A Intel está condenada?

A Intel está condenada?

Durante mais de duas décadas, a ARM e a Intel conviveram pacificamente, ocupando seus respectivos nichos de mercado. A Intel chegou inclusive a licenciar a arquitetura e a produzir os chips da família Strong ARM entre 1997 e 2005, mas acabou por vender a divisão para a Marvell (dando origem à família XScale), por não considerar o negócio muito lucrativo.

Entretanto, com a popularização dos smartphones e outras plataformas móveis, as duas entraram em rota de colisão, já que a ARM dominou rapidamente vários dos negócios mais lucrativos dentro do ramo de tecnologia e a Intel quer agora sua fatia do bolo. O motivo é simples: Embora os PCs estejam destinados a nos acompanhar mais pelo menos duas décadas, as vendas já estão apresentando sinais de estagnação e a pressão por equipamentos cada vez mais baratos têm espremido cada vez mais as margens da Intel, que não consegue mais trabalhar com as margens com que trabalhava no passado.

Por outro lado, os smartphones, tablets, players de mídia e outros portáteis estão crescendo rapidamente em vendas e não existe sinal de que irão estagnar em um futuro próximo. Alguns analistas teorizam que existe um mercado potencial de mais de 3 bilhões de consumidores para os smartphones, números com os quais os PCs podem apenas sonhar.

Tendo isso em vista, não é de se estranhar que as relações entre a Intel e a ARM estejam se tornando cada vez mais tensas, com declarações exasperadas sendo feitas de ambos os lados do muro.

A última rodada veio de Hermann Hauser, co-fundador da ARM, que declarou em uma entrevista ao Wall Street (http://blogs.wsj.com/tech-europe/2010/11/19/intel-microprocessor-business-doomed-claims-arm-co-founder/):

“Os motivos pelos quais a arquitetura ARM irá matar o microprocessador não é por que a Intel não irá eventualmente produzir um Atom que seja tão bom quanto um ARM, mas por que a Intel tem o modelo de negócios errado”.

O termo “microprocessador” é usado por ele em relação aos chips que são apenas processadores, sem incluírem diversos outros controladores adicionais, como é o caso dos SoCs (System on a Chip) ARM, que por incluírem diversos componentes na mesma pastilha de silício, permitem o desenvolvimento de designs muito mais eficientes e compactos.

Um bom exemplo é o iPhone 4, cuja placa lógica é menor que um cartão de memória SODIMM, incluindo apenas o SoC A4 e um punhado de outros chips menores. Além do processador Cortex A8, acelerador gráfico e inúmeros outros controladores e interfaces, o A4 chega ao ponto de integrar a memória RAM usada pelo processador (criando um sanduíche com o waffer do processador e os dois waffers de memória dentro do mesmo encapsulamento). Com exceção do HD, o A4 essencialmente incorpora tudo o que temos dentro da CPU de um PC em um único SoC, diferente dos chips da Intel, que são apenas processadores:

Este é um diagrama de blocos que mostra os componentes internos de OMAP 3430, um SoC que inclui um processador gráfico PowerVR SGX 530, controlador de memória, 64 KB de cache L1 e 256 KB de L2, processador de sinais, interfaces e outros componentes, mostrando a variedade de controladores diferentes que são espremidos em um SoC atual:

A declaração continua com:

“O pessoal que trabalha no negócio de desenvolvimento de telefones não compra microprocessadores – eles os licenciam. Então, se você vende microprocessadores, você tem o modelo de negócios errado. Dessa forma, não é a Intel contra a ARM, mas sim a Intel contra cada uma das empresas de semicondutores do mundo”.

“Não existe um caso na história da computação em que uma empresa que dominou uma onda dominou também a onda seguinte e não existe um caso em que uma onda não tenha eliminado a onda anterior. É uma questão de substituição e os que dominam o mercado dos PCs são a Intel e a Microsoft”

argumentando que elas dominaram a onda dos PCs e estão agora em processo de serem substituídas pela onda seguinte.

Podemos ver que os PCs dominaram o mercado da computação durante as últimas três décadas, praticamente desde que a IBM lançou o PC original em 1981. Esse domínio fez com que os PCs se tornassem comoditizados e, devido aos preços baixos invadissem também outros mercados, como no caso dos servidores, para os quais não são necessariamente otimizados. Hoje em dia, mais de 90% dos servidores dedicados são simplesmente PCs montados (“white box”, como dizem), cujo HD recebe uma imagem pré-configurada do CentOS ou outra distribuição Linux e são colocados apressadamente em produção, entre diversos outros usos.

Entretanto, conforme a indústria migra para o modelo de computação em nuvem e mobilidade, os PCs começam a se tornar cada vez mais sub-otimizados, em um mundo onde os fabricantes tentam vender máquinas com processadores quad-core e GPUs dedicadas para usuários que vão usar apenas o navegador e um processador de textos.

Toda essa ideia de desenvolvimento de designs otimizados é por sua vez baseado no modelo de licenciamento de designs de chips, que permitem aos fabricantes projetarem SoCs com os componentes adequados à aplicação e os produzirem na forja que oferecer melhores preços ou condições, em um modelo que lembra um pouco o mercado de construções, onde o consumidor diz como quer a casa, o arquiteto a projeta e uma empreiteira constrói. Dentro dessa mercado, o modelo da Intel baseado na venda de pacotes fechados com processador e chipsets (análogo ao de um fabricante que oferecesse apenas um punhado de modelos de casas pré-fabricadas) soa de fato arcaico e ultrapassado.

A Intel tem investido pesado em versões de baixo consumo do Atom para tentar penetrar no mercado de smartphones, mas até o momento não tiveram nenhum sucesso. Os chips não são apenas mais lentos que os SoCs Cortex A9 dual-core e quad-core que despontam no horizonte, mas são também mais gastadores e ainda por cima mais caros. Para complicar, a Intel não tem tanta experiência com a produção de SoCs, o que obriga os potenciais interessados a incluir diversos outros chips (rádio 3G, transmissor Wi-Fi, etc.), o que complica e encarece os designs. O próprio uso das instruções x86 tem se revelado uma desvantagem, pois torna os chips incompatíveis com os softwares e a maioria dos sistemas operacionais móveis em uso (apenas o Android e Meego possuem versões x86 e mesmo no caso deles a compatibilidade não se estende a muitos dos softwares).

Inicialmente, a Intel pretendia usar o domínio de técnicas mais avançadas de fabricação para compensar a falta de competitividade dos chips, produzindo chips baseados nas técnicas de 32 nm e 22 nm para concorrer com chips ARM de 65 e 90 nm, mas até mesmo isso deu errado, já que o enorme volume de produção e o fato de a produção da maioria dos fabricantes de chips ARM ser centralizado em forjas como a TSMC possibilitaram os investimentos necessários, fazendo com que os chips ARM também passassem a ser produzidos usando técnicas modernas de produção.

Alguém poderia se perguntar por que frente a todas essas dificuldades, a Intel não passa a simplesmente produzir chips ARM, atendendo à demanda do mercado. A questão é que isso faria com que a Intel se tornasse apenas mais uma entre os inúmeros fabricantes de chips ARM, tendo que trabalhar com margens de lucro apertadas e concorrer unicamente com base na qualidade dos designs, muito diferente da posição confortável que ocupa no ramo dos chips x86, onde ela controla o conjunto de instruções, tem apenas duas concorrentes menores (AMD e VIA) e centraliza quase 90% das vendas.

Naturalmente, a Intel pode voltar atrás a qualquer momento e passar a licenciar designs de chips, ou mesmo a produzir SoCs ARM como os demais fabricantes. Entretanto, esse é o tipo de manobra que precisa de muito tempo para ser realizada com sucesso, uma vez que envolve mudar toda a expertise da companhia, encontrar parceiros, cativar clientes e assim por diante. Se estivermos mesmo assistindo a uma mudança de paradigma, quando mais tempo a Intel insistir no modelo antigo, mais para atrás ela ficará quando ele efetivamente ruir e ela se ver obrigada a correr atrás do prejuízo.

Sem dúvidas os PCs e os chips x86 ainda continuarão a nos acompanhar por muito tempo, o grande problema é que em termos de total de unidades vendidas os PCs já são uma minoria e a tendência é que essa diferença se acentue. Estamos assistindo a uma transição dos PCs e notebooks rumo aos smartphones, tablets, smartbooks e outros dispositivos baseados na web e a Intel corre um sério risco de ficar estagnada, assistindo enquanto o mercado para seus processadores encolhe cada vez mais.

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