Deu na Revista Amanhã
Fim da exigência de curso superior específico para o exercício do jornalismo está longe de significar que o mercado deixará de atribuir valor à formação universitária
Por Flávio Ilha / Redação de AMANHÃ
A dispensa de graduação universitária para o exercício da profissão de jornalista, determinada em junho pelo STF (Supremo Tribunal Federal), coloca na ordem do dia um ponto essencial para o mercado de trabalho: afinal, conquistar um diploma vai continuar sendo um bom negócio?
Ao que tudo indica, sim. No caso do jornalismo, o fim da exigência do diploma não acabou com a regulamentação da profissão. Para ser jornalista ainda é necessário ter um registro profissional condicionado a determinados requisitos. “É verdade que a oferta de mão-de-obra tende a aumentar. Mas a valorização que o mercado dá ao diploma vai se manter”, acredita Ricardo Schneiders, diretor da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS. O raciocínio é simples: se mais pessoas se candidatarem a uma determinada ocupação, o mercado irá selecionar aqueles mais capacitados. E, entre as qualidades de um candidato, uma formação universitária obviamente faz muita diferença - ainda mais para uma ocupação que exige conhecimento, leitura e observação.
O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, já avisou que outras atividades profissionais estão na mira da desregulamentação. Para ele, muitas leis que normatizam ocupações não se enquadram nos paradigmas constitucionais da liberdade de exercício profissional, como apregoa o artigo 5º. Mendes reclama do excessivo corporativismo na hora de regular uma atividade. Para o ministro, o diploma será considerado inconstitucional sempre que não houver a necessidade de conhecimento científico - condição restrita a algumas ocupações, como as vinculadas às áreas médicas, às engenharias e ao direito.
Mas considerar inconstitucional a exigência de um diploma não significa desvalorizar a graduação. “O mercado seleciona naturalmente os melhores profissionais, sejam eles diplomados ou não”, avalia o professor Roberto Bigonha, diretor de regulamentação da profissão de TI da Sociedade Brasileira de Computação (SBC). Os profissionais ligados à informática não têm regulamentação, o que não impede a existência de inúmeros cursos na área - de tecnólogo em processamento de dados a engenheiro da computação. A SBC luta desde os anos 1970 pela regulamentação profissional, mas não pela exigência de diploma. Nada menos do que 11 projetos de lei sobre a regulamentação profissional no setor tramitam na comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados.
“Defendemos uma regulamentação que possibilite o livre exercício da informática, que deve ser tratada como um idioma nacional usado por toda a população. Da mesma forma que todos devem ter liberdade para ler ou falar, o desenvolvimento da tecnologia da informação não pode ficar restrito a uma classe”, defende Bigonha. Ele vai além: “Quem possui formação superior não tem seu emprego ameaçado, pelo menos na teoria, por autodidatas e outros profissionais não diplomados”, sustenta o professor.
O mercado, segundo ele, escolhe os profissionais de acordo com as necessidades de cada atividade. E dá um exemplo trivial: para construir um muro não é necessário um engenheiro. Mas para fazer uma casa, sim. O vice-diretor do Instituto de Informática da UFRGS, Luis Lamb, lembra que uma legislação vinculada demais à formação acadêmica poderia representar uma camisa-de-força para o setor de tecnologia. “A legislação nem sempre acompanha o desenvolvimento científico”, alerta.
Outra categoria profissional que não coloca o diploma no centro da questão é a dos oceanógrafos. Em julho do ano passado, a profissão foi regulamentada sem que seu exercício se tornasse exclusividade dos diplomados nos dez cursos de Oceanografia do país. A lei em vigor permite que profissionais de outras áreas, como geólogos, biólogos ou engenheiros ambientais, exerçam a profissão. Mas a falta de regulamentação não impediu o desenvolvimento de uma rede de escolas, iniciada em 1970 com o curso de Oceanologia da FURG (Fundação Universidade de Rio Grande). As faculdades brasileiras já formaram cerca de 1,8 mil profissionais.
Para quem trabalha, portanto, mais importante que a reserva de mercado criada pela exigência de um diploma é saber se determinada profissão tem ou não regulamentação legal. No rol das atividades protegidas por lei no Brasil, que pode entre outras coisas garantir piso salarial e condições de trabalho, há apenas 56 ocupações. Dessas, pouco mais da metade são profissões de nível superior - medicina, jornalismo, direito e engenharia entre elas.
Entre as profissões regulamentadas também está a de músico. Quase uma centena de graduações são oferecidas na área pelo país, incluindo aí os 42 cursos de licenciatura em Música (que forma professores para a rede de ensino), mas dificilmente um bacharel com formação em regência - que exige cinco anos de formação rigorosa - estará animando os frequentadores do bar da esquina. Saber exatamente o que se quer fazer com um curso superior é um requisito importante para descobrir se vale ou não a pena cursar uma faculdade.
“As instituições de ensino superior brasileiras parecem estar sem rumo”, analisa Paulo Barone, presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação do MEC. Para ele, diante da complexidade profissional da era global é necessário ser inovador também na universidade para agregar conhecimento à formação acadêmica. “A atividade universitária é a mais nobre da sociedade contemporânea”, acredita ele. Mas ressalva: “Para isso se tornar verdadeiro, são necessárias novas arquiteturas curriculares e novos modelos de formação”. Barone defende uma reforma pedagógica que garanta inovação no ensino universitário. Ele sugere trocar o conceito de “pronto”, utilizado hoje em larga escala para classificar o papel da formação acadêmica, pelo de “preparado”. Para ele, é preciso retardar a entrada de novos estudantes no ensino superior para que eles possam fazer escolhas seguras. “A formação contemporânea deve ter caráter cultural, e não apenas instrumental”, sustenta.
A SITUAÇÃO DE ALGUMAS PROFISSÕES
Publicidade - Não é profissão regulamentada, mas tem código de ética observado pelo Conar. Cursos de publicidade estão entre os mais procurados nos vestibulares
Música - Profissão regulamentada, com ordenamento feito através da Ordem dos Músicos do Brasil. Concursos para orquestras públicas geralmente exigem formação acadêmica, comprovada por diplomas e certificados
Medicina - Profissão regulamentada, gerenciada pelo Conselho Federal de Medicina. Tem código de ética e código de processo ético-profissional. Exige diploma.
Design - Não é profissão regulamentada. Reúne profissionais de várias especialidades, como arquitetura, comunicação, artes plásticas, marketing.
Informática - Não é profissão regulamentada. Mesmo assim, os cursos da área estão entre os melhores e mais procurados das universidades brasileiras.
Quemel
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O diploma ainda conta
#1 Por Quemel
20/08/2009 - 14:20