Software não livre escondido na sua distribuição GNU/Linux

Software não livre escondido na sua distribuição GNU/Linux

GNU/Linux and freedom: non-free software hidden in your GNU/Linux distribution

Autor original: Vincent Launchbury

Publicado originalmente no: freesoftwaremagazine.com

Tradução: Roberto Bechtlufft

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A maioria dos interessados na liberdade do software tem o GNU/Linux como sistema operacional favorito, mas poucos se deram conta de que a grande maioria das distribuições GNU/Linux não é totalmente livre. Imagine só: você deixa o Windows para trás e descobre que ao instalar o GNU/Linux você está aceitando uma licença da Microsoft, cheia de restrições!

Muitas distros promovem o uso de software proprietário, exibem licenças incorretas propositalmente e tentam camuflar o problema classificando-o como uma ‘opção de liberdade’. Quando a maioria dos desenvolvedores de uma coleção de software não se importa com a liberdade, seus usuários também não vão se importar. As distros não livres praticamente não se esforçam em informar a seus usuários quanto à importância da liberdade, embora elas mesmas não pudessem existir sem ela. Vou explicar por que a opção de liberdade é uma solução inaceitável, e propôr algumas soluções reais.

O problema

Eu já uso o GNU/Linux há mais de cinco anos, mas só recentemente descobri quanto software não livre a minha distro inclui. Decidi dar uma busca no meu sistema e remover tudo o que não fosse livre, e tive que remover muita coisa.

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Um GNU levitando – um símbolo da tranquilidade e da liberdade do software

Eis o que eu descobri.

O kernel do Linux

O kernel do Linux lançado por Linus Torvalds no kernel.org, vulgo kernel vanilla, contém muito firmware não livre (consulte a nota de rodapé), presente no kernel principalmente para dar suporte a hardware para o qual não exista firmware livre.

Embora a maioria das distros mantenha kernels próprios, eles são fortemente baseados nas versões vanilla, e geralmente incluem as partes não livres.

Uma solução é usar o projeto Linux Libre, uma coleção de kernels vanilla sem o firmware que não é livre. A maioria das distros não oferece uma opção de kernel livre, ou sequer recomenda um.

Drivers que não são livres

A maioria das distros inclui drivers não livres para coisas como placas de vídeo e placas de rede sem fio. Como o hardware é fechado e não tem documentação, essas distros incluem os drivers para melhorar a compatibilidade de hardware.

Em muitos casos até existem substitutos livres para esses drivers, mas muitas distros preferem promover as versões não livres.

Software que não é livre

Muitas distros oferecem software não livre que não se enquadra nas categorias acima. Isso inclui coisas como navegadores, clientes para videoconferência e outros aplicativos para fins gerais que não são livres. O sistema não precisa desse software, e ele só é incluído como conveniência ou para aumentar a lista de pacotes.

Embora algumas distros mantenham software não livre em um repositório separado, para o usuário comum isso não significa nada. Ao fazer propaganda tanto dos programas livres quanto dos não livres, elas estão dizendo aos usuários que a liberdade é uma questão secundária, e levando-os a usar software não livre.

Um dos pacotes que eu removi do meu sistema foi o corefonts, que é um pacote não livre com licença da Microsoft. A licença restringe o uso do pacote e impede modificações. O corefonts é uma dependência opcional quando se instala o ImageMagick, e no Gentoo ele é instalado junto por padrão.

O ImageMagick em si é software livre. Isso quer dizer que a maioria dos usuários que o instalam presume que ele seja livre, mas acaba levando junto o corefonts por engano. Esses usuários acabam sujeitos a uma licença restritiva e não livre.

Resumo

Esses são só alguns exemplos de como muitas distros GNU/Linux restringem a liberdade de seus usuários. Outro problema é que nem sempre dá para confiar nos comentários sobre a licença feitos por quem gerencia os pacotes dos programas. O kernel do Linux, por exemplo, muitas vezes é rotulado única e exclusivamente como GPL-2, embora inclua software não livre.

Sem uma política clara dizendo exatamente qual software pode ser incluído na distro, e como esse software deve ser licenciado, até o usuário mais cuidadoso provavelmente vai instalar software não livre.

A opção de liberdade

Algumas distros tentam resolver o problema oferecendo uma versão livre em separado, ou oferecendo ferramentas que ajudam os usuários a manterem seus sistemas livres. Só que isso não resolve o problema, já que a grande maioria das pessoas nem conhece o problema da liberdade do software, e portanto nem chega a experimentar essas versões. Além do mais, as distros raramente fazem algo para promover suas versões livres, ou sequer informam aos usuários quanto às vantagens de usá-las.

Mandriva

Meu primeiro exemplo é o Mandriva, aparentemente disponível em sete versões diferentes, sendo que uma é completamente livre. A maioria das pessoas que visitar o site vai baixar a versão Powerpack, já que ela é a primeira a ser exibida, e seu nome insinua que ela seja a versão com mais recursos dentre as disponíveis. Não há descrição das diferenças entre as versões, nem nada que promova ou explique as vantagens de se usar apenas software livre.

O resultado é que só quem usa as versões livres são as pessoas que já estão cientes do problema. Essas pessoas provavelmente já rodavam sistemas 100% livres. O objetivo principal, que é o de informar às massas sobre o poder que o software proprietário concede aos seus desenvolvedores sobre você, e como você pode fugir disso, nem é mencionado.

Gentoo Linux

Outro exemplo é o Gentoo Linux, que oferece um sistema opcional de filtragem por licença que pode ajudar os usuários a eliminarem a instalação de software proprietário. Esse caso é ainda pior do que o do Mandriva, já que os recursos de filtragem mal são mencionados na documentação, e portanto não há recomendação alguma à sua utilização.

Isso quer dizer que só vai usar as versões livres do Gentoo quem procurar especificamente por uma forma de filtrar software com base na licença. A grande maioria dos usuários do Gentoo nem sabe que esse recurso existe. Além do mais, algumas das licenças (por exemplo, a licença do kernel do Linux) estão incorretas. Mesmo com filtros rigorosos, o software proprietário vai acabar passando pela peneira.

Eu mencionei na lista de discussão de desenvolvedores do Gentoo que as licenças indicadas do kernel do Linux estavam incorretas. Pedi a eles que corrigissem isso, incluindo as licenças dos firmwares não livres, para que as pessoas pudessem filtrar o software de forma precisa. Embora alguns poucos desenvolvedores tenham apoiado a ideia, inicialmente a proposta foi rejeitada por alguns integrantes da equipe do kernel. Pouco após a publicação deste artigo, fui informado de que as licenças haviam sido atualizadas por uma das pessoas que havia apoiado a ideia [este parágrafo foi editado após a publicação do artigo].

Resumo

Quando a maioria dos desenvolvedores de uma coleção de software não se importa com a liberdade, seus usuários também não vão se importar. As distros não livres praticamente não se esforçam em informar a seus usuários quanto à importância da liberdade, embora elas mesmas não pudessem existir sem ela. A influência que um distro exerce sobre seus usuários é tremenda, e é dela a responsabilidade social de promover o uso exclusivo de software livre.

A solução

A solução real e óbvia seria migrar para uma distro que respeite a liberdade de seus usuários. A FSF mantém uma lista de distros totalmente livres que você pode usar. Os desenvolvedores trabalham em equipe para proteger a liberdade de seus usuários, e dão o melhor de si pela manutenção de um sistema plenamente livre, averiguando relatos sobre software não livre que tenha passado desapercebido, e corrigindo o problema. Outras distros não livres provavelmente ignoram essa questão.

Mas nem sempre um usuário quer migrar para um sistema operacional novo. Você talvez prefira o design da distro não livre que está usando agora. Se esse for o caso, talvez você queira converter sua instalação em um sistema operacional completamente livre. Vai dar um bocado de trabalho, mas é possível:

  1. Primeiro, remova o software não livre do sistema. É provável que você tenha que migrar para um kernel do Linux Libre e passar um pente fino nos pacotes instalados, verificando todas as licenças. É um trabalho demorado e entediante.

  2. É ridículo que os usuários tenham que fazer isso, mas… entre em contato com os desenvolvedores da sua distro e diga a eles, de forma educada, obviamente, que você acha que a questão da liberdade do software é importante, e sugira a eles que ajam para aprimorar a liberdade da distro. Você também pode oferecer ajuda na parte técnica ou no relato de problemas. A criação de uma maneira simples de manter um sistema totalmente livre seria um bom começo.

  3. Se você programa, talvez prefira concentrar seus esforços no aprimoramento de uma distro livre. Se tiver preferência por algum aspecto do design, pode ajudar a implementá-lo em uma distro livre. Outra opção é ajudar as distros não livres, criando substitutos livres a programas não livres contidos nelas (e obviamente, isso também beneficiaria as distros que são completamente livres – o software livre é mesmo maravilhoso!)

Pode acontecer de você ter hardware que não seja suportado via software livre. Você deve evitar apoiar as fabricantes desse tipo de hardware quando possível, embora nem sempre isso seja viável. Em todo caso, escreva ao fabricante pedindo a ele de forma educada, porém decidida, que lance seus drivers como software livre, ou que abra suas especificações para que terceiros cuidem disso.

Ao comprar hardware novo, consulte a lista de hardware compatível da FSF e tente apoiar ao máximo as fabricantes livres.

Um último detalhe a ser mencionado é a poderosa influência das recomendações. Ao recomendar o uso do GNU/Linux aos seus parentes e amigos, não se esqueça de ressaltar a importância da liberdade. Quer eles aceitem ou não seus conselhos, você estará ajudando a disseminar o conhecimento, e essa é a primeira etapa rumo à solução do problema.

Notas de rodapé

Dê uma olhada neste arquivo de código fonte do Linux. Trata-se de um monte de firmware binário não livre. O significado desse código é tido como um segredo comercial, então os usuários não podem modificá-lo e nem tão pouco entendê-lo.

E o problema não se limita ao Linux. O OpenBSD desenvolveu seu próprio kernel, mas ele ainda tem esse tipo de código. Uma rápida olhada no código-fonte do kernel revela este arquivo de código que contém trechos não livres de código com uma licença restritiva.

Veja mais exemplos de código não livre no Ubuntu e no Debian.

Créditos a Vincent Launchburyfreesoftwaremagazine.com

Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>

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