A infância e a computação

A infância e a computação

Na minha infância (no fim dos anos 80), o sonho de consumo das crianças era em sua maioria brinquedos, quem era da época (ou de um pouco antes) deve se lembrar da infinidade de opções produzidas pela Estrela e Glasslite. Lá pelo final mesmo dos anos 80, uma revolução se anunciava por aqui. O que nos Estados Unidos e Japão já era a segunda geração, por aqui a primeira geração despontava: brinquedos eletrônicos, mais precisamente computadores e videogames.

Os mais abastados podiam presentear seus filhos com petardos de tecnologia como o Atari 2600 (sucesso absoluto), MSX (computador usado como vídeo game), TK-85 (outro computador usado para jogar). Só que nessa época o percentual de pessoas que possuíam um desses aparelhos era tão pequeno que ficava apenas restrito ao primo rico da maioria das crianças. Aqueles que possuíam os primeiros computadores pessoais que eu citei como o TK-85 e o MSX (o Expert da gradiente era o mais famoso por aqui) e realmente o utilizavam como computador tiveram uma grande base sobre programação, pois nesses computadores era necessário se programar caso necessitasse fazer algo, a linguagem era o Basic, muitos destes hoje são nossos chefes, pois com a base de lógica de programação que tiveram estavam muito a frente daqueles que ficavam somente utilizando os softwares prontos da era Windows logo a frente.

Com a popularização da informática durante os anos 90 e consequentemente dos computadores padrão IBM-PC os computadores “rústicos” foram abandonados e as máquinas com Windows tomaram a cena, muitas pessoas durante os anos 90 adquiriram computadores, a partir de 1995 a configuração mais comum eram os 486 DX-2 de 66 MHz, com 8 MB de RAM e o Windows 95. A partir de 1997 os Pentium tomaram a cena, mas ainda com o Windows 95 (notem que estou dizendo da popularidade deles nos lares e empresas que os possuíam não do ano de lançamento, lembrem-se o Brasil naquela época era mas mais lento em relação a tecnologia do que é hoje). Mas isso era ainda algo para a classe média, que na época não passava de 20 ou 25 por cento da população do país, e mesmo os que possuíam um PC nestas configurações não estavam dispostos a deixar seus pequenos filhos a ficar se divertindo com o equipamento (que em valores de hoje deveria custar algo em torno de R$ 3500,00 para as configurações mais simples). A manutenção então, era cobrada a hora técnica (bons tempos) e uma reinstalação de sistema não saia por menos de R$ 300,00, coisa para os pais mesmo.

A infância e a computação

O cenário mudou a partir dos anos 2000 o computador passou a ser quase que obrigatório nos lares dos brasileiros, máquinas baratas, estabilidade econômica e parcelamentos a perder de vista fez com que grande parte da população obtivesse seu computador, com a redução dos custos tanto do equipamento como da manutenção dele, fez com que as crianças de então (a partir dos anos 2000) começassem a utilizar o computador como ferramenta de entretenimento, e ainda mais por conta de que seus pais na maioria das vezes não sabiam utilizar o computador e todos os seus recursos e então permitiam que seus filhos utilizassem visto terem uma maior facilidade de uso da máquina, (assim como os videocassetes dos anos 80, os adultos apanhavam para programar os aparelhos para gravar sozinhos os programas, enquanto as crianças o faziam com a maior facilidade). Sem contar que ao ver os filhos utilizando o computador, na maioria das vezes para jogar, os pais achavam que tinham em casa um pequeno gênio e incentivavam ainda mais o uso do equipamento pelo pequeno prodígio.

Ainda com a criação dos provedores de internet grátis a partir de 2000, na mesma época diversos provedores surgiram oferecendo o serviço, destes posso citar: IG, Netgratuita, BRFree, Terra livre, Tutopia e mais uma leva deles proporcionaram a molecada o primeiro contato com a grande rede o que culminou também na popularização das salas de bate-papo e o pai do MSN Messenger o ICQ. Como os pais desta galera não sabiam nem ligar o computador direito, o uso do computador era quase irrestrito, restringido somente pela conexão de internet que devido ao custo dos pulsos telefônicos (na época a conexão de todos ainda era discada 🙂 o uso de internet era nos dias de semana a partir da 00:00 e aos sábados a partir das 14:00. Assim que conectado era possível acessar o que quisesse, pois a grande maioria das pessoas mal sabia o que era internet e o que ela poderia proporcionar então a meninada utilizava mesmo, em tudo que podia. Quando em 2005 o site de relacionamentos Orkut teve sua versão em português disponibilizada ai sim a coisa desandou: para variar os brasileiros aderiram imediatamente a novidade (claro, tudo que toma muito tempo e produz pouco resultado é amado pelos brasileiros) e com isso diversos problemas com as crianças que muitas delas sem qualquer restrição utilizavam sites e bate-papo e relacionamento e eram contatadas por pessoas ou grupos mal intencionados.

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Mas ainda temos o problema da educação dessas crianças, muitas delas cresceram utilizando o computador como única forma de entretenimento, passando a frente do aparelho horas a fio seja jogando ou navegando na internet e excluindo a convivência com o mundo externo, inclusive não participando de atividades socioculturais e educativas promovidas às vezes pela escola a favor de ficarem em casa ou até mesmo nas populares lanhouses, bisbilhotando perfis alheios em sites como Orkut e Facebook ou enviando milhares de mensagens sem utilidade a outros conhecidos virtuais pelos mesmos sites. Às vezes alterna para um jogo ao qual dedica várias horas, ou fica fazendo downloads de programas e músicas em sites, mas não encontra nada de proveitoso fora do ambiente virtual. Profissionais da saúde e educação alertam os pais dos perigos de uma vida afastada do mundo real, uma criança educada desta maneira (no computador) pode até gerar menos preocupações visto não querer sair de casa para nada, mas por outro lado terá sérios problemas comportamentais, sociais e até mesmo físicos por conta da falta de mobilidade gerada por este tipo de comportamento.

A infância e a computação

No decorrer da minha vida profissional, pelo fato de sempre ter trabalhado na área educacional (com ensino da computação) pude acompanhar diversos exemplos que me mostraram os problemas de crianças que tem uma vida focada em utilizar o computador sem nenhum tipo de restrição. Durante 6 anos trabalhei exclusivamente com ensino infantil e fundamental (crianças de 03 a 10 anos) ensinando computação em escolas particulares, e o resultado disso era claramente demonstrado pelo comportamento das crianças, crianças que não possuíam computador ou este tinha o uso controlado pelos pais, possuíam uma integração muito maior tanto com os professores como com os colegas de sala, discutiam suas opiniões e desenvolviam-se de forma muito mais rápida e estabilizada do que crianças que afirmavam utilizar muito o computador. As que os pais permitiam o uso do computador sem nenhuma restrição tinham excelente desempenho na aula de computação, mas não se comunicavam com clareza, não possuíam muitos amigos ou às vezes nenhum, e nas matérias em sala de aula tinham dificuldades de aprendizado e grande dispersão não se concentrando no que era ensinado, não gostavam de participar de brincadeiras em grupo, mostravam má aceitação ao serem repreendidas em caso de realizar algo errado.

A infância e a computação

Concluindo, o que no inicio dos anos 90 se mostrava como o futuro já chegou e inclusive já pode ser considerado passado, os computadores pessoais deixaram de ser somente uma realidade e hoje são de tão comuns até ignorados como algo de luxo, é classificado ao lado da poderosa televisão como essenciais nas residências.

A televisão vem inclusive perdendo muito espaço entre os jovens: na televisão você é obrigado a assistir o que a emissora deseja e quando ela quiser, na internet é diferente. Você, usuário, vê o que quer como quer e quando quer. Além de não ter órgão regulador, não ter dono e nem controle o jovem de hoje já se acostumou a isso, já prefere ficar sem a televisão a ficar sem internet. O jovem vive conectado, acostumado a não esperar por nada, e ter informação a todo instante.

Estamos vivendo no Brasil talvez a segunda revolução computacional, onde os celulares estão tomando conta da computação e do acesso à internet. Além de podermos acessar o que quisermos, quando quisermos da maneira que quisermos ainda poderemos fazer isso em qualquer lugar, seja em casa, no trabalho, na escola ou na rua… Só temos que ficar atentos com as crianças, e a influência disso em sua educação, senão teremos uma sociedade formada por milhões de pessoas interligadas pela internet, mas separadas pela tecnologia…

Por Onildo Henrique B. Filho <onildo.henrique [at] gmail.com>

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