GNOBSD: morto pela ideia ‘interface gráfica é para os fracos’

GNOBSD: morto pela ideia ‘interface gráfica é para os fracos’

GNOBSD – killed by GUI-is-for-wimps hacker culture
Autor original: Ladislav Bodnar
Publicado originalmente no:
distrowatch.com
Tradução: Roberto Bechtlufft

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O DistroWatch está sempre recebendo pedidos de inscrição de novas distribuições. Embora já existam quase 650 sistemas operacionais livres listados no banco de dados do DistroWatch (mais da metade classificada como “descontinuado” ou “inativo”) e mais de 200 na lista de espera, ainda há muitos desenvolvedores criando suas próprias variantes. Com o número cada vez maior de distros disponíveis, imagina-se que todo mundo vá encontrar o que deseja dentre as opções disponíveis, mas na verdade a coisa segue no rumo oposto. Quanto mais distribuições nós temos, e quanto mais pessoas participam do desenvolvimento delas, mais fácil fica para que cada um crie sua própria versão. Com isso, 25 novos pedidos de inscrição de distribuições foram enviados ao DistroWatch só no mês passado, incluindo as distros que foram recusadas devido a possíveis violações de marcas comerciais ou por outros motivos.

Tenho que admitir que a coisa chegou a tal ponto que eu chego a lamentar sempre que vejo um email com o título “Registro de Nova Distribuição” (agora mesmo eu estou com uma mensagem dessas ainda não lida na minha caixa de email). Não me entendam mal, não tenho nada contra a criação de novos projetos de distros; afinal de contas, a força do DistroWatch está nessa enorme variedade. O problema é que a grande maioria dessas distros não traz nada de novo. Quase não há inovação, ideias novas… quase não há razão para que alguém use uma dessas distros por mais do que uns poucos minutos. Após o entusiasmo inicial de se anunciar para o mundo, a distro morre uma morte (não tão) lenta, como as centenas de outras que foram enviadas para registro no DistroWatch com muito alarde.

Por isso eu fiquei surpreso por no mês passado um desses pedidos de inscrição ter atraído a minha atenção em meio a todos os outros. Stefan Rinkes, um grande fã do OpenBSD, havia decidido criar algo que é comum no mundo do Linux contemporâneo, mas não no do OpenBSD – um live DVD baseado no OpenBSD com detecção automática de hardware e que inicializasse direto em um desktop gráfico popular, contando ainda com um instalador gráfico a ser usado com o mouse. O resultado foi uma “distribuição” chamada GNOBSD. Testei esse ótimo trabalho no meu computador, e fiquei tão impressionado que o adicionei ao banco de dados do DistroWatch na mesma hora, passando direto pela lista de espera – e havia anos que eu não fazia isso.

Só que minha empolgação em apresentar esse projeto interessante aos leitores do DistroWatch durou pouco. Foi só eu criar a página do GNOBSD no DistroWatch que o site do projeto saiu do ar. Foram dias até que o site voltasse (no domingo retrasado) com cara nova, mas sem a imagem ISO do GNOBSD 4.6 que antes estava disponível para download. Uma análise mais detalhada revelou o motivo: Rinkes tirou as imagens do site em parte devido a problemas de banda, mas principalmente por causa do extremo desgosto expressado pela comunidade de usuários hardcore do OpenBSD diante de sua audácia em criar uma variante amigável e fácil de usar do OpenBSD!

Tudo se torna claro com uma leitura deste tópico da lista de discussão. Rinkes fez um anúncio bastante modesto sobre o lançamento do GNOBSD 4.6, na esperança de que outros integrantes da comunidade o ajudassem a testar a imagem ISO e dessem suas opiniões. Só que a resposta não foi exatamente a que ele esperava. A primeira resposta (aimeudeus… o sangue vai jorrar…) já dava uma ideia do que vinha pela frente, e de fato não demorou muito para a hostilidade começar a aparecer abertamente. Não vou usar o seu produto, afirmou um dos participantes da lista, porque se eu usá-lo, vou ajudar a destruir lentamente o OpenBSD. O desktop GNOME oferecido na mídia do GNOBSD também foi alvo de críticas: Por que incluir um desktop inchado como o GNOME?, perguntou um dos participantes da lista, e outro parece ter entendido a ideia da distro de forma completamente errada ao escrever que o GNOME está no sistema de pacotes/ports, então para que essa versão? Mais adiante, no mesmo tópico, o trabalho de Rinkes foi ainda mais ridicularizado: Geralmente o melhor dia para se postar um anúncio desses é no primeiro dia do quarto mês do ano.

Não é de se surpreender que, depois de uma recepção dessas, Rinkes tenha decidido reavaliar a ideia de uma mídia live do OpenBSD. Quando o site finalmente voltou à ativa, veio acompanhado da mensagem: O conceito do GNOBSD está sendo retrabalhado. Em vez de imagens prontas para o uso, teremos scripts e um tutorial para a compilação e a personalização do GNOBSD. Não quero ser um inimigo do projeto OpenBSD. Você terá que baixar ou comprar o OpenBSD. Assim, vai ajudar o projeto OpenBSD e poder continuar usando o GNOBSD. Como eu já mencionei, o autor já tinha tirado a imagem ISO do site, e pelo visto ela não está disponível em lugar algum, nem nos sites de download mais populares.

Fiquei muito desapontado. Depois de meses recebendo pedidos de inscrição de novas versões pouco interessantes de distribuições Linux que se apresentam como projetos “novos”, o GNOBSD foi uma injeção de ânimo um tanto necessária no DistroWatch. Ponha o DVD, inicialize o computador, veja se está tudo funcionando, inicie o instalador gráfico e, em poucos minutos, você estará rodando o sistema operacional mais seguro do mundo, sem ter que passar dias estudando a documentação do projeto. Você pode até achar que não é uma boa ideia rodar o OpenBSD sem antes aprender sobre ele, mas não vejo por que uma variante mais amigável não possa coexistir pacificamente com o trabalho original. Afinal, dizem que é bom poder escolher. Além disso, há um precedente no mundo do BSD – o FreeBSD e o PC-BSD (uma variante do FreeBSD amigável e focada em desktops) coexistem sem que ninguém no FreeBSD se sinta ameaçado pela existência da versão fácil de usar do FreeBSD (os dois projetos até cooperam ativamente). Alguns dos fãs do OpenBSD devem estar sendo afligidos por um tipo muito peculiar de insegurança para realmente acreditarem que o GNOBSD vá contribuir com a “destruição do OpenBSD”!

Como parece que o GNOBSD 4.6 foi a última versão do projeto em um live DVD, vamos a uma breve olhada no que era a distro enquanto durou. Inicializei a imagem de DVD de 2,2 GB no meu computador reserva, com processador AMD64 3500+ (2,2 GHz), placa-mãe K8N Neo2 (soquete 939) da MSI, 2 GB de SDRAM DDR, gravador de DVD/CD da LG, placa de rede Realtek 8169 e placa de rede NVIDIA GeForce4 Ti 4600. Os dados da imagem de DVD não estavam compactados – daí a razão para o tamanho grande da imagem e para o longo tempo de inicialização do sistema e dos aplicativos. O DVD levou 3 m 15 s para chegar ao menu inicial (com opções para iniciar o shell, o live desktop, o instalador ou sair) e mais 5 m 55 s para chegar ao desktop GNOME. Ao clicar no ícone do Firefox no desktop, esperei 1 m e 45 s para que a janela do navegador aparecesse na tela. É claro que, uma vez instalado no disco rígido, o sistema respondia tão bem quanto qualquer outro sistema BSD ou Linux.

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GNOBSD 4.6 – um live DVD baseado no OpenBSD com o GNOME e um instalador gráfico

Felizmente, tirando o lento modo live, o GNOBSD é um sistema que se comporta muito bem. A autoconfiguração do hardware foi perfeita, e tanto a placa de vídeo (com driver nv) quanto a resolução da tela (1280 x 1024) e a placa de rede (Realtek 8169) foram configuradas corretamente, estando prontas para o uso. Quanto aos aplicativos, não há muito além das ferramentas e utilitários de sempre do GNOME, mas o sistema veio com o Firefox, o MPlayer e o servidor de impressão CUPS. Ao contrário do PC-BSD, não são oferecidas ferramentas gráficas de gerenciamento de pacotes, e os usuários que quiserem instalar outros aplicativos vão ter que recorrer às ferramentas comuns do OpenBSD para gerenciamento de pacotes, pela linha de comando. Obviamente, quem preferir pode instalar seus programas usando o ports. O instalador do sistema é semelhante ao encontrado em distribuições Linux modernas, incluindo uma etapa de particionamento com opções para particionamento personalizado ou automático e a política de obrigar o usuário a digitar senhas de pelo menos oito caracteres para usuários comuns e para o usuário root.

Embora ainda não esteja no mesmo nível dos live CDs do Linux, especialmente no modo live, o GNOBSD estava, na minha opinião, trilhando o caminho certo, e tinha o potencial para trazer mais usuários ao mundo do OpenBSD. É frustrante ele ter sido cancelado antes de ter tido a chance de decolar; se o autor realmente não disponibilizar mais a mídia live e se concentrar na escrita de scripts e tutoriais para a personalização do OpenBSD, temo que o projeto se torne apenas mais uma dentre tantas ideias ordinárias que existem por aí – interessante, e quem sabe até útil para alguém, mas nem um pouco revolucionário. Igualzinho às outras distribuições “novas” que são enviadas para inscrição no DistroWatch ultimamente.

Moral da história: se você tiver a intenção de desenvolver um recurso para tornar o OpenBSD mais amigável, nem sonhe em fazer um anúncio nas listas de discussão do OpenBSD. A não ser que você tenha pele de elefante…

Nota do editor (10/02/2010): Depois de vários emails enviados a Stefan Rinkes, foi disponibilizada novamente as imagens do GNOBSD, através do site oficial.

Créditos a Ladislav Bodnardistrowatch.com
Tradução por Roberto Bechtlufft <info at bechtranslations.com.br>

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