Tellico: solução prática para catalogar bibliotecas

Tellico: solução prática para catalogar bibliotecas

An easy library catalog with Tellico
Autor original: Terry Hancock
Publicado originalmente no:
freesoftwaremagazine.com
Tradução: Roberto Bechtlufft

Sempre tive a impressão de que implementar um catálogo eletrônico à base de cartões para os meus livros daria um bocado de trabalho, por isso nunca cheguei a tentar; mas recentemente eu tropecei em um programa para o KDE chamado Tellico, e ele tornou a tarefa de catalogar livros tão fácil e divertida que cataloguei toda a minha coleção em menos de uma semana. E finalmente eu encontrei um uso para o leitor de código de barras “CueCat” que está juntando poeira há anos por aqui!

Ao longo dos anos, eu fiz uma boa coleção de livros. Quando se tem por volta de mil deles, fica difícil achar o que você quer, mesmo que você esteja intimamente familiarizado com seus livros. Muito, muito tempo atrás, quando eu era bem mais jovem e tinha muito tempo livre (e menos livros), fiz um sistema de catálogo em papel. Até inventei meu próprio sistema para catalogar os livros, porque eu gostava de fazer esse tipo de coisa. Alguns dos meus livros ainda têm as velhas etiquetas batidas à maquina que colei na lombada com durex. A maioria deles já não traz resquícios dessa época. Já nem sei mais o significado dos números.

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Alguns livros mais antigos davam mais trabalho para serem encontrados, já que surgiram antes do sistema ISBN ser inventado. Além disso, alguns livros estão bem gastos e não é fácil ler os números

Mas lembro que era legal conseguir encontra o livro que eu estava procurando.

Há pouco tempo eu tropecei num programa livre chamado “Tellico” (criado por Robby Stephenson) enquanto procurava por outra coisa, e a descrição me intrigou. O autor o chama de “gerenciador de coleções”, já que ele pode ser usado para catalogar qualquer tipo de coleção (livros são o padrão, mas são oferecidos modelos para outros tipos comuns de mídia como vídeos e música, e como os campos podem ser alterados como você preferir, o programa pode ser usado para catalogar o que você quiser).

Decidi experimentar o programa, e para isso foi só digitar “apt-get install tellico” num terminal como root, já que o programa está no repositório main do Debian. Primeiro eu tive a impressão de que teria que passar pelo tradicional e trabalhoso processo de preencher um monte de campos de dados digitando nos formulários. Mas o que torna um programa de gerenciamento de coleções como o Tellico viável de verdade é a captura automática de dados de fontes populares da internet como a Amazon, a Biblioteca do Congresso ou a Internet Movie Database.

Esses recursos vêm crescendo ao longo dos anos, e só o banco de dados da Amazon já é absurdamente grande. Embora eu tenha passado por alguns livros que não estavam na lista da Amazon, fiquei mais surpreso por ter encontrado alguns deles, como vários livros dos anos 70 ou mais antigos, que foram publicados bem antes do banco de dados da Amazon nascer. É óbvio que a Amazon não vende esses livros novinhos, mas ela também está no ramo de livros usados, e continua alimentando seu enorme banco de dados com informações sobre esses produtos. Um benefício extra disso é que fica fácil encontrar informações sobre um livro que você possui.

Com o Tellico isso fica extremamente fácil. Você só tem que digitar o ISBN (o número de catálogo internacional usado em livros) para que o Tellico procure pelos dados no banco da Amazon e exiba as informações na tela. Se elas lhe parecerem plausíveis, é só adicioná-las ao seu próprio banco de dados com alguns cliques.

Se você tiver um leitor de código de barras, na maioria das vezes nem vai precisar digitar nada. Por acaso, eu tenho um leitor de código de barras CueCat desbloqueado, que comprei por mera curiosidade em uma loja de produtos eletrônicos. Esses CueCats foram hackeados, desconectando o circuito que primeiro emitia um número serial e outras coisas no começo de cada leitura, de modo a relatar apenas aquilo que leem. Sendo assim, nem há necessidade de um driver. É só conectá-lo a uma porta USB disponível e os números vão ser inseridos exatamente como se você os tivesse digitado.

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Finalmente achei um uso para meu leitor de código de barras. Até começar este projeto ele estava juntando poeira em um gaveta. É um equipamento legal, mais do que apropriado para as minhas necessidades

Mas mesmo que você não tenha dado a sorte de ter uma versão hackeada (ou que não tenha o conhecimento para fazer o hack por conta própria), há vários pacotes de drivers livres para CueCats disponíveis para download. Imagino que existam outros leitores de código de barras por aí, caso você não encontre um modelo CueCat (eles já não são mais feitos, mas foram lançados tantos deles no mercado que mesmo hoje, em 2009, há boas chances de você encontrar um usado).

Como usar o Tellico

No meu Debian GNU/Linux “Lenny”, depois de instalado, o Tellico é listado nos aplicativos de escritório no menu do KDE. Ao abri-lo pela primeira vez, um documento de catálogo chamado “Meus livros” é aberto automaticamente, e ele obviamente é baseado no modelo para livros. Se quiser gerenciar outro tipo de coleção ou se quiser começar outra coleção do mesmo tipo depois, escolha File?Novo no menu [Nota do tradutor: a tradução para o português do Tellico que consta dos repositórios do Debian está meio “macarrônica”]. Observe que todas as opções do programa se referem ao catálogo como o “documento”, ou seja, “Save” (salvar), “Save as” (salvar como) e afins se referem a operações em catálogos individuais, que são armazenados em um arquivo em formato binário específico do Tellico com a extensão “.tc” (há várias opções de exportação, caso você precise dos dados em um formato mais “transparente” para uso com outros programas).

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O Tellico, exibindo as informações de um livro

Também há uma opção “Open Recent” (Abrir recentes) para alternar entre os catálogos rapidamente. Como pode ser muito interessante manter seus sistemas de catálogo unificados, provavelmente você não vai precisar de muitos arquivos .tc para atender às suas necessidades, e os catálogos de que você precisar vão ficar na lista de itens recentes. Eu uso esse recurso para alternar entre meus catálogos de vídeo e de livros (eu poderia tentar uni-los em uma única coleção, mas desse jeito eu posso usar modelos pré-configurados otimizados para cada tarefa).

Teoricamente, a maneira mais simples de se incluir um livro ou um outro item à coleção é escolher Coleção?Novo registro.... Isso abrirá uma caixa de diálogo com abas que permite inserir o título, o autor e outros campos relativos ao livro. É claro que catalogar toda a sua coleção desse jeito seria muito entediante!

Pesquisa e leitura de códigos

Uma das características que definem esse nosso mundo de produção industrial em massa é o fato de que a maioria de nós possui coisas que outros milhares de pessoas também possuem, e essas coisas são vendidas por outros milhares de pessoas, sendo portanto catalogadas digitalmente por outras centenas de pessoas. Graças ao comércio pela internet, alguns desses catálogos estão disponíveis online. Alguns podem querer discernir sobre as implicações filosóficas, econômicas e sociais disso, mas para a tarefa em questão esse recurso parece bastante conveniente.

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As diversas caixas de pesquisa ISBN/UPC permitem inserir vários códigos ISBN de uma vez, levando a uma pesquisa bem mais eficiente.

Para que ter o trabalho todo de novo? Em vez de ficar naquela chatice de inserir os dados que já foram catalogados por muitos outros, é bem melhor consultar o banco de dados deles com uma chave apropriada para obter as informações de que você precisa. A automatização dessa etapa é que torna o Tellico genuinamente divertido, e não um castigo.

Se você escolher Edit?Pesquisa na internet..., será exibida uma caixa de diálogo que permite procurar as informações dos livros em várias fontes online, especialmente na Amazon. É possível escolher diversos campos diferentes para fazer a pesquisa. Geralmente os mais úteis são “ISBN” e “UPC/EAN”, porque esses códigos são chaves únicas para edições específicas de cada livro, e geralmente levam ao registro certo.

Na verdade, esse sistema é tão confiável que para as buscas por ISBN e UPC/EAN há até uma opção de pesquisa múltipla, que abre um diálogo com uma caixa de texto com várias linhas para receber vários números a serem pesquisados, um por linha. Com isso, fica muito fácil usar um leitor de código de barras para cadastrar seus livros, já que o leitor joga para a saída o número seguido de um comando de nova linha após cada leitura, como se você estivesse digitando os números.

O mundo é um número

A chave de pesquisa mais comum para livros é chamada de “ISBN” (International Standard Book Number, ou número padrão internacional de livro), um artefato de nossa sociedade digital que tem uma longa e fascinante história. O ISBN é uma espécie de precursor da URL (ou URI): é uma forma única de identificação para uma edição específica de um livro específico. Caso nunca tenha reparado nesses números, não se esquente: poucas pessoas além dos editores dão atenção ao ISBN, embora quase todos nós os tenhamos usado.

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Você vai ganhar um bocado de experiência com o teclado numérico digitando os números ISBN e UPC/EAN

Esse sistema começou no Reino Unido, como o SBN (“Standard Book Number”, ou número padrão de livro), oferecido como um serviço de catálogo para os editores, e passou por diversas encarnações, sendo recentemente (em 2007) absorvido, junto com o UPC (“Universal Product Codes”, ou códigos universais de produto), pelo sistema de 13 dígitos (e que agora é bem mais universal) EAN (“European Article Number”, ou número europeu de artigo), que hoje em dia é invariavelmente impresso na forma de código de barras em livros e em quase tudo o que você compra.

No momento, esses números todos provavelmente vão aparecer em sua biblioteca pessoal: SBN, ISBN, UPC e/ou EAN. Em alguma parte dos seus livros (ou na maioria dos que foram impressos nos últimos 50 anos) ao menos um desses códigos deve aparecer. Caso contrário, ou em livros que tenham entre 50 e 100 anos (sim, eu tenho alguns desses), muitas vezes é possível encontrar um número LCCN (“Library of Congress Classification”, ou classificação da Biblioteca do Congresso) . A Biblioteca do Congresso, obviamente, é uma instituição do governo americano, mas muitos livros europeus levam esse número, já que podem ser vendidos nos Estados Unidos.

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Depois de digitar alguns ISBNs, surgirão resultados que você pode selecionar para incluir no banco de dados da coleção

Para livros com mais de 100 anos, isso provavelmente não vai funcionar, e você vai ter que digitar manualmente. Mas é óbvio que, se você tem um livro tão antigo, ele provavelmente é muito valioso e vale o trabalho certo?

Na verdade, há uma relação inversa entre o valor dos livros e as chances deles terem códigos de barras e números claros e legíveis. Não é bem a lei de Murphy, mas sim um efeito da seleção natural: se seu livro não for muito, muito valioso para as pessoas, é preciso torná-lo muito, muito fáceis de armazenar e comprar, certo? Por isso os códigos de barras foram adotados primeiro para livros infantis baratos e coisas do gênero. Até um livro de plástico que a minha filha tem, “Bob the builder” (Bob, o construtor), tem ISBN. Mas alguns dos meus livros técnicos não têm. Pode parecer irônico, mas isso é bastante conveniente, porque significa que você está gastando tempo extra com os livros com os quais você realmente se importa, enquanto aqueles mais triviais são catalogados de maneira trivial. Isso encoraja você a catalogar os dados completos.

O reino sombrio dos códigos de barra

Até digitar um único número para cada livro pode ser entediante quando você está diante de uma pilha de livros – o que fica ainda pior se, assim como eu, você sofrer da síndrome do túnel carpal, um mal comum a escritores e programadores. E é aí que um leitor de códigos de barra, por mais barato que seja, como o modelo CueCat, pode cair bem.

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Um código de barras típico

Os leitores de código de barras, obviamente, funcionam alternando faixas de luz e escuridão que fazem o campo de “visão” de um fotodiodo piscar conforme o padrão passa pelo dispositivo, iluminado por um LED. Tenho que admitir que meu entendimento do processo não vai muito além, disso (continuo achando fantástico que isso funcione tão bem). Até onde eu sei, a tecnologia de um leitor de código de barras simples e sem partes móveis é bastante parecida à tecnologia de mouses ópticos modernos (acho que eles se originaram do leitor do código de barras).

Só para constar, também existem leitores que usam um laser para ler o código. Você provavelmente já usou um desses no supermercado. Eles são bem mais confiáveis. O sistema de leitura do CueCat exige que você passe o sensor pelo código de barras de maneira rápida e suave para que o padrão seja lido. Isso exige alguma prática e pode ser meio complicado. Muitas vezes parece não haver correlação entre a sua habilidade de enxergar um código de barras e a do leitor. Em minha breve experiência com esse dispositivo, notei algumas tendências que levam a códigos de barras problemáticos: superfícies extremamente reflexivas, capas plásticas sobre o código, restos de cola de adesivos fixados em cima dos códigos (o que infelizmente é muito comum) e, obviamente, códigos de barras com cores estranhas, especialmente em vermelho e rosa. O problema da cor provavelmente é causado pelo LED vermelho que ilumina o padrão – é óbvio que barras vermelhas sobre fundos brancos tendem a desaparecer quando iluminadas por uma luz vermelha. Acho que os problemas com restos de cola não são causados pela obstrução da imagem, mas sim pela criação de texturas desiguais que interferem na passagem em velocidade constante do leitor sobre o código.

A maioria dos códigos de barras mais antigos NÃO contém o número ISBN. Isso pode ser um tanto frustrante. Geralmente eles trazem o número UPC ou EAN.

Cuidado com a pegadinha do ISBN

A única coisa irritante desse lindo programinha chamado Tellico é a ambiguidade da leitura dos números ISBN e UPC/EAN, especialmente ao usar o recurso de múltiplas entradas. O problema é que, basicamente, há duas maneiras diferentes de lidar com os números inseridos, e não há uma regra clara para definir qual seria a melhor delas:

  • Procurar diretamente pelo UPC/EAN no banco de dados

  • Converter para ISBN e fazer a pesquisa

Quando o campo selecionado é “ISBN”, o segundo método é usado: os números digitados devem ser números ISBN. Se forem lidos números EAN, o programa os converterá para ISBN para então fazer a pesquisa. Mesmo que a conversão seja bem-sucedida, o programa vai continuar relatando que a pesquisa pelo primeiro número falhou (parece que ela falha, e depois o número alterado é tentado, portanto a mensagem está tecnicamente correta, embora seja enganosa). De qualquer maneira, os números digitados serão perdidos, já que o programa os validará e converterá a entrada ao formato ISBN, mesmo que os números não sejam ISBN.

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Mesmo que um número EAN possa ser convertido a ISBN e seja encontrado, você continua com a mensagem meio enganosa de “não encontrado”.

Para poder pesquisar por números UPC/EAN no banco de dados de origem, você precisa se certificar de ter selecionado UPC/EAN antes de abrir o diálogo de entradas múltiplas. É muito fácil fazer besteira nessa hora, e não dá para voltar e consertar o erro porque os números originais que você digitou são substituídos pelos números validados.

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Que tal emprestar os livros da sua biblioteca? O Tellico também ajuda a manter um registro de empréstimos e devoluções de livros

Em livros novos, o UPC/EAN é um número ISBN – o novo número ISBN-13, para ser mais exato. Em livros mais antigos os números diferem, e nos muito antigos que nem são mais impressos, o UPC/EAN pode ter sido cancelado (ele não é tão único como o ISBN), levando a informações errôneas.

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O Tellico também gera relatórios estatísticos sobre a sua coleção

Os benefícios de um catálogo

Depois de coletar os dados de todos os seus livros (e outros itens colecionáveis), inserindo-os diretamente ou pesquisando, você poderá usar o catálogo para manter as coisas em ordem. O Tellico pode pesquisar e agrupar os itens usando qualquer dos campos que você tenha preenchido. Isso pode ser usado em pesquisas simples por um autor ou título ou em coisas mais sutis, como na adição de seus próprios campos ou classificações, ou no uso de campos como “Série”.

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O Tellico permite pesquisar registros por campos, como “Autor”

O Tellico também fornece informações estatísticas sobre a coleção e ajuda você a não se perder, sabendo quais livros emprestou (caso queira emprestar ou alugar livros, como em uma biblioteca pública). Usando recursos genéricos dos campos, você pode atribuir números de classificação ou indicar o local em que o livro está na estante para que fique mais fácil encontrar cada item da sua coleção.

Não é um sistema profissional de catálogo de bibliotecas, mas para a minha modesta biblioteca doméstica, o Tellico é uma opção maravilhosamente fácil e divertida para catalogar livros.

Créditos a Terry Hancockfreesoftwaremagazine.com
Tradução por Roberto Bechtlufft <roberto at bechtranslations.com>

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