Marco civil da internet, por trás de tantas discussões quais o reais benefícios?

Marco civil da internet, por trás de tantas discussões quais o reais benefícios?

                   Com a sanção da presidente Dilma do chamado marco civil da internet no dia 24 de abril de 2014, muito foi comentado na mídia sobre o fato, e não poderia deixar de ser muita gente de diversas áreas não entenderam o que é essa lei e o que vai (ou deveria) mudar em relação ao uso da internet no Brasil. Como não poderia deixar de ser, para muita gente quem trabalha com computação deve entender do que se trata, e diversas pessoas passaram a me perguntar sobre o tema, e percebi algo a respeito disso, não tenho uma opinião formada sobre a lei. Por conta disso pesquisei e gostaria de compartilhar com todos os resultados.

                 Antes de iniciar o tema gostaria de salientar que este é um texto de opinião, acredito que como eu, boa parte dos profissionais de T.I. não são muito habituados com termos jurídicos e com o conhecimento de leis, mas vez ou outra encontram algum problema e necessitam utilizar a lei para resolve-lo e esbarra (ou esbarrava) num problema, não existe lei específica para isso, e por conta deste impasse fica “à mercê” de  interpretações dos mais diversos tipos das leis existentes para tentar resolver seu problema do mundo “virtual” no mundo real.

 

Este artigo mostrará a minha opinião como profissional de T.I. com relação a aprovação do marco civil da internet, além de tentar discutir o que ele pode trazer de benefício a todos os usuários (segundo o IBOPE hoje já passam de 100 milhões).

 

O que é?

Segundo o próprio documento no capitulo I e artigo 1º:

                “Esta Lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria.”

                Basicamente, o marco civil da internet cria regras que eu considero como básicas para o uso, armazenamento de dados particulares e conteúdo trafegado na rede. Inclusive entendo como sendo a internet agora oficialmente reconhecida como meio de comunicação e que assim como na rádio e tele difusão deve possuir regras para o funcionamento. O Brasil então se torna pioneiro junto com outros poucos países que também possuem leis específicas para o uso e “atos” realizados na rede como Japão, Dinamarca e China.

                O reconhecimento do o que é a internet se pode verificar no artigo 5º, somente citando o primeiro parágrafo:

“Internet – O sistema constituído de conjunto de protocolos lógicos, estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes”

                Parece algo meio irrelevante para um profissional da informática, mas do ponto de vista jurídico, se não existe uma lei que especifica o que é algo, basicamente este algo oficialmente não existe, se você comete um crime em algo ou por meio de algo que não existe, o crime não existe. Obviamente que isso não é levado ao pé da letra e crimes cometidos se utilizando da internet também são punidos, mas sem uma regulamentação do que é a internet se abrem infinitas possibilidades de entendimento por partes dos magistrados e isso acaba tornando difícil a solução e punição de culpados em crimes virtuais.
                Nos demais parágrafos do artigo 5º se especifica também o que é um terminal, um administrador de sistema, IP, registro de acesso e outros pontos para especificar o que faz a internet funcionar quem usa e quem provê o funcionamento desta.
                Mas de todo o documento podemos resumir em 3 partes principais que são o da neutralidade da rede, o da privacidade e o da liberdade de expressão, apesar do documento possuir 11 páginas este é o foco do projeto. Vamos ver cada um destes pontos separadamente a seguir.

 

Neutralidade da rede

            Para resumir este ponto em uma frase, eu acesso o que quiser sem restrição ao tipo de acesso.
            O capitulo III seção I artigo 9º diz:

“O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicativo, sendo vedada qualquer discriminação ou degradação do tráfego que não decorra de requisitos técnicos necessários à prestação adequada dos serviços, conforme regulamentação”

            Parece meio obvio você e eu como usuários da internet após contratar um plano de internet com vamos dizer uns 5Mb de velocidade acessar o que acharmos melhor, certo? Talvez, como muitos de nós sabemos existe acesso mais “leve” e acesso mais “pesado” do ponto de vista de tráfego de dados, se você está acessando sua rede social por exemplo o tráfego de dados é leve, enquanto você está lendo as mensagens ou escrevendo um post, praticamente nada trafega, o trafego existe para carregar a página e depois nas atualizações. Agora se você quiser assistir um vídeo via streaming a coisa é mais pesada, um vídeo streaming precisa de um download constante a taxas de aproximadamente 256 kbps ou mais dependendo da qualidade do vídeo, o que você baixa em 10 minutos de vídeo você não utilizaria em um dia inteiro de rede social ou lendo e-mails.

                  Isso acarretou em um “controle” por parte de algumas operadoras que identificam esse acesso e por assim dizer “estrangulam” acessos que consumam muita banda como streaming e torrents, fazendo com que a velocidade dependa do uso que você faz. Você gosta disso? Quem assina um plano deve escolher acessar o que quiser e em nenhuma propaganda a operadora avisa “Velocidade de 10 Mb para e-mails e 512Kb para vídeos”.

                    A velocidade contratada deve ser a mesma para o que você quiser acessar. Um exemplo muito pertinente é a rede elétrica, você contrata o serviço da distribuidora da região e faz o que quiser com a energia, usa torradeira, micro-ondas e chuveiro elétrico e o que você quiser, não há distinção do uso. Da mesma forma terá de ser com a internet você acessa o que quiser e sem distinção. Outro exemplo são os planos muito comuns em internet 3G, você contrata um pacote de 1Mb de velocidade e 5GB de download, dentro do seu limite de download você pode baixar o que quiser, afinal do ponto de vista lógico um mensagem de e-mail e uma música mp3 não passam de
uma sequência de zeros e uns. 

Não poderá ter diferenciação do tipo “dentro do seu limite de 5GB poderá baixar 1GB de vídeos e o restante em acesso a redes sociais”, é o mesmo que a concessionária de energia regulasse o uso da sua energia elétrica com restrições do tipo “limite de 10.000 KWh, sendo 8.000 KWh para televisão e som e 2.000 Kwh para chuveiro e micro-ondas” ou seja te dá mais energia para o que gasta menos e menos para o que gasta mais. A partir (pelo menos teoricamente) do marco civil isto está proibido na internet, acesso é acesso, sem tipo ou conotação diferente.

 

Privacidade

            Esta parte especifica que empresas de internet devem zelar pelos dados trafegados e não utilizar para outros fins que não sejam declarados ao usuário. Pode ser verificada nos artigos 11º, 12º e 13º do projeto. Essa parte recebeu mais atenção após os casos de espionagem dos EUA que inclusive afetou a presidente Dilma Rousseff. Basicamente se você acessou uma rede social, no início do processo de adesão à rede tem um termo para você concordar, e ali terá tudo o que poderá ser feito com os dados referentes aos seus acessos, outras formas de uso não informadas estão desta forma proibidas, como por exemplo utilizar uma foto sua retirada de sua página num anuncio publicitário. Mas permite que por decisão judicial estes dados sejam utilizados. Seu e-mail por exemplo deve ser sigiloso, nenhuma empresa ou pessoa poderá acessar seus dados a não ser via ordem judicial. 

                     Um outro exemplo é que empresas de internet não podem repassar dados de usuários para outras empresas, se você receber um e-mail de um propaganda e descobrir que esta conseguiu seus dados por meio de um outro site que você acessou você poderá exigir uma indenização por isso, mas, você deve verificar sempre aqueles enormes textos que muitos clicam em “eu aceito” antes procurar seus direitos, se no contrato de uso do site existia essa possibilidade. Nada a fazer.
            Mas também tem outro ponto tratado que é o da obrigatoriedade de armazenamento dos logs dos dados acessados pelos usuários pelo período de 1 ano. Ai fica uma discussão, pois antes da lei isso era algo opcional, tanto em prazo de armazenamento como armazenar ou não esses dados, agora será todo provedor de serviços como e-mails e redes sociais a armazenar por no mínimo 6 meses os dados de acesso dos usuários, mesmo que estes excluam suas contas. Empresas que antes não tinham essa preocupação agora terão que adequar seus sistemas a isso, e possivelmente aumentar os custos porque para armazenar esses dados mais espaço será necessário e muitas empresas não tem ainda infraestrutura para isso. Na minha opinião isso é bom pois ninguém poderá sair fazendo e acontecendo na rede e sumir sem deixar vestígios, o problema é se as empresas realmente vão manter esses dados por esse período. Ponto controverso da lei.
           

Liberdade de expressão

            Esta eu considero uma outra parte importante da lei, no capítulo II artigo 8º:

“A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à Internet”

                     Caso alguém publique alguma opinião, alguma matéria ou qualquer outra coisa em um site, um blog ou rede social esta publicação só poderá ser removida via ordem judicial, o que isso significa?  Significa que pelo menos na lei teremos a garantia de liberdade de expressão e evitará ações que visem censurar opiniões ou pontos de vista. Uma pessoa não poderá simplesmente ligar para o responsável de um site (como é hoje) e pedir para retirar um conteúdo porque ele não gostou, ou uma empresa retirar uma matéria que não a agradou. Pra que algo seja removido será necessário entrar com uma ação na justiça e após esta ser julgada procedente então irá a ordem para o responsável do site remover tal conteúdo. Isso isenta os provedores de conteúdo por conteúdo de terceiros, somente a justiça é quem determinará a retirada de algo publicado na rede.

 

                    E ai vem outro ponto da lei, empresas que recebam uma ordem judicial para retirar de seu site algum conteúdo poderão ser punidas caso não o façam, resumindo se alguém posta em algum site algo ofensivo a outra pessoa, quem se sentir ofendido poderá ingressar com uma ação para a remoção daquela postagem, após ganhar ação a empresa responsável pelo site será notificada para remover o conteúdo. Hoje qualquer um pode reclamar a retirada de conteúdo, sem ser analisado o mérito da questão, reclamou tirou, dessa forma qualquer crítica não bem recebida pelo criticado pode ser retirada do ar sem critério. A exceção fica por conta das “vinganças virtuais” onde pessoas postam em sites fotos e vídeos íntimos de outras. Neste caso específico o prejudicado presente nos conteúdos postados pode diretamente contatar a empresa exigindo a remoção deste conteúdo.

 

Finalizando

            Acredito que esse seja um primeiro passo, muitas partes deste projeto poderão ter ainda outras interpretações, muitas coisas poderiam serem incluídas e outras retiradas. Pela abrangência que existe no uso da internet acredito que este projeto trata do básico, só precisaremos ver se realmente será seguido e a lei cumprida. Para os profissionais de computação não altera nada em suas vidas de bits e bytes, no máximo para CEOs de grandes provedores de internet, sites de conteúdo e redes sociais deverão estar atentos as novas regras que deveriam por bom senso já estar sendo seguidas a muito tempo, mas se faz necessário uma lei para que não fique sempre na história, “onde está escrito isso?”. Juridicamente agora a internet existe, o usuário de internet também e o que se faz de errado na rede poderá (com já deveria) ser punido.

            Só devemos aguardar para ver se por entre aquelas linhas não poderão surgir de forma tão grande quanto a própria internet interpretações diversas que compliquem a execução de todos os benefícios trazidos pela lei. Do ponto de vista de um profissional de T.I essa lei pode ser resumida em, agora a internet existe oficialmente, assim como no mundo real o mundo virtual agora também tem leis, ainda em evolução, mas já é um começo. O problema é que temos conhecimento da complexidade e abrangência da internet e tentar controlar seu uso, conteúdo e responsabilidades deixa muitos profissionais da área realmente céticos sobre o tema.

 

Por Onildo H.B. Filho

Colaborador do Hardware.com.br

onildo.henrique@gmail.com

 

Referências

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=912989&filename=PL@126/201

http://culturadigital.br/blog/2010/07/12/regulamentacao-da-internet-em-diversos-paises-do-mundo/

http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/paginas/numero-de-pessoas-com-acesso-a-internet-no-brasil-chega-a-105-milhoes.aspx

http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/04/sancao-ao-marco-civil-da-internet-e-publicada-no-diario-oficial.html

 

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