A obsolescência programada na informática

A obsolescência programada na informática

Marcos é um funcionário de um escritório em Barcelona, na Espanha. Ele vai imprimir um texto digitado no Microsoft Word em sua impressora Epson. No meio da impressão, porém, o dispositivo para de funcionar e exibe uma mensagem de erro informando que uma peça da impressora falhou e que ele deverá leva-la a uma assistência técnica. Indo em três lojas diferentes, ele descobre que o conserto sairá por cerca de 110 ou 120 euros. Os próprios vendedores, então, sugerem a Marcos que ele desista de consertar sua impressora e adquira uma nova, que custa a partir de 39 euros. Esse é o começo do documentário “The Light Bulb Conspiracy”, dirigido pela cineasta Cosima Dannoritzer, que denuncia uma prática antiética, imoral e comum na indústria desde o início do século XX e que pode ser verificada de forma acentuada na Informática: a obsolescência programada: dispositivos que já saem da linha de produção programados para morrer.

Conforme cita o documentário, a prática da obsolescência programada iniciou-se formalmente na década de 1920, quando os principais fabricantes de lâmpadas se reuniram e formaram um cartel, acordando que a duração máxima dos dispositivos não deveria ultrapassar 1000 horas úteis. No final do século XIX, as lâmpadas criadas por Thomas Edson duravam cerca de 1500 horas e, pouco antes do acordo secreto ser firmado, elas costumavam passar de 2500. O filme exibe, até, uma lâmpada de alerta que está em uma sede do corpo de bombeiros nos EUA que permanece ligada ininterruptamente por mais de 100 anos! A prática foi formalmente adotada após a crise de 1929 quando os industriais descobriram que criar um produto que estragasse rápido movimentaria mais a economia do que criar um produto de qualidade que durasse várias décadas.

Basicamente existem três formas de se criar um produto programado para morrer: construindo-o com componentes de qualidade inferior, induzindo o consumidor a substituí-lo ou criando limitações artificiais.

Vários produtos eletrônicos – ou não – saem da linha de montagem com um prazo de validade informalmente pré-determinado. Isso é conseguido ao construí-lo com componentes de qualidade inferior que tendem a se deteriorar ou a causar mau funcionamento após um determinado tempo de utilização. O maior exemplo que temos em nosso país são os desktops e notebooks de alguns fabricantes que, durante seu período de garantia – geralmente de um ano – funcionam perfeitamente bem, mas uma vez findo este prazo, começam a apresentar defeitos dos mais variados tipos. Tais defeitos podem ser ocasionados pelo esgotamento da bateria CMOS ou pelo superaquecimento de um componente colocado em determinado local. Como sempre, muitas vezes o conserto não vale a pena, assim como não há provas formais de que tais práticas aconteçam de fato.

A segunda forma de obsolescência programada começou a ganhar força na década de 1950 e consiste em induzir o consumidor a substituir algum aparelho por outro mais moderno antes do necessário. O exemplo mais gritante são os aparelhos de televisão: vários consumidores estão simplesmente trocando suas televisões de tubo 4:3, que estão com “saúde total” e sem defeito algum, por outras widescreen, feitas de LED ou de LCD com capacidade de receber sinais em alta definição. Tudo isso, é claro, de forma totalmente desnecessária, pois o encerramento das transmissões analógicas ocorrerá apenas em 2016, um número mínimo de cidades recebe o sinal digital e a programação da maioria das emissoras de TV atualmente não é em alta definição. Na informática, também percebemos isso: gamers substituem placas de vídeo com 1 ou 2 anos de uso em perfeitas condições por outras para ficarem atualizados; quando vamos para o mundo mobile então, nem se fala: o HTC Nexus One, primeiro smartphone da Google com o sistema Android, lançado há apenas dois anos, já está totalmente ultrapassado e foi abandonado pela gigante, que não irá atualizá-lo para a versão 4. O mesmo pode ser dito dos iPhones 1 a 3 ou daqueles palmtops que eram sonho de consumo no final dos anos 90 e que, apesar de ainda poderem funcionar hoje, devem estar, na melhor das hipóteses, morrendo abandonados dentro de uma gaveta.

Mais presente no ramo dos softwares, os produtos podem se tornar obsoletos graças a limitações artificiais incluídas por seus próprios fabricantes. Vem à tona o exemplo do Microsoft Office: de 1995 até 2006, os programas da suíte tinham basicamente a mesma interface e o mesmo formato de arquivo. Isso fez com que muitas empresas – grandes e pequenas – permanecessem até esses dias usando a versão 97 da suíte. Em 2007, porém, a Microsoft resolveu mudar esse cenário e lançou a nova versão de seus programas de escritório. A primeira polêmica foi a interface totalmente diferente daquela a qual todos já sabiam usar, o que fez muitos usuários recusarem-se a fazer o upgrade. Para resolver esse empasse, veio a segunda polêmica: um novo formato de arquivo, baseado em XML, totalmente incompatível com as versões anteriores (exceto com o Office 2003 SP3) que era selecionado automaticamente na hora de salvar o documento. Essa limitação artificialmente criada pela Microsoft forçou seus clientes a lentamente migrarem para a nova versão da suíte e, quando todos já estavam se acostumando com ela, três anos depois a empresa lança uma nova versão, a 2010, que é praticamente a mesma versão 2007 só com uma interface ligeiramente melhorada, dois ou três novos recursos que quase ninguém sabe que existem e centenas de correções que também podem ser instaladas através dos service packs.

Vemos, portanto, que a obsolescência programada está presente e é marcante no âmbito informático através de várias práticas, muitas vezes imperceptíveis, da indústria.

Engana-se, porém, quem pensa que essa prática é monopólio das empresas de software proprietário: as distribuições de Linux são, possivelmente, as maiores apoiadoras da prática da obsolescência programada. Basta ver que, no início da década passada, se você instalasse uma distribuição que viesse com um ambiente gráfico X e uma nova versão desse ambiente fosse lançada, era possível atualizá-lo todo com, no máximo, alguns comandos. Hoje, porém, isso é praticamente impossível na maioria das distros mainstream que lançam uma nova versão a cada seis meses: o ambiente gráfico está tão enredado com o resto do sistema que tentar atualizá-lo para uma versão mais nova certamente seria sinônimo de dor de cabeça e de noites em claro. O melhor e mais fácil é, obviamente, atualizar o sistema inteiro para a nova versão, o que não é um grande problema para aqueles que têm uma boa conexão à Internet (É claro que existem projetos comunitários como o OpenSUSE Evergreen que tendem a estender o período de suporte das versões legadas, mas é a velha história do “por sua conta e risco”).

Finalmente, vemos que, independente de nossa vontade, somos levados por uma mão invisível a movimentar nossa economia, seja substituindo produtos que estragaram prematuramente ou simplesmente porque queremos algo mais moderno. Somos fantoches e a indústria da informática está aí para provar isso: nossos computadores atuais têm memória e velocidade de processamento restritos a grandes servidores de duas décadas atrás, mas os programas e sistemas operacionais que utilizamos ficaram cada vez mais pesados de tal forma que o tempo médio que demoramos para realizar uma tarefa comum na última versão de um software em um micro atual é próximo daquele que levaríamos para fazer a mesma coisa em uma versão de 15 ou 20 anos atrás do mesmo programa em um computador daquela época. Precisamos, porém, sermos consumidores conscientes e não nos deixar levar apenas pelo que as propagandas dizem. A propósito: Marcos encontrou uma pessoa na Internet que lhe forneceu auxílio para “consertar” sua impressora e continua usando-a.

por André Machado <andreferreiramachado em gmail.com>

Sobre o Autor

Redes Sociais:

Deixe seu comentário

X