Por que optar pelo ODF e não por outros formatos de arquivo?

Por que optar pelo ODF e não por outros formatos de arquivo?

Por Marcos Silva (http://open2tech.comopiniao.com/)

Muito tem-se falado nos últimos dias a respeito do ODF (Open Document Format), ou “formato de documento aberto”, e gostaria de comentar algo a respeito por aqui. Li alguns artigos bem interessantes a respeito (os quais recomendo) no Void Life (dentre eles, recomendo em especial o “Aberta a temporada de FUD contra o ODF“), no blog do César Taurion, da IBM, e também a entrevista concedida por este ao ZumoBlog. Realmente recomendo a leitura, pois trata-se de ótimos artigos, esclarecedores e que vão “direto ao ponto”.

Bom, não vou falar muito a respeito do abandono do ODF por parte da “Open Document Foundation” no restante deste artigo, pois acredito realmente que tal desistência não interfere em nada no futuro do ODF, uma vez que a mesma era simplesmente uma organização composta por pouquíssimas pessoas que, de alguns tempos para cá, passaram a apoiar cada vez menos o ODF e optaram finalmente por apoiar o CDF, formato de arquivos proposto pelo W3C, ou “World Wide Web Consortium“, entidade que promove, desenvolve e incentiva a criação e utilização de padrões web.

E por que digo que a Open Document Foundation não faz falta alguma ao ODF, e que o ODF tem vida longa (bem como enormes desafios pela frente)? Vejamos:

  • Existem duas grandes e totalmente operacionais organizações apoiando o formato, a OASIS e a ODF Alliance (esta última, inclusive, presente também no Brasil).
  • O ODF é totalmente suportado, implementado e apoiado por projetos e empresas tais como o OpenOffice, o BrOffice.org (comunidade brasileira responsável por adaptar, traduzir e distribuir o OpenOffice no Brasil, que mudou de nome apenas devido à marca OpenOffice, sabe-se lá por quais motivos, ter sido registrada anteriormente por uma outra empresa brasileira) e a IBM, com a sua recém-lançada suíte para escritórios Lotus Symphony.
  • Diversas empresas e governos já perceberam que é primordial optar por um formato aberto de arquivos e se ver livre de formatos proprietários, garantindo assim a “continuidade” (vou falar bastante disso neste artigo 🙂 ). Podemos citar as recentes adoções ou planos neste sentido por parte, por exemplo, de governos como o da África do Sul e da Malásia, e empresas como Red Hat, Novell, Sun e a própria IBM, dentre outras.
  • Podemos também citar casos de empresas e órgãos brasileiros, como por exemplo a ABNT e alguns setores do governos que começaram a pensar mais sériamente sobre o assunto.

Após tantos exemplos (e casos de sucesso, por que não?), é hora de tentarmos chegar ao “porquê” do ODF ser a melhor opção em termos de interoperabilidade compatibilidade, confiabilidade e diversos outros quesitos que fazem, muitas vezes, a disponibilidade da documentação independente da ferramenta utilizada para “abrí-la” ser um fator tão importante.

O problema dos formatos fechados/proprietários

O uso de formatos fechados, proprietários, implica em sermos escravos “para sempre” da empresa detentora dos direitos sobre tal formato e sobre a solução que gera/abre/edita tal formato de arquivo (entenda-se o “para sempre”, aqui, apenas “enquanto assim desejarmos”). Significa que sempre teremos de utilizar a ferramenta desenvolvida por tal empresa para termos a capacidade de manipular nossos documentos. No caso de documentos mais simples como *.docs, por exemplo, até se consegue abrí-los (algumas vezes com alguns problemas) através de outras ferramentas, mas existem casos em que isto não é possível. Alguém já conseguiu abrir um arquivo CDR (nativo do Corel Draw) em outra aplicação qualquer, e editá-lo como se estivesse no próprio Corel Draw?

Aí reside o problema: a escravidão a um padrão, bem como a uma empresa e seus ditames. Se determinada empresa fornecedora do software “X”, que gera arquivos no formato “Y” (ambos proprietários) resolver amanhã ou depois mudar radicalmente seus aplicativos e também alterar o padrão dos arquivos gerados, teremos um problema: ou compramos a nova solução, ou ficamos com uma solução desatualizada nas mãos. Ou aceitamos por “livre e expontânea pressão” efetuar a compra da nova versão, ou teremos de amargar a convivência com uma solução desatualizada (e algumas vezes com inúmeros bugs).

E, pior ainda: e se a tal empresa de uma hora para outra simplesmente “fechar as portas”, não abrindo o código de seus aplicativos para uma “hipotética” comunidade, e deixando todos os usuários simplesmente, na mão? Neste caso, literalmente, “a vaca foi pro brejo”, principalmente caso tenhamos perdido por qualquer razão que seja os aplicativos instalados e também os cds de instalação dos mesmos (nem vou comentar a respeito de possíveis bugs neste caso 🙁 ). E, além do mais, pode ser que esta aplicação torne-se totalmente incompatível com uma futura e necessária atualização no sistema operacional utilizado.

Este é o problema com formatos proprietários e/ou fechados: você está sempre “nas mãos de alguém”. Se você é um escritor, por exemplo, e a situação acima ocorrer, todo o seu trabalho intelectual foi perdido. Se você possui uma empresa e usa aplicativos proprietários para criar e editar seus documentos, e a mesma situação acima citada ocorrer, você está com um sério problema nas mãos.

O uso de formatos proprietários implica em sermos apenas sócios (em maior ou menor grau), e não “donos”, daquilo que produzimos. Implica em não termos o direito, muitas vezes, de escolhermos entre esta ou aquela maneira de fazer determinada tarefa. Implica em contarmos com o constante risco de mudanças e impedimentos, mudanças e impedimentos estes que, muitas vezes, se refletem em maiores custos e cada vez mais reduzidas (ou dificultadas) possibilidades de adaptação. E que empresa ou pessoa física hoje em dia optaria “conscientemente” por conviver com algo assim?

O desconhecimento e o comodismo

O grande problema é que a maioria dos usuários de computadores e tecnologia em geral é condicionada, deste seu primeiro contato com tecnologia, a utilizarem “somente” determinados produtos e soluções, na maior parte das vezes proprietários. Compra-se um computador naquele grande e famoso magazine e o mesmo já vem com sistema operacional pré-instalado, prontinho para uso. E adivinhem qual é o tal sistema operacional?

Aí o usuário sai da loja feliz e sorridente com seu novo produto e vai “à caça” de aplicativos, pois só com o sistema operacional ele não consegue fazer muita coisa. Muitos até podem chegar a pesquisar valores de uma suíte para escritórios proprietária, por exemplo (acredito que a grande maioria não o faz), mas quando verificam que a tal suíte custa quase o mesmo ou até mais do que o equipamento recém comprado, acabam sendo levados às tais “barraquinhas” de camelôs e compram os mesmos softwares proprietários, por valores agora irrisórios. Fácil, não? Totalmenteilegal, mas extremamente fácil, infelizmente.

O fato acima ocorre simplesmente porque o usuário não tem conhecimento de que pode facilmente obter um produto similar com “custo zero”. Um produto livre, de qualidade senão igual, pelo menos próxima do pago. O desconhecimento, como vemos, acaba gerando prejuízos a ambas as partes: o usuário, que acaba praticando pirataria, a empresa desenvolvedora da suíte de escritórios proprietária (sim, vivemos em um mundo capitalista, todos têm que ganhar dinheiro, só estou defendendo aqui a liberdade de escolha e a continuidade sob diversos aspectos) e a comunidade do software livre, que acaba perdendo um usuário e potencial divulgador de ótimas soluções (e quem sabe até, um possível colaborador).

Agora, será que existem culpados nesta situação? Se sim, quem são eles? O usuário, que poderia ter pesquisado melhor (mas será que mesmo pesquisando ele iria optar pela alternativa livre?)? A comunidade de software livre, que poderia ter pensado em melhores e mais efetivas maneiras de divulgar seu trabalho? Talvez sim, talvez não, mas uma coisa é certa: nem sempre o que é livre e/ou gratuito gera interesse.

Basta olharmos para aquele projeto do governo chamado “computador para todos“. Não conheço nenhum caso onde a distribuição linux contida no computador tenha sido mantida. Simplesmente, o pessoal acha mais fácil ir até o técnico(?) mais próximo, mandar formatar a máquina e instalar o tal sistema das janelas (mas com a licença de uso “alternativa”, é claro). Por que isto ocorre? Acredito que por simples porém efetivas razões: comodismo e costume. O usuário teve seu primeiro contato com computadores através de uma máquina que rodava windows. A primeira suíte para escritórios que usou foi o MS Office. Conheceu a internet através do Internet Explorer (embutido no próprio windows). E, resumindo, não quer mudar, não quer quebrar este ciclo, simplesmente por já estar acostumado.

O que pode ser feito para mudar tal quadro? Talvez as medidas anti-pirataria promovidas pelas grandes empresas da área sejam uma parte da resposta, pois na medida em que cada vez mais dificultam o uso de suas soluções de forma “alternativa”, acabam conscientizando (vamos sonhar 🙂 ) o usuário, e forçando-o a procurar alternativas livres e/ou gratuitas. A maior disponibilidade de acesso à informação também é um fator positivo, e a tão falada inclusão digital, talvez, também ajude. Talvez o fato de mais pessoas terem acesso à internet faça também com que mais pessoas, um dia ou outro, acabem “topando” com sites, comunidades e/ou listas de discussão a respeito de software livre, e aí, pode ser que uma pequena semente seja plantada, e esta um dia com certeza irá germinar, crescer e gerar mais frutos (ou sou muito otimista neste ponto?).

Enfim, toda mudança drástica como a que estamos discutindo aqui requer a quebra de paradigmas. Algo muitas vezes traumático, mas uma vez iniciado, pelo menos no tocante à tecnologia da informação, é como uma bola de neve, só tende a crescer.

A solução: conhecimento e uso de formatos e soluções abertas

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Os três conceitos acima apresentados, “conhecimento”, “formatos abertos” e “soluções abertas”, estão interligados, são interdependentes, e dependem um pouco também do fator “interesse”, ou “curiosidade”. Acredito que o mundo nos dias de hoje está estagnado em alguns aspectos. Não temos mais a curiosidade de nossos antepassados, pois quando nos lembramos de que passamos milhares de anos utilizando animais como meio principal de transporte e como “geradores de energia” para diversas aplicações no dia a dia, e depois em apenas alguns poucos séculos passamos da “força animal” como propulsora a “motores”, “circuitos” e similares, somos obrigados a crer que uma certa inércia toma conta (ou faz parte?) de todos nós em alguns momentos de nossa história/vida.

Atualmente, por exemplo, está tudo aí, à mão. A tecnologia ao mesmo tempo em que gera facilidade, também gera inércia em alguns (ou muitos), e isto faz da “procura” e do “desejo de mudança”, conceitos meio que esquecidos.

É mais fácil utilizar o que já está pronto do que criar. É mais fácil utilizar o controle remoto do que levantar-se da poltrona e ir até o televisor mudar o canal ou reduzir o volume. É mais fácil tirar o carro da garagem para ir até a padaria que fica ali na esquina do que ir andando e fazer um enorme bem a si próprio. É mais fácil “engolir” algo que vem pré-instalado em seu novo computador, e aceitar as limitações que isto irá lhe impor (alguém lembrou do Windows Starter Edition aí? pois é, conheço gente que usa “isso” há muitos meses), do que efetuar uma busca no google e facilmente encontrar uma solução diferente e que não irá lhe limitar em nada, muito pelo contrário. É mais fácil aceitar ou “engolir”, do que recusar e ir à busca.

Isto acaba gerando um enorme prejuízo, tanto intelectual quanto monetário, a todos: desenvolvedores (seja de software livre ou proprietário), usuários e empresas. O usuário, como “parte final” do processo, acaba perdendo ainda mais, pois corre riscos quando pratica pirataria ou quando instala algo de procedência duvidosa em seu computador e acaba ganhando de brinde alguns “malwares”, que podem tanto infectar apenas sua máquina quanto se propagarem e causarem danos a outros (basta vermos as recentes estatísticas a respeito dos botnets e as enormes redes de “computadores zumbis”).

Podemos mudar isto? Sim, claro. O tempo é um dos melhores remédios, e com o tempo (de novo?) todos iremos perceber as implicações a curto, médio e longo prazo de tudo aquilo que estamos praticando, seja para o bem ou para o mal. E isto vale não só para o lado tecnológico da coisa (viajando um pouco aqui 🙂 ).

O óbvio por trás de tudo

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Resumindo, o que gostaria de dizer é que os padrões abertos são melhores não só devido à filosofia por trás de tudo, não só pela boa vontade que permeia muitas das comunidades de software livre espalhadas pelo mundo, não só pela bondade, não só pela gratuidade, não só pela liberdade, mas também pela “continuidade”.

Eu jamais quero passar pela situação de não poder abrir um documento primordial, durante uma reunião de negócios, simplesmente por não ter em meu notebook o único software proprietário que abre tal documento, e que está licenciado “apenas” para os desktops de minha empresa.

Eu jamais quero passar pela situação terrífica de não poder mais abrir o mesmo documento primordial em minha própria empresa devido ao fato de ter formatado os computadores onde a solução necessária estava instalada, não possuir mais os cds de instalação (que relapso sou eu 🙂 ) e a empresa desenvolvedora já ter ido, literalmente, para o “beleléu“, sem sequer ter aberto o código de suas soluções e formatos.

Resumindo, e falando por mim: jamais vou ficar preso a algo. Se o OpenOffice desaparecer (o que duvido), temos aí o Lotus Symphony, que abre, edita e salva arquivos no padrão ODF. Se também este desaparecer (o que também duvido), existe também o KOffice, que trabalha da mesma maneira no tocante ao formato dos arquivos. Se este também desaparecer (duvido novamente), sei que devem existir outras soluções similares, e sei também que existem maneiras de se abrir documentos ODF “manualmente”, e obter-se acesso a todo o conteúdo do mesmo. Um processo meio complicado no início, mas é melhor do que perder anos e anos de trabalho duro. Ou seja, continuidade é primordial, e não pode ser obtida para sempre quando o padrão é fechado.

Por isso, pense bem quando for criar e salvar seu próximo documento. 🙂 Procure manter seu trabalho livre de quaisquer grilhões, e jamais hesite em mudar, para melhor. Resolvi não comentar a respeito do OpenXML da Microsoft neste artigo por diversas razões, dentre elas o fato de que nem a “Microsoft se entendeu com ele ainda”, muitos países já disseram “não” ao formato, o formato não é totalmente aberto apesar do “Open” contido no nome (ou seja, seria uma “liberdade assistida?” 🙂 ), e sua implementação e utilização é complicadíssima (vale ressaltar que gente do mais alto gabarito encontrou dificuldades em entender as milhares de páginas que compõem a documentação do formato).

Prefiro comentar, elogiar e incentivar o uso de soluções que utilizam o ODF como formato de arquivos padrão, bem como o próprio padrão em si, este sim realmente livre e funcional. O ODF (e quaisquer outros padrões abertos) veio para ficar, e o tempo irá comprovar tal fato. A continuidade é uma necessidade, e tal necessidade só pode ser garantida quando se fala em formato de arquivos, se o formato for aberto.

Posso estar sendo repetitivo neste ponto, mas sugiro mais uma vez: converta seus arquivos para ODF. O próprio OpenOffice faz isso, de forma simples e rápida (doc para odt, por exemplo). Não tenha “sócios” no tocante à armazenagem de seus dados. Tenha total certeza de que irá conseguir abrir um documento criado hoje daqui a 5 ou 10 anos, independentemente da ferramenta que irá utilizar naquele momento. Muitos governos e grandes empresas já pensam desta forma, então, por que não aplicarmos esta maneira de pensar também às nossas vidas?

Pense “livremente“. “Abra” sua mente. Daqui a 10 anos poderemos estar lamentando ou comemorando as decisões tomadas hoje. Pense nisso. 🙂

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