPhone ainda esteja há alguns meses de seu lançamento (planejado para Junho de 2007) e o projeto seja “segredo de estado” dentro da Apple, já é possível traçar um retrato do aparelho baseado nas informações disponíveis. Vamos lá:

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A primeira coisa que chama a atenção no projeto é que ele não possui teclado ou dial-pad. Ao invés disso, um teclado ou dial-pad virtual é mostrado de acordo com a situação.

A maioria dos usuários de PDAs acaba usando pouco a stylus, preferindo usar os dedos. Retirar e depois guardar a Stylus é realmente uma perda de tempo, de forma que ela acaba sendo usada apenas para tarefas que exigem mais precisão.

Percebendo isso, a Apple desenvolveu uma interface para o iPhone que é otimizada para ser usada diretamente com os dedos. Ele sequer possui uma stylus. Isso foi possível em grande parte devido à boa resolução da tela, com seus 320×480 (a mesma resolução usada no Palm TX) e o uso de fontes grandes.

Parte das funções são acionadas por gestos, um conceito antigo, mas que ainda não havia sido implementado em PDAs. Por exemplo, ao rolar uma página web, ou alternar entre títulos na lista de músicas, o scroll é feito de acordo com a velocidade em que você arrasta o dedo. Se arrastar muito rápido, você pode ir direto ao final da página.

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No aplicativo de imagem, um gesto de pinça, abrindo o polegar e o indicador sobre a tela faz com que a imagem seja ampliada. Fazendo o movimento inverso ela é reduzida.

O iPhone possui também um sensor de movimento, que é bem aproveitado pelo software. O simples gesto de levar o telefone à orelha, faz com que a ligação seja atendida e girá-lo faz com que um vídeo, foto ou página web passe a ser mostrado em modo wide-screen.

Quem sabe esta idéia de controle de funções na interface através de gestos passe no futuro a ser usada também em PCs. Uma webcam ou outro dispositivo similar poderia mapear movimentos das mãos feitos na frente do monitor, permitindo que algumas tarefas, como minimizar e maximizar janelas, rolar páginas e alternar entre programas sejam feitas diretamente com gestos, sem precisar do mouse ou teclado, no melhor estilo Minority Report ;).

A questão da navegação web também foi atacada de uma forma peculiar. Ao invés de otimizar as páginas para as dimensões da tela, simplificando o layout, como fazem navegadores mobile como o Opera Mini, o iPhone simplesmente renderiza os sites no formato real, reduzindo o tamanho das fontes e imagens de forma que eles se ajustem na tela. Dando dois toques sobre a tela, a página é ampliada, permitindo que você consiga ler.

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Outro recurso bastante divulgado é o acesso a mapas, utilizando o Google Maps. Aqui devo discordar da originalidade do recurso, pois o Google Maps pode ser usado em praticamente qualquer smartphone. Ele já possui até mesmo uma versão para Palms, que utilizo regularmente.

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O acesso ao Google Maps no iPhone é provido por um applet, uma espécie de página web glorificada, exibida através do navegador. Existem outros widgets para acompanhar cotações das ações, ver a previsão do tempo, etc. sempre exibindo informações retiradas de determinadas páginas web. O maior problema é que o Google Maps consome muita banda, principalmente ao visualizar imagens de satélite, por isso acaba sendo interessante apenas para quem possui um plano de dados ilimitado. Outra questão é que os mapas estão disponíveis apenas para os EUA e alguns países da Europa. Para o Brasil, temos apenas as imagens do satélite.

Além da transmissão de dados através da rede celular, o iPhone também pode se conectar a redes Wi-Fi, fazendo o chaveamento de forma automática quando uma rede wireless está disponível. Ao acessar através da rede celular, é utilizado o Edge, que permite taxas em torno de 230 kbits reais, com fallback para o GPRS (cerca de 70 kbits) nas áreas mais remotas.

Também é possível usar periféricos Bluetooth e fazer a comunicação com o PC de forma normal. Possivelmente a Apple incluirá a opção de transferir as músicas e outros arquivos diretamente usando a interface wireless, deixando o sincronismo via USB como opção de emergência.

O iPhone também oferece acesso a e-mails, agenda, visualizador de fotos (ele inclui uma câmera de 2 megapixels), vídeos, etc. além de ser ao mesmo tempo um iPod, com acesso ao iTunes e tudo mais. Você pode ver alguns vídeos de apresentação na página da Apple: http://www.apple.com/iphone/technology/.

Na verdade, todos estes recursos estão disponíveis a muito tempo em outros smartphones. Consigo navegar, ler os e-mails, usar o MSN/ICQ, usar o Google Maps, ouvir meus MP3 e assistir filmes e seriados (armazenados num cartão SD de 2 GB), administrar servidores Linux via SSH, ler e-books e até jogar joguinhos de Nintendo no meu Treo 650, que é um aparelho lançado a mais de 2 anos.

Desconsiderando a interface e o “fun factor”, nenhum dos recursos oferecidos pelo iPhone são realmente novos. O que fizeram foi criar um formato mais atrativo para o conceito de smartphone e levá-lo ao grande público. Graças a ele, a palavra “convergência” está novamente em moda, com o grande público percebendo que carregar um único aparelho, que acumule as funções de PDA, telefone, câmera, MP3player, etc. é mais interessante do que andar por aí fantasiado de Batman, com o cinto cheio de bugigangas ;).

Na minha opinião, o celular do futuro será um dispositivo geral de comunicação, acesso à informação e entretenimento e não apenas um telefone de voz. Num futuro talvez não tão distante, você será capaz de acessar todas as suas informações pessoais e arquivos através do celular, usá-lo para se comunicar com seus contatos de diversas formas (seja através de mensagens e e-mail, ou via VoIP), atualizar sua página ou blog, usá-lo como aparelho de som ou VCR, transmitindo áudio e vídeo para outros aparelhos da casa via wireless e assim por diante.

Você poderia baixar um filme ou seriado usando o desktop, transmiti-lo para o celular usando a rede wireless, começar a assistí-lo no próprio celular, enquanto está preso no engarrafamento e terminar de vê-lo na TV ao voltar pra casa, transmitindo do celular para a TV via streaming.

Embora não esteja convencido de que o iPhone é o celular do futuro, ele com certeza está no caminho certo. O maior problema é o preço. Inicialmente ele estará disponível apenas para usuários da Cingular (uma das maiores operadoras dos EUA, concorrendo com a Verizon), pela bagatela de:

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Note que este valor de US$ 599 é subsidiado pelo contrato de dois anos. O valor “cheio” do iPhone, sem contrato, deve estar entre US$ 800 e US$ 900. Está disponível também uma versão de 4 GB, que custa apenas 100 dólares a menos. Isto coloca o iPhone no topo da classe high-end dos smartphones, um luxo reservado aos mais abastados.

Ainda não existe informação sobre a disponibilidade para outras operadoras. A Cingular é uma operadora GSM, de forma que uma versão destrava do iPhone poderia ser usada em conjunto com qualquer operadora nacional, com exceção da Vivo. Entretanto, sem o subsídio oferecido pela Cingular, o preço de venda seria bem mais alto. Presumindo que uma versão destravada fosse vendida a US$ 800, ele não custaria menos de R$ 2500 aqui no Brasil.

Vamos então à questão do hardware.

É certo que o iPhone não é baseado num processador x86. Segundo um artigo do informationweek.com, a Samsung foi a escolhida para fornecer o processador principal e o chip responsável pelo vídeo, o que torna claro que o iPhone será baseado num processador ARM, assim como os Palms e Pocket PCs. Os chips ARM são processadores otimizados para dispositivos portáteis, eles são relativamente rápidos e bastante econômicos. Um Intel Xscale de 500 MHz, por exemplo, tem um desempenho que rivaliza com o de um Pentium II 450.

Os efeitos 3D usados para alternar entre as faixas de áudio na apresentação, sugerem também o uso de um controlador de vídeo 3D, assim como o usado no Dell Axim X51v. Se confirmada, a presença do controlador 3D permitiria também o desenvolvimento de jogos mais elaborados.

Voltando aos fornecedores, a Marvell fornecerá o chipset wireless, a Altus fornecerá a câmera, a Cambridge Silicon Radio fornecerá o transmissor Bluetooth e a Foxconn (a mesma que fabrica placas-mãe) fará a montagem do aparelho. Um exemplo de economia globalizada… 😉

Um ponto negativo é que o iPhone utiliza uma bateria interna, ao contrário da maioria dos telefones atuais, que permitem o uso de baterias extras. Para alguns isso pode ser um grande inconveniente, mas a maioria provavelmente não vai se importar muito com o fato. Afinal, poucos têm o hábito de comprar baterias extras para o celular de qualquer forma. Ele pode ser carregado diretamente através da porta USB, com a opção de um carregador tradicional, ligado na tomada.

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Os 8 GB de armazenamento são constituídos inteiramente de memória flash, nada de HDs com partes móveis. Isto é possível devido à grande queda nos preços da memória Flash no mercado internacional. Atualmente, 8 GB de memória flash custam menos de US$ 150 para os fabricantes.

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A memória flash serve apenas como espaço de armazenamento. Além dela, temos uma quantidade limitada de memória RAM (ou SRAM) tradicional, possivelmente 64 ou 128 MB, usada pelo sistema e aplicativos. Uma informação significativa é que o iPhone roda uma versão reduzida do Mac OS X, e não um novo sistema.

Pode parecer estranho que tenham conseguido simplificar o pesado OS X a ponto de rodar num smartphone, mas na verdade isto deve ter sido relativamente simples. O OS X é um sistema Unix, derivado do BSD, que segue a mesma estrutura básica que temos no Linux, com um Kernel bastante leve e um grande conjunto de drivers, bibliotecas e aplicativos rodando sobre ele. O sistema é bastante portável, de forma que apenas uma pequena parte do código precisa ser alterada para rodar em outras plataformas.

Eliminando todo o overhead necessário num desktop e criando um set de aplicativos otimizados, a Apple conseguiu chegar ao OS X que roda no iPhone, que ocupa menos de 500 MB da memória flash integrada. Naturalmente, o iPhone não pode rodar diretamente aplicativos para o OS X “completo”, mas a familiaridade com o sistema deve ajudar os desenvolvedores interessados em desenvolver aplicativos para ele.

Concluindo, ele mede 11.5 x 6.1 cm (com 1.16 cm de espessura) e pesa 135 gramas.

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Em seguida temos a questão do software, que ainda é um tanto quanto nebulosa. Até o momento, a Apple deu a entender que o iPhone será uma plataforma fechada, similar ao iPod, onde todo o desenvolvimento de software é controlado por eles. Isso estaria de acordo com a tradicional postura “não mexa no meu chocolate” adotada pela empresa.

Do ponto de vista deles, manter a plataforma fechada faz sentido, pois evita que aplicativos mal desenvolvidos estabilizem o sistema ou criem brechas de segurança, como é comum nos Pocket PCs e Palms. Controlando o software, a Apple pode se certificar de que o iPhone vai funcionar como esperado nas mãos dos consumidores. Obviamente isto é uma faca de dois gumes, já que com menos aplicativos, a plataforma se torna menos atrativa.

Um smartphone é bem diferente de um mp3player. Enquanto a grande maioria das pessoas se contenta com as funções padrão do iPod, uma parcela bem maior precisa de utilitários específicos instalados em seus smartphones ou palmtops. A falta de um grande poll de aplicativos, é um grande risco para o iPhone, já que quem precisar de qualquer coisa fora do arroz com feijão, vai acabar procurando outra plataforma.

Embora a Apple apareça com inovações regularmente, raramente conseguem se manter como líderes dos mercados que criaram durante muito tempo, pois suas inovações são rapidamente copiadas (e aperfeiçoadas) por outros fabricantes, que passam a oferecer produtos concorrentes, geralmente a preços inferiores. Um dos casos mais recentes é o próprio iPod, que causou uma pequena revolução ao ser lançado, mas atualmente enfrenta forte concorrência.

O iPhone é uma jogada arriscada, por diversos motivos. O primeiro é que o produto ainda não existe. O que foi apresentado é apenas um protótipo, que ainda receberá mudanças e melhorias antes de chegar à versão final. Os preços divulgados também são uma estimativa; provavelmente a Apple está contando com vendas de um certo número de modelos e amortização dos preços de alguns componentes. Se algo der errado, os preços finais podem ser mais altos, o que colocaria em risco as vendas do aparelho.

Finalmente, existe uma disputa legal com relação à marca “iPhone”, que atualmente é propriedade da Cisco, que a utiliza numa linha de Smartphones, com suporte ao Skype e outros programas VoIP. É provável que a disputa da marca acabe amigavelmente, com a Apple pagando alguma quantia vultosa para a Cisco, mas neste caso tudo pode acontecer. Dependendo da postura adotada pela Cisco, a Apple pode ser forçada a usar outro nome, ou correr o risco de ter o lançamento embargado em alguns países.

index_html_m790d3ae3O iPhone da Cisco

Antes mesmo de ser lançado, o iPhone já tem concorrentes de peso. Um deles é o OpenMoko (http://www.openmoko.com/press/index.html), outro produto em fase de desenvolvimento, que foi apresentado pela FIC em novembro de 2006 e deve ser lançado em algum ponto do primeiro semestre, agora em 2007.

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Apesar da aparência ser similar, o OpenMoko é uma idéia completamente diferente do iPhone. Em primeiro lugar, as especificações são muito diferentes; o OpenMoko utiliza um processador muito mais simples e apenas 128 MB de memória flash (expansível usando cartões SD). Em segundo lugar, ele é um projeto quase que completamente aberto, desde o próprio hardware, até o sistema operacional, baseado no Kernel Linux e outras ferramentas abertas.

O objetivo da FIC é criar um aparelho barato, para o qual seja fácil desenvolver aplicativos. Basicamente, qualquer desenvolvedor pode criar ou portar um aplicativo já existente para o aparelho, sem necessidade de licenciamento. Com isso, a FIC espera criar um novo ecossistema em volta do aparelho, com empresas e desenvolvedores autônomos desenvolvendo softwares, acessórios e até mesmo versões modificadas do aparelho. E, todos sabemos que, no final, o que diferencia uma plataforma de sucesso das demais, são justamente os aplicativos.

A história tem mostrado que as plataformas abertas tendem a prevalecer. É justamente este o principal risco para o iPhone: ser esmagado por soluções mais abertas, baratas e flexíveis de outros fabricantes. Seria apenas mais um capítulo da novela “inventou mas não levou” estreada Apple.

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