Ser ou não ser professor de computação?

Ser ou não ser professor de computação?

Quando nos referimos a professor sempre temos em mente a figura de uma pessoa que conhece muito daquilo que ensina. Quando se tratam de áreas específicas como matérias relacionadas à engenharia ou a química, medicina e por ai a fora o professor é sempre alguém com vasta experiência na área e muitos anos de trabalho para compartilhar com seus alunos. No ensino superior existem normas para a contratação de professores, o que exige que estes tenham o mínimo de formação para lecionarem.

Mas quando o assunto é ensino profissionalizante em computação, a coisa se inverte. Boa parte dos profissionais de computação, e eu me incluo nisso, antes mesmo de adquirirem experiência na área e atuar no mercado como profissional de computação em qualquer uma das suas vertentes, a primeira experiência foi como professor, ou como instrutor como é chamado nas escolas de informática. Jovens saindo da adolescência são muito comuns ensinado informática em escolas de ensino profissionalizante. Os cursos que ensinam o básico da computação como o uso do Windows e o pacote Office e até mesmo o básico em hardware, redes e web design são lecionados por jovens que já aprenderam mais que o básico por utilizar estas ferramentas desde cedo em suas vidas.

É comum nos currículos de candidatos a estagiários em empresas ver nas experiências anteriores a função de instrutor de informática, mas tentam uma vaga de estágio porque nas empresas em geral as vagas efetivas são oferecidas a quem tem experiência trabalhando como profissional de computação e a experiência como instrutor muitas vezes não é considerada visto acreditarem que ensinar a utilizar uma ferramenta não seria o mesmo que utilizar no dia a dia e saber lidar com todas as possibilidades de uso que ela traz.

Vamos considerar alguns pontos que devem ser observados ao enxergarmos com uma ótica mais crítica o trabalho de professor, se os jovens entram no mercado de trabalho já ensinando isso parece ser mais fácil, vejamos algumas considerações sobre o assunto.

 

O que é ser professor?

O professor figura como uma das principais profissões (se não a principal) dentre todas as criadas pelos seres humanos. Desde o início da humanidade pessoas foram designadas para ensinarem a outras pessoas. No entanto ensinar não é somente você falar a outros o que você sabe, como dito você já sabe para você o conteúdo a ser trabalhado já é conhecido, mas para os alunos ainda não, é necessário ter uma metodologia para “passar” esse conhecimento aos alunos. Segundo Paulo Freire “Saber ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” e tendo isso como base ensinar não deve ser visto somente como uma transferência de conteúdo entre o professor e o aluno, e sim o professor lançar a base para que os alunos criem seu próprio conhecimento. Todos na época da escola utilizam o conceito de decorar, decora, responde na prova e esquece, não é assim? No entanto este tipo de ensino deve ser evitado, os alunos precisam ser instigados a pensar e a descobrir os “porquês” e os “como” do que é estudado, caso contrário depois da prova o que foi decorado é esquecido e não se terá um aproveitamento daquilo.

O professor precisa ser adaptável, precisa trabalhar de acordo aos alunos a quem ensina. Por exemplo, a metodologia utilizada no ensino superior não deve ser utilizada para o ensino de jovens em cursos profissionalizantes, o foco é outro, a idade é outra e as exigências acadêmicas são outras, se o professor padronizar sua metodologia não terá resultados satisfatórios com muitos de seus alunos. Além do mais, pode se dizer que em cada turma em que um professor trabalha a maneira de apresentar o conteúdo precisa ser diferente, pois cada turma, por uma série de variáveis, possui um nível de desenvolvimento diferente e o professor precisa acompanhar isso. Segundo Piaget “O principal objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que outras gerações fizeram.” E tendo isso como base um professor precisa criar em seus alunos a capacidade de andarem com as próprias pernas e construírem seu caminho.

Este pequeno resumo mostra que ser professor não é somente uma via de mão única onde o professor fala e o aluno escuta, e sim uma mão dupla que exige dedicação e conhecimento da arte do ensino para que o conteúdo a ser transmitido possa ser absorvido por quem ouve e a partir disso o aluno desenvolver suas próprias observâncias do que lhe foi ensinado.

 

O aprendizado da computação

A computação é uma ciência que se baseia em fortes conceitos matemáticos, visto o próprio termo computar significar calcular, a matemática é à base da computação, antes mesmo do advento da eletrônica a computação já existia, computadores mecânicos já eram utilizados para a realização de cálculos, como nas antigas máquinas registradoras. Por conta disso quando se adentra nas bases da computação não tem como fugir de aprender alguns conceitos matemáticos. As linguagens de programação exploram isso de forma mais acentuada, visto que os conhecimentos de lógica, matemática e desenvolvimento de algoritmos são exigidos aos programadores, apesar de hoje as linguagens de alto nível serem cada vez mas simples de entender e desenvolver aplicações sem esses conceitos as coisas não fluem bem.

Na parte de hardware funciona da mesma maneira, hoje é simples montar um computador e fazer manutenção, saber os conceitos de física e matemática por trás do equipamento é importante, mas não essencial. Agora quando você sai do nível 0 e se aprofunda mais no tema, esses conhecimentos se tornam necessários, na mecatrônica por exemplo sem conhecer e dominar a física e a matemática fica difícil se tornar um profissional da área. Ou mesmo para aprender realizar reparos físicos em equipamentos computacionais deve se conhecer de forma razoável os conceitos da física aplicada à eletrônica.

Redes idem, para montar e dar suporte em redes pequenas no que tange ao básico, não é muito necessário aprender cálculos complexos e formulas difíceis, mas quando se passa a um nível mais alto como a mescla de várias redes e o gerenciamento de grandes redes heterogêneas corporativas ou acadêmicas, não há como fugir da matemática, tudo é calculado, desde o projeto até os resultados finais, assim como o desempenho e as possibilidades de ampliação.

A exceção fica com os aplicativos, aprender a utilizar um software foge um pouco dessa regra, obviamente por conta do software, um programa como o AutoCAD exigirá conhecimento da matemática aplicada ao que será desenvolvido, assim como Excel, ou Photoshop. Mas no geral aprender um aplicativo especificamente não exige se adentrar em conceitos complexos e sim o que o aplicativo proporciona a ser realizado.

O que isso tem a ver com o ensino de computação? Muito, quando um profissional se propõem a ensinar computação se espera que ele conheça pelo menos um degrau a mais do que ensina, ou seja se ensina o básico de redes que conheça no mínimo até um nível intermediário e assim com as demais áreas da computação. Se o instrutor for daqueles que lê o que vai ensinar 20 minutos antes da aula e recita para os alunos somente aquele conteúdo pré-programado, realmente será difícil considerar essa aula como uma boa aula, e se o aluno faz uma pergunta que foge um pouco do programado? Por exemplo, numa aula de redes, um aluno questiona o porquê de não se passar cabos de rede na mesma canaleta de fios de energia, mas a aula era básica em redes, não abordaria este assunto e o professor não domina o tema e só leu o que ia ensinar naquela aula, fica difícil não é? Será que responderia por que não?

 

Saber mais do que ensina

A questão de saber mais do que será necessário ensinar torna as aulas mais dinâmicas, simplesmente pelo fato de que o professor ou instrutor terá mais vocabulário e poderá adentrar áreas que explicarão os porquês daquilo que ensina. Numa aula de programação explicar mais do que somente as seqüências de códigos, em sistemas operacionais explicar o funcionamento dos sistemas como um todo e não se limitar a ensinar o uso do seus recursos, em hardware mais do que encaixar peças e instalar o sistema operacional os porquês envolvidos nos diversos componentes e com se integram para formar um equipamento.

Apesar de não ser estritamente necessário, visto que o realmente necessário é ensinar o que está estipulado no plano de aula, mas estes conteúdos a mais vindos por meio de experiência na área ou por estudo individual transforma a visão que os alunos têm do professor, mostra que você sabe mesmo o que ensina te proporciona respeito por parte dos alunos, e a troca de conhecimentos entre professor e aluno se dá de forma mais harmônica.

 

Didática

A palavra didática significa a arte ou a técnica de ensinar. Em que isso se relaciona com o ensino da computação? Assim como ensinar qualquer outra ciência se o instrutor ou professor de computação não tiver didática, seu ensino será deficitário. Ter didática não é só saber o que ensinar, mas como ensinar, por exemplo, ensinar crianças é diferente de ensinar jovens que estão entrando no mercado de trabalho. Ensinar uma matéria num curso de nível superior em uma universidade é diferente de ensinar um curso em uma escola de ensino profissionalizante.

Entender essas diferenças de formas de ensinar é importante para que o professor tenha êxito no desenvolvimento de seus alunos.

A tentativa de padronizar o ensino, muitas vezes tem resultados insatisfatórios e alunos mal preparados. Sendo assim ensinar algo não é somente ler slides e fazer perguntas sobre o que foi passado, exige muito mais por parte do professor que por meio do feedback de quem é ensinado pode direcionar seu ensino e melhorar o quanto é absorvido pelos seus alunos.

 

Professor Power Point

Muitas pessoas nos dias atuais acreditam que ser professor é meramente parar a frente da sala e com o uso de um datashow e utilizando um software de slides e com algum conteúdo retirado da internet no clássico processo de ctrl+c e ctrl+v ler uma tonelada de informações para os alunos, e ao final um questionário com perguntas sobre a matéria. Tenho até a experiência de numa sala de um curso de pós-graduação (acreditem) devido a um problema com o datashow a professora dispensou a sala de aula, pois segundo ela o conteúdo da aula estava em slides e sem o datashow não poderia passar para a turma.

O problema não é a ferramenta e sim como ela é utilizada, assim como o youtube vem sendo utilizado de forma massiva por professores que acreditam que passar um vídeo é o mesmo que ensinar. Mais uma vez o problema não é a ferramenta e sim quem a utiliza, bem utilizadas essas ferramentas são de grande utilidade no auxilio ao ensino, mas elas sozinhas não podem realizar todo o processo. Segundo João Luís de Almeida Machado doutor em educação pela PUC-SP:

“O PowerPoint dessa forma está se tornando protagonista principal das aulas desses docentes e, ao mesmo tempo, é o direcionador do raciocínio, das palavras e da articulação da aula… Nenhum problema maior existiria se esse uso fosse realizado concomitantemente a livros, revistas, jornais, trabalhos em grupo, seminários, filmes, músicas, pesquisas de campo,…”

 

Finalizando

Diferentemente de outras profissões em que o profissional da área somente depois de vários anos atuando no seguimento é que se aventura a ensinar sobre aquilo a outros e com isso tem possibilidade de contar com sua bagagem de experiências, na área da computação isso muitas vezes ocorre ao contrário.

Muitos ligados à computação têm como primeiro emprego já o ensino, pelo fato de terem iniciado o aprendizado ainda muito jovens na infância ou inicio da adolescência. Isso faz com que essa experiência como professor ou instrutor não seja muito valorizada ou vista como um diferencial pelas empresas. Já que apesar de possuir um bom conhecimento teórico da área em que ensinou, a prática e a vivência no mercado de trabalho são diferentes das experiências em sala de aula. Já o contrário já é muito bem visto, já que um professor com anos de experiência no mercado poderá proporcionar aos alunos um vislumbre de como será sua vida profissional e terá muito conteúdo complementar.

Obviamente que em todas as regras existem exceções, mas no geral é desta maneira que funciona a mescla entre atuar como profissional da computação e como professor de computação. Posso até citar meu caso, após mais de 10 anos como professor, para entrar no mercado de trabalho como profissional tive que começar como estagiário, e aos poucos evoluindo na profissão.

Para aqueles que quiserem desempenhar melhor o papel de professor devem se aprofundar em conhecimento não só daquilo que ensina mas também melhorar as técnicas de ensino, utilizando o feedback dos alunos como referência pra isso. Se estiver iniciando no mercado de trabalho como instrutor ou professor de informática, tente aprimorar ao máximo sua metodologia, aprendendo com outros professores mais experientes e sempre tendo algo a mais para ensinar aos alunos, não ficando restrito as apresentações de slides ou textos pré-definidos, tente ser não somente “um professor” mas “o professor” e com certeza esta experiência não será apenas um item a mais no seu currículo mas sim um diferencial em sua carreira.

Referencias:

http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=868

http://educador.brasilescola.com/trabalho-docente/professor.htm

http://www.infoescola.com/pedagogia/didatica/

 

Onildo Henrique B. Filho onildo.henrique@gmail.com

 

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