Gerenciadores financeiros open-source

Após apresentarmos os quatro programas, analisando alguns de seus pontos fortes e fracos, procuramos compará-los com base em alguns critérios tais como usuabilidade, curva de aprendizado, segurança dos dados etc.

Concluímos com uma análise que possa auxiliar na tomada de decisão sobre qual melhor gerenciador para cada caso/usuário. Espera-se que, ao final, possa-se perceber que as alternativas opensource, embora deficitárias em alguns aspectos, já são bastante competitivas, ao menos para o público não comercial.

Introdução

Pode parecer paradoxal que no Linux, sistema operacional derivado em grande parte do Unix, este último famoso por soluções para o mundo coorporativo, disponha-se de poucas alternativas para gerenciamento financeiro.

Na verdade este paradoxo existe apenas em parte. As razões para isso são duas: por um lado o Linux é um sistema operacional relativamente jovem se comparado a seu “primo” mais velho. Por outro, se olharmos atentamente, não há tão poucas alternativas assim, como poderíamos imaginar à primeira vista. Nas próximas linhas iremos abordar quatro destas alternativas, três delas mundialmente conhecidas e uma delas tupiniquin.

Perceberemos que o mundo opensource é extremamente generoso já que, todas estes programas são multiplataformas, ou seja, rodam seja em sistemas Unix-like (Linux, Solaris, BSD) até plataformas de código fechado, como a MAC/OS e o Windows (r). Ser generoso faz parte da filosofia hacker 🙂

Gnucash

Começaremos nossa descrição com o Gnucash, a estrela do mundo Gnome com relação à gerenciadores financeiros. Ele encontra-se já em sua versão 2.0.1-1, o que significa um amadurecimento muito grande por parte dos programadores e de toda a comunidade que vem ajudando na melhoria do programa e eliminação dos bugs.

Ele é baseado em princípios de gerenciamento profissionais, buscando tornar-se “A” alternativa opensource para competir com os conhecidos MSmoney e o Quicken. Se você já utiliza um destes programas comerciais, não terá dificuldades de migrar para o Gnucash (inclusive a importação de documentos é tarefa bastante simples e com bom suporte).

Se você é daqueles que possui inúmeras contas e vive fazendo a reconciliação dos dados do programa com aqueles provindos dos sites dos bancos o Gnucash é também bastante robusto nesta opção. Uma pena que os padrões de reconciliação on-line são os internacionais. Mas fica aqui uma dica/sugestão de implementação para novas versões: adaptação do recurso de reconciliação on-line para os padões nacionais.

Outra característica interessante do Gnucash é que ele utiliza o conceito de dupla entrada em contabilidade. O que vem a ser isso? Quer dizer que uma despesa é entendida não apenas como saída, mas também como entrada em uma outra conta. Isto pode parecer uma complicação desnecessária para o usuário caseiro, mas acaba sendo um ítem interessante se você quer ter um balanço dentro de padrões modernos e com muitos recursos. Assim, se você busca um software que disponibilize todos os seus ativos e passivos (ganhos e perdas) de uma forma gráfica agradável e até mesmo construa um gráfico de pizza que visualize todo esta movimentação (útil para apresentações), o Gnucash é sua opção.

Os pontos fracos do Gnucash são sua relativa dificuldade de uso, exigindo um certo conhecimento do programa e de conceitos de contabilidade e sua instalação no ambiente KDE. Suas múltiplas dependências das bibliotecas GNOME e GTK+2 podem, não em todos os casos, fazer o software travar e perder algumas de suas atividades. Contudo, o Gnucash já está nativo em muitas distribuições, dentre elas o Mandriva e o Fedora Core. Para instalá-lo nesta última distribuição basta selecionar Aplicações ->Adcionar/Remover software, selecionar Escritório/Produtividade, clicar no botão de optimização de pacotes e selecionar o Gnucash da lista e pronto!

Mas, não se intimide se você usa o KDE, e uma distribuição diferente do Red Hat e, mesmo assim, achou atraente as possibilidades que o Gnucash oferece. Leia atentamente as sugestões dos desenvolvedores, procure fechar as dependências instalando as bibliotecas sugeridas e, depois, tente instalá-lo. Nas distribuições baseadas no Debian você pode ter acesso a toda a lista de dependências, bem como à possibilidade de uma instalação rápida, via kpackage ou synaptic.

Kmymoney

Por outro lado, se você é usuário KDE de carteirinha, ou ao menos nunca pensou em mudar de ambiente gráfico, o Kmymoney é o software que mais se integra a este gerenciador de janelas. Idealizado para ser o mais fácil dos gerenciadores de finanças pessoais, o kmymoney já recebeu vários prêmios, dentre eles o segundo lugar no ranking dos softwares escolhidos pela comunidade Sourceforge.net. Possui uma grande usuabilidade sem perder a robustez de um programa comercial. A versão atual (0.8.4) está bastante integrada ao KDE 3.5.* e muitos bugs já foram corrigidos.

As dificuldades estão, como imaginado, na direção oposta dos usuários Gnome. Neste gerenciador de janelas é preciso instalar todas as bibliotecas KDE que fazem parte do kmymoney (embora a aventura seja quase sempre bem sucedida).

Também, para aqueles exigentes com relação ao aspecto de seus relatórios financeiros, o kmymoney deixa a desejar, oferecendo as tradicionais alternativas de tabelas e lista de contas e balanços, nada tão sofisticado quando o que é disponibilizado pelo Gnucash.

Apesar disso, ele serve bem ao usuário comum. Pequenos bugs como dificuldades no re-dimensionamento das janelas, problemas com os ícones de “reconciliação de contas” e “adicionar nova instituição” já foram reportados e já estão sendo corrigidos.

Grisbi

Excelente gerenciador de finanças que nasceu originalmente na família GNOME, mas que atualmente pode ser baixado tanto para KDE, como para plataformas MAC/OS bem como para Windows.

A equipe de trabalho tem feito um grande esforço para tornar o Grisbi um gerenciador atraente e de grande usuabilidade por parte dos iniciantes. Neste sentido, dispõem de um manual detalhado explicando as inúmeras ações que o programa realiza e de como tirar o melhor proveito deste gerenciador. Infelizmente, ainda não há versão deste manual em português, mas no mundo opensource isto é questão de tempo, que tal você se oferecer para ajudar neste empreendimento?

O Grisbi tem como pontos fortes o fato de ser bastante simples (sem uma infinidade de recursos que podem nos confundir e ou atrapalhar na hora da customização) e ser visualmente customizável (você pode mudar os logotipos da página inicial por exemplo e os dados podem ser lançados em diversos formatos e com diferentes especificações). Mas, como nem tudo é perfeito, existem pequenos bugs na hora do lançamento e na produção de relatórios e dificuldades na importação de dados de outros programas. A produção de relatórios é a mais simples de todas, mas sem deixar de ser útil para o usuário doméstico.

GFP – Gerenciador de Finanças Pessoal

Quer apoiar uma alternativa lançada aqui no Brasil e que tem tudo para ganhar o mundo opensource? Então sua opção é o Gerenciador de Finanças Pessoais – GFP. Uma versão baseada em Java e que por isso mesmo traz um visual e uma interação com o sistema bastante singular. Por ser construído em Java o GFP não pode ser considerado um legítimo opensource, mas todos os códigos do programa, fora os do Java que são propriedade da Sun, são distribuídos na licença GPL. O site dos desenvolvedores, que pode ser acessado no nosso bom e claro português, contém ainda algumas dicas de economia e de direito do consumidor, sempre úteis para melhorar o gerenciamento financeiro.

Os pontos fortes do GFP são o fato de ele nascer já dentro de nosso sistema monetário e econômico. Ou seja, nada de funções e/ou sugestões de operações exóticas. Outro ponto positivo é que por ser baseado em Java, tanto o comportamento quanto o visual permanecem com a mesma qualidade, mesmo em sistemas operacionais diferentes. Inclusive ele é um dos poucos softs financeiros que aceita a implementação de skins, mais um ponto para a customização.

Como é o mais jovem dos gerenciadores financeiros, ele ainda encontra-se em fase de testes. Pequenos bugs como o não criar um ícone de entrada na hora da instalação, exigindo que você ou crie um script ou se dirija sempre à linha de comando já estão sendo arrumados. Enfim, o programinha promete. Você pode ajudar muito na incrementação e desenvolvimento desta produção tupiniquim. São necessários testers e pessoas que possam auxiliar na tradução para outras línguas alem do português.

Usabilidade, visual, segurança dos dados, recursos e curva de aprendizado

Com base na rápida apresentação dos programas acima, passaremos agora à uma análise em conjunto, o que pode nos ajudar a decidir sobre qual software mais adequado para o seu caso.

Usabilidade – facilidade de instalação e uso

Instalar programas no Linux já foi pesadelo, hoje existem muitas alternativas que diminuem o incômodo. Contudo, por serem pacotes não populares não é fácil encontrá-los já instalados nas diversas distribuições. O Kurumin 6.1 sai na frente e disponibiliza um ícone mágico para a rápida e segura instalação do Kmymoney.
Quanto à usabilidade em si, se você já utilizou um programa comercial para gerenciar sua “fortuna” então talvez não tenha dificuldades para trabalhar com os citados acima. No entanto, se como eu, jamais seguiu cursos de economia, contabilidade ou gerenciamento, talvez você deva ler atenciosamente os manuais de cada um dos programas e verificar seus modos de funcionamento.

Muitos usuários caem na “armadilha” de achar que basta instalar e ir utilizando o programa para se ter uma noção do que ele pode fazer. Isso talvez seja verdade no mundo Windows (r) mas não aqui no mundo do código aberto (GNU/Linux), onde espera-se, ao menos, uma atitude ativa e inteligente por parte de cada usuário. Assim, desenferruje seu inglês, entre nos sites de ajuda, pergunte, mas procure saber ao máximo todas as possibilidades de uso de seu programa. Só depois de fazê-lo você terá condições de efetuar um julgamento honesto sobre o mesmo.

Padrão visual

É de se esperar que ao utilizarmos um programa que ele possua um aspecto agradável, cores pouco chapadas, distribuição visual e layout inteligente. Mas, infelizmente, o mundo opensource ainda peca muito neste quesito. O Gnucash é simplório quanto ao seu layout, embora dissemos que ele é o único que pode oferecer relatórios bem caprichados. O Kmymoney é, com base nas bibliotecas KDE, o mais agradável de todos, seguido pelo GFP. O padrão visual do Grisbi não é dos melhores. Por outro lado, você pode trocar o logo que aparece na página inicial do programa. Você pode mesmo ter um logo diferente para cada conta que você adicionar.

Segurança dos dados – da manutenção à restrição do acesso

Todos os programas descritos estão bem amparados neste quesito. É claro que nenhum programa faz backup sozinho sem você configurar este ítem. Mas o fato de todos eles poderem importar e exportar seus dados em diferentes formatos já é um facilitador para uma possível recuperação dos dados. O Grisbi, por exemplo, é bastante prático neste quesito, você pode customizá-lo para fazer backup de seus dados toda vez que realiza alguma operação.

Não encontramos, no entanto, recursos como acesso restrito à usuários com senha em nenhum destes gerenciadores. Uma explicação rápida para isto é o fato de o Linux ser uma Sistema Operacional multiusuário, ou seja, que cada usuário tem sua própria conta e, deste modo, isso diminui os riscos de dois ou mais usuários partilharem uma mesma seção. Assim, os dados do usuário A estarão somente acessíveis àquele usuário e, num sistema bem configurado, um usuário B teria mesmo dificuldade em acessar documentos não compartilhados, por exemplo, com o usuário A. Deste modo os dados ficam virtualmente seguros.

O problema é, ao nosso ver, situações mais elaboradas como acesso do programa à rede, administração remota etc. De qualquer forma, se compararmos nossos quatro representantes opensource no quesito segurança com qualquer outro programa similar de código fechado, é bastante evidente a superioridade dos primeiros.

Recursos disponíveis versus Curva de Aprendizado

Os quatro programas descritos possuem os elementos necessários para um bom gerenciamento financeiro pessoal: configurar contas diversas, fazer lançamentos, recuperar dados de outros programas, reconciliações, agendar lançamentos, fazer relatórios etc. Contudo, o Gnucash é ainda o que oferece um maior número de recursos. Isso, por outro lado, pode ser uma “faca de dois gumes”, já que o Gnucash é também o soft mais difícil de manipular e aprender.

A equipe de desenvolvedores e tradutores tem feito um ótimo trabalho pois, logo ao entrarmos no Gnucash ele disponibiliza um “tour” virtual para compreender todos os seus recursos. Mas isto, por si só, não é suficiente, como já dissemos, se você não tem disponibilidade ou um pequeno conhecimento de gerenciamento financeiro.

Uma opção intermediária é o Kmymoney que, embora menos complexo que o Gnucash, também disponibiliza várias possibilidades para o gerenciamento contábil. O Grisbi e o GFP estão no mesmo padrão dos recurso disponibilizados, sendo que o GFP muitas vezes oferece um visual mais atraente e uma configuração mais amigável. Mas não se desespere! Uma das coisas mais interessantes do mundo opensource é que você pode participar ativamente na determinação de quais elementos devem ser melhorados e quais outros devem ser acrescentados ou tirados dos softs. É preciso, no entanto, ser ativo neste relacionamento, como veremos mais adiante.

Já quanto à curva de aprendizado (o fato de um programa possuir uma maior intuitividade e facilitar sua manipulação e domínio, diz-se que ele possui uma baixa curva de aprendizado), seja por conta dos possíveis problemas derivados da instalação, seja por a maioria destes gerenciadores estarem disponíveis principalmente em outras línguas – e ainda há o agravante de estes mesmos programas serem escritos dentro de padrões culturais de gerenciamento contábil diferentes dos nossos – a intuitividade nos programas não é das maiores.

Ou seja, para dominá-los você terá que ir além do simples utilizar. Com um conhecimento básico de inglês, um pouco de tempo, boa vontade e curiosidade você aprenderá a manipular o Gnucash em uma média de uma semana de estudos. O Kmymoney em 4 ou 5 dias de uso ativo e os dois outros programas descritos aqui, Grisbi e GFP, em uma média de dois ou três dias de estudo.

Análise crítica

Os programas opensource de gerenciamento pessoal de finanças não estão ainda suficientemente bons se compados com os concorrentes comerciais. Contudo, estamos chegando muito perto. Um cuidado que se têm cada vez mais é com relação a “crashes” decorrentes de bugs que acabam por complicar a vida do usuário. Afinal, existe coisa pior que um “crash” em um programa que busca nos auxiliar a gerenciar nosso parco dinheiro?

O atual estágio dos programas aqui citados leva-nos a crer que este “pesadelo”, desde que você esteja utilizando o programa certo para com sua distribuição e gerenciador de janelas, já é coisa do passado. Contudo, pequenos bugs ainda encontram-se presentes e podem, muitas vezes, irritar profundamente ao usuário mais exigente ou profissional.

É preciso que nos ajudemos enquanto usuários opensource e indiquemos estes bugs, apoiando a comunidade na resolução dos mesmos. No mundo dos softs de código fechado, quando você compra um programa, você adquire um produto. No mundo opensource, quando você compra ou baixa um programa, você “adquire” uma comunidade. Aproveite desta diferença!

Uma última dica, tenha sempre em mente qual o gerenciador de janelas você possui (KDE, GNOME) e esteja atento para qual versão está instalada em seu desktop. Isso porque os programas geralmente trabalham com as bibliotecas típicas de cada gerenciador (com excessão do GFP, que se utiliza da máquina Java. De qualquer forma é preciso estar atento para qual máquina Java está instalada em seu desktop). Assim, se você está com uma versão desatualizada do KDE, por exemplo, pode encontrar dificuldades na visualização ou execução de alguns destes programas. O ponto principal é sempre estar atento às dependências que o programa exige que sejam solucionadas, por isso, leia atentamente as mensagens disponibilizadas durante a instalação e, se possível, as anote. Pode ajudar na hora de resolver possíveis dificuldades.

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Sobre o autor: Dener L. Silva é professor universitário na UFSJ, Minas Gerais. É usuário do Kurumin Linux desde suas versões 3.0.

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