Vida e morte do AGP

Quando o barramento PCI foi introduzido em 1992, os 133 MB/s oferecidos por ele pareciam mais do que suficientes, já que as placas de vídeo eram ainda puramente 2D e as controladoras IDE ainda operavam em modo PIO Mode 4, transferindo a morosos 16.6 MB/s.

Isso mudou com o surgimento das placas 3D, que passaram a evoluir rapidamente, sobrecarregando o cansado PCI. A solução veio com o AGP, um barramento rápido, feito sob medida para o uso das placas de vídeo. A versão original do AGP foi finalizada em 1996, desenvolvida com base nas especificações do PCI 2.1. Ela operava a 66 MHz, permitindo uma taxa de transferência teórica de 266 MB/s.

O primeiro chipset a oferecer suporte ao AGP foi o Intel i440LX, lançado no final de 1997, e a adoção ocorreu de forma gradual durante 1998 e 1999. O padrão AGP inicial não chegou a ser muito usado, pois em 1998 surgiu o padrão AGP 2x, que manteve a frequência de 66 MHz, mas introduziu o uso de duas transferências por ciclo (assim como nas memórias DDR), dobrando a taxa de transferência. Em seguida foram introduzidos o AGP 4x e o 8x, que realizam, respectivamente, 4 e 8 transferências por ciclo, atingindo taxas de transferência teóricas de 1066 e 2133 MB/s.

O desempenho de uma placa 3D é fortemente atrelado à velocidade de acesso à memória. Mais de 95% das informações que compõem uma cena 3D de um jogo atual são texturas e efeitos, que são aplicados sobre os polígonos. As texturas são imagens 2D, de resoluções variadas que são “moldadas” sobre objetos, paredes e outros objetos 3D, de forma a criar um aspecto mais parecido com uma cena real.

A velocidade do barramento AGP é importante quando o processador precisa transferir grandes volumes de texturas e outros tipos de dados para a memória da placa de vídeo; quando a memória da placa se esgota e ela precisa utilizar parte da memória principal como complemento; e, também, no caso de chipsets de vídeo onboard, que não possuem memória dedicada e, justamente por isso, precisam fazer todo o trabalho usando um trecho reservado da memória RAM principal.

Naturalmente, tudo isso também podia ser feito através do barramento PCI. O problema é que a baixa velocidade fazia com que a queda no desempenho fosse cada vez maior, conforme crescia o desempenho da placa de vídeo. O PCI podia ser suficiente para uma Voodoo 2 ou uma Riva 128, mas não para uma placa mais moderna.

Durante muito tempo, fabricantes como a nVidia e a ATI continuaram oferecendo suas placas nas duas versões, mas logo a diferença de desempenho entre as versões PCI e AGP passou a ser tamanha que, por mais que ainda existisse uma certa demanda, as placas PCI foram sumariamente descontinuadas.

Além da questão da taxa de transferência, outra vantagem do AGP era o fato de o barramento ser reservado unicamente à placa de vídeo, enquanto os 133 MB/s do barramento PCI são compartilhados entre todos os periféricos ligados ao barramento, com a placa 3D competindo por banda com os HDs e outros periféricos.

Assim como temos hoje em dia, a maior parte das placas da época vinha com chipsets de vídeo onboard, oferecendo, ao mesmo tempo, um slot AGP para a instalação de uma placa dedicada. Como o AGP é um barramento dedicado (um único periférico de cada vez), o slot AGP e o chipset onboard compartilhavam o barramento e só um podia ser usado de cada vez. Ao instalar uma placa 3D dedicada, o chipset onboard era automaticamente desativado.

Hoje em dia isso já não é mais uma regra, já que as placas atuais utilizam o PCI Express, que oferece conexões independentes para cada componente, permitindo que, em muitas situações, você possa usar o chipset onboard e uma placa dedicada simultaneamente (permitindo o uso de diversos monitores ou mesmo a combinação do processamento das duas, como no Hybrid SLI).

Continuando, a frequência do barramento AGP é atrelada à frequência de operação da placa-mãe (assim como no PCI), de forma que, ao fazer overclock aumentando a frequência do FSB, a frequência do barramento AGP sobe na mesma proporção, o que pode causar problemas de estabilidade a partir de certo ponto.

Por outro lado, aumentar a frequência do AGP não tem uma relação direta com o desempenho da placa de vídeo, pois as placas atuais utilizam um circuito de clock próprio e por isso não são influenciadas por mudanças na frequência do barramento. Aumentando a frequência do AGP, é melhorado apenas o fluxo de dados entre a placa de vídeo, memória e processador, o que tem pouco efeito sobre o desempenho.

O AGP teve uma história um pouco tumultuada, com novas versões sendo finalizadas às pressas para atender às demandas das placas 3D e um bom volume de problemas de compatibilidade entre placas de diferentes gerações.

Além da questão da velocidade, tivemos também a questão da tensão utilizada. O padrão AGP 1.0 previa placas AGP 1x e 2x, que utilizavam tensão de 3.3V. O padrão AGP 2.0, finalizado em 1998, introduziu o AGP 4x e a tensão de 1.5V, quebrando a compatibilidade com o padrão antigo.

Placas de vídeo que utilizam sinalização de 3.3V (como a nVidia TNT2, à esquerda na foto a seguir) possuem o chanfro do encaixe posicionado no lado esquerdo, enquanto nas placas que utilizam 1.5V, ele é posicionado à direita.

A maioria das placas AGP fabricadas de 2003 em diante são “universais” e podem ser utilizadas tanto nas placas-mãe antigas, com slots de 3.3V, quanto nas placas com slots de 1.5V. Elas possuem os dois chanfros (como a Radeon à direita na foto), o que permite que sejam encaixadas em qualquer slot:

Placa AGP de 3.3V e placa AGP universal

Placa AGP de 3.3V e placa AGP universal

A mesma distinção existe no caso das placas-mãe. Placas antigas, que utilizam slots de 3.3V possuem o chanfro à esquerda, enquanto as placas com slots de 1.5V utilizam o chanfro posicionado à direita, como nestes dois exemplos:

Placa com slot AGP de 3.3V e placa com slot de 1.5V

Placa com slot AGP de 3.3V e placa com slot de 1.5V

Foram produzidas também placas com slots AGP universais, em que o slot não possui chanfro algum e permite a instalação de qualquer placa. Nesse caso, a placa-mãe era capaz de detectar automaticamente a tensão utilizada pela placa. Apesar da flexibilidade, elas foram mais raras, pois a necessidade de instalar tanto os circuitos reguladores para 1.5V quanto para 3.3V, encarecia a produção:

Slot AGP universal

Slot AGP universal

Existiu ainda o padrão AGP 3.0, utilizado pelas placas AGP 8x (e parte das 4x), que previa o uso de sinalização de 0.8V. Nesse caso, entretanto, a transição foi feita de forma transparente, sem que fosse quebrada a compatibilidade com as placas antigas. Ao ser instalada em uma placa-mãe com slot AGP 2.0 (2x ou 4x, 1.5V) a placa (de vídeo) AGP 3.0 funciona normalmente, utilizando sinalização de 1.5V e o modo de transferência mais rápido, entre os suportados pela placa-mãe.

Caso a placa de vídeo utilize um conector AGP universal, com os dois chanfros, significa que ela pode (pelo menos em teoria), ser instalada mesmo em uma placa-mãe antiga, com um slot de 3.3V. Digo “em teoria”, pois existiram muitos casos de incompatibilidades entre placas de vídeo AGP de fabricação mais recente e placas-mãe antigas (e vice-versa), mesmo em casos onde os encaixes são compatíveis.

Além dos problemas relacionados a deficiências nos drivers e incompatibilidade por parte do BIOS, tivemos também problemas relacionados à alimentação elétrica, onde a placa de vídeo não indica corretamente qual é a tensão utilizada (fazendo com que a placa-mãe utilize 1.5V para uma placa que trabalhe com 3.3V, por exemplo) ou que a placa-mãe não seja capaz de alimentar a placa de vídeo com energia suficiente. Esse último caso é o mais comum, já que as placas AGP mais recentes consomem muito mais energia que as antigas.

O padrão AGP 3.0 inclui como pré-requisito que a placa-mãe seja capaz de fornecer 41 watts de energia para a placa de vídeo. O padrão AGP 2.0 fala em 25 watts, enquanto muitas placas antigas fornecem ainda menos. Com a corrida armamentista entre a nVidia e a ATI, esses limites logo se tornaram um problema, já que com os aumentos no clock, o consumo elétrico das placas de vídeos cresceu de forma exponencial, resultando em placas AGP que consumiam 50, 70 ou até mesmo 100 watts, como no caso desta ATI Radeon X850 Pro AGP:

ATI Radeon X850 Pro AGP

ATI Radeon X850 Pro AGP

Pensando nessas placas mais gastadoras, foi criado o padrão AGP Pro, que consistia no uso de 48 contatos adicionais, utilizados para reforçar o fornecimento elétrico do slot. O padrão AGP Pro50 previa o fornecimento de 50 watts, enquanto o AGP Pro110 elevava a marca para 110 watts:

Slot AGP Pro

Slot AGP Pro

Graças aos pinos adicionais os slots AGP Pro eram bem maiores que um slot AGP tradicional. As placas de vídeo AGP Pro também eram incompatíveis com os slots AGP tradicionais (justamente devido à diferença no fornecimento elétrico) e o uso de slots AGP Pro encarecia o custo das placas-mãe, já que os fabricantes precisavam adicionar trilhas e reguladores de tensão adicionais.

Devido à combinação desses fatores, o padrão AGP Pro nunca chegou a se popularizar. Os fabricantes de placas de vídeo hesitavam em adotar o novo padrão enquanto não houvesse um volume significativo de placas-mãe compatíveis no mercado, enquanto os fabricantes de placas-mãe resolveram esperar até que existisse um volume significativo de placas de vídeo AGP Pro. Ou seja, o tradicional problema do ovo e da galinha.

Com o impasse, os fabricantes de placas de vídeo decidiram adotar uma solução mais simples, onde os reguladores de tensão necessários são incluídos na placa de vídeo e ela passa a obter a energia adicional diretamente da fonte de alimentação, através de um conector berg (floppy) ou molex, recebendo energia direto da fonte:

Conector berg em uma placa de vídeo

Conector berg em uma placa de vídeo

Essa solução se tornou ainda mais comum com o advento do padrão PCI Express, que trouxe conectores de energia próprios para a placa de vídeo, com 6 e 8 pinos, usados de acordo com o consumo da placa. A capacidade de fornecimento do slot (no PCI Express) também foi ampliada, o que faz com que um número menor de placas de vídeo precisem do conector de energia externo. Um slot PCI Express x16 pode fornecer até 70 watts, quase 75% mais que um slot AGP 8x.

Como é caro incluir simultaneamente o barramento PCI Express e o AGP na mesma placa-mãe, os slots AGP desapareceram das placas novas assim que o PCI Express se tornou popular. A principal exceção ficou por parte de algumas placas da ECS/PC-Chips, que adotaram uma solução “criativa” para incluir um conector AGP em placas com slot PCI-Express, criando o AGP Express (ou AGPro), que aparece na foto da estranha placa que combina o slot AGP com um PCI Express que usei há pouco.

O slot AGP Express nada mais é do que um slot AGP conectado ao barramento PCI, que combina a alimentação elétrica de dois slots PCI (e os reguladores de tensão apropriados) para fornecer a quantidade necessária de eletricidade à placa AGP. Como o AGP e o PCI utilizam o mesmo sistema de sinalização, a gambiarra realmente funcionava (na maioria dos casos), embora com uma redução muito grande no desempenho, já que a placa de vídeo passa a dispor dos mirrados 133 MB/s (compartilhados) oferecidos pelo barramento PCI, em vez dos 2133 MB/s do AGP 8x.

Outra solução híbrida foi o AGI, que foi usado em algumas placas da ASRock, como a 939Dual-SATA2. No AGI era utilizado um bridge, ou seja, um chip conversor de sinais para ligar um slot AGP ao barramento PCI-Express. Essa solução também estava longe de ser 100% compatível, mas garantia um desempenho mais próximo do obtido ao usar um slot AGP 8x “de verdade”.

Concluindo, existiu também o Ultra-AGPII, uma solução desenvolvida pela SiS para uso de chipsets de vídeo onboard. O AGI consistia em um barramento interno de 3.2 GB/s, interligando o chipset de vídeo e a memória principal.

O desempenho dos chipsets de vídeo onboard é pesadamente limitado pela velocidade de acesso à memória, de forma que ampliá-lo resulta sempre em algum ganho de desempenho. No caso da SiS, entretanto, o próprio chipset gráfico onboard era muito fraco, de modo que a melhora no barramento não chegou a fazer uma diferença tão grande assim. O Ultra-AGPII foi usado apenas em algumas placas com chipset SiS e era exclusivo para o uso do vídeo onboard. Ao utilizar uma placa AGP offboard, a comunicação passava a ser feita através do barramento AGP 8x tradicional.

Todas estas soluções híbridas surgiram entre 2005 e 2006 para suprir a demanda por placas-mãe com slots AGP por parte de usuários que atualizavam PCs antigos (e queriam aproveitar a placa de vídeo) e integradores que ainda tinham placas em estoque. Entretanto, elas desapareceram rapidamente, conforme a migração em direção ao PCI Express foi avançando.

No final, o AGP acabou destinado a se tornar um barramento esquecido, como o VLB e o MCA, encontrado apenas em PCs antigos. Apesar disso, o saldo foi positivo, já que ele atendeu à demanda por um barramento rápido para placas 3D por quase uma década.

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