Tecnologia e desenvolvimento social

Tecnologia e desenvolvimento social

Porquê somos pobres?

O sofrimento não poderia deixar de ser um assunto importante, e junto com o sofrimento, também a pobreza. Os termos “educação” ou “conhecimento” normalmente são apontados como caminhos para a soluções… mas o que é “educação” ou “conhecimento” em se tratando de tecnologia e informática? Tente responder a estas duas perguntas:

(I) O quanto você sabe extrair do seu computador?

(II) O que o seu computador é capaz de fazer?

Há mais de 20 anos, os designers da Globo tiveram que ir para os estúdios da Pixar nos EUA, para produzir as vinhetas da emissora que até hoje ainda são exibidas. Estas vinhetas, na época totalmente inovadoras, levaram muito tempo para ser renderizadas pelos supercomputadores do estúdio. Quadro a quadro foram sendo montadas imagens que impressionam até hoje. Porém, com os computadores atuais, qualquer um não só poderia produzir imagens semelhantes a estas, como a animação pode ser realizada em “tempo real”. Qualquer um, munido de um computador e um microfone, pode produzir um CD, com uma qualidade muito próxima à de bons estúdios. Com uma câmera fazendo vídeos em alta resolução e os softwares adequados, podemos montar filmes em casa com qualidade de cinema. Aprendendo a programar, você pode se tornar o autor de uma nova rede social, uma plataforma de vendas via Web, o administrador de uma enciclopédia comunitária…

A questão é: você sabe fazer isto?

Afinal de contas, o que você precisa aprender para extrair o máximo do seu computador?

O equívoco – generalizado – é que, se aprendermos a utilizar um ou outro software, seremos capazes de realizar trabalhos espetaculares. Enquanto na verdade apenas saber utilizar um software não nos capacita para nada além de realizarmos tarefas sob a supervisão de um chefe.

Para que você consiga fazer algo além daquilo que o seu chefe manda, você precisará de criatividade. Você precisará saber, antes de se sentar em frente ao computador, o resultado que você deseja alcançar. Mesmo um bom curso de “Word”, não lhe capacita a escrever uma redação. Um curso de webdesign não lhe levará muito adiante se você não tiver bom gosto. De nada adiantará os melhores estúdios se você não souber cantar afinado.

A informática é tão fascinante, que as pessoas se hipnotizam com seus efeitos 3D maravilhosos, com a possibilidade de ter acesso a vários museus do mundo, enciclopédias, redes de notícias em tempo real… Mas ainda assim, o que fazer com tudo isto?

Uma enciclopédia não se lê da primeira para a última página. Normalmente buscamos nela o assunto do qual estamos interessados. Uma enciclopédia é inútil para alguém que não tenha interesse por nada. Mesmo que alguém desinteressado a leia por completo, não será capaz de absorver praticamente nada.

Os computadores são ferramentas, e como qualquer outra ferramenta – martelo, colher, lápis, fita-métrica… só é verdadeiramente útil quando os utilizamos para produzir algo. Em qualquer outro caso, a tecnologia não promove nenhum desenvolvimento social. Pode promover sim o entretenimento. Porém, “entretenimento” significa literalmente “não avançar”. A maior parte da energia e tempo que gastamos estão sendo disperdiçados em tarefas que não produzem nada, não nos fazem avançar. E até mesmo a felicidade ou “realização” de quem se entretém é questionável, afinal, com tantas TVs, tantos computadores e equipamentos eletrônicos presentes no dia-a-dia, e, por outro lado, a criminalidade, stress e depressão crescentes, está na hora de nos perguntarmos para que é que queremos os computadores e a tecnologia de uma forma geral.

Você sabe o que fazer com ela? Você sabe de que forma ela deve ser utilizada para melhorar de fato as nossas vidas?

Sem dúvida que a tecnologia pode ser útil. Porém, estamos colocando o carro na frente dos bois. Estamos dando bem mais importância para os computadores em si, em saber uzá-los, do que saber para quê uzá-los, o que fazer com eles.

Ninguém compra uma colher de pedreiro sem que antes esteja pensando em construir ou reformar alguma construção. Também ninguém costuma levantar paredes apenas pelo divertimento em fazê-lo. Não quero dizer que a tarefa de pedreiro não seja gratificante, mas seu trabalho terá sentido apenas se você tiver uma idéia do que quer, de onde quer chegar. Se você não tiver esta idéia na cabeça, sinto muito, mas será servente para o resto da vida, por melhor que saiba utilizar uma colher de pedreiro.

Experimente fazer o seguinte exercício: quando você estiver prestes a sentar-se em frente a um computador, pense no que deseja produzir. Um texto, um desenho, uma planilha… e tente, antes de começar, vizualizar o trabalho pronto em todos os seus detalhes. Se for preciso, utilize papel e lápis. Pense em como quer a capa do trabalho, se as páginas terão bordas, se serão numeradas, qual tipo de fonte será utilizada para o texto, as fotos que serão inseridas, os títulos… Talvez você não saiba ainda como realizar este trabalho. Então, você irá procurar instruir-se sobre como produzir o efeito desejado.

É claro que é interessante aprender a utilizar um software, explorar as suas funções… perder um certo tempo com isto não será desperdício se você sabe onde quer chegar. Colocar um texto em 3D distorcido, todo colorido na capa de um trabalho normalmente produz um resultado bem mais cafona que um título em fonte comum com uma pequena imagem ilustrando o assunto.

Os melhores programadores não aprenderam informática no ensino fundamental, nem os criadores da HP, Google e mesmo os desenvolvedores da Intel ou da AMD. E você acha que a escola dos filhos destes mestres é “conectada”? Você acha que a escola destas crianças tem lousa digital, que cada aluno carrega seu laptop?

Não. Surpreendentemente, os pais destas crianças, chefes das maiores empresas do ramo de tecnologia, escolheram uma escola de pedagogia Waldorf, que não utiliza computadores no ensino fundamental para matricular seus filhos. É claro que eles não tem medo de que seus filhos se tornem analfabetos digitais, afinal, em casa, eles tem acesso a tudo o que há de mais recente em tecnologia. Nem mesmo uma escola, por mais que tentasse incorporar a informática no currículo, nunca alcançaria o ambiente que estes jovens tem em casa, tendo acesso a equipamentos e softwares que só no futuro estarão disponíveis ao público. Ao invés, os pais preferem uma educação que valorize a criatividade, a capacidade de compreenção, os dons artísticos, por fim, tudo aquilo que o computador, por si, não é capaz de nos fornecer. Ler livros, desenhar, tocar música, interagir socialmente são valores bem mais importantes do que aprender a interagir com softwares que, daqui há dez anos, estarão obsoletos.

Escovar os dentes de uma criança com uma pasta de dentes com gosto de chicletes não fará com que ela ache interessante escovar os dentes, e sim, que ela queira mascar chicletes. Educar crianças com videogames educativos não irá lhes despertar o gosto pelo aprendizado, e sim, por jogar videogame.

Se uma criança aprende a desenhar com papel e lápis, futuramente, ela não terá dificuldades para desenhar no computador. Pois o principal, neste processo, não é a técnica de se arrastar o lápis sobre o papel, e sim, ter uma noção das proporções daquilo que se quer retratar. Alem disto, alguém que aprenda a desenhar com lápis ou pincel, aprende, com os acertos e erros, a dominar efeitos importantes, como o de luz e sombra, profundidade, movimento… enquanto no computador, mesmo com uma vasta gama de ferramentas, estes efeitos só são alcançados se o desenhista tem uma noção muito clara do que quer. Prova disto é que bons desenhistas conseguem fazer bons trabalhos mesmo em softwares básicos, com poucos recursos, enquanto que nós, leigos, não conseguimos produzir nada, mesmo com os melhores softwares. E estamos de volta ao ponto: o que artistas precisavam produzir com supercomputadores há vinte anos, oje nossos PCs tem poder de processar, mas não temos a criatividade artística para produzir.

A conclusão que chegamos é que a miséria social em que vivemos não é fruto da falta de informações ou a falta de ferramentas tecnológicas, mas sim a falta de capacidade criativa, a pobreza de espírito.

O Dr. Valdemar W. Setzer, professor de ciências da computação da USP defende ferrenhamente o afastamento da TV, computador e equipamentos eletrônicos das crianças. Talvez você não concorde com o seu radicalismo, porém, vale à pena pensar sobre os argumentos de alguém que justamente está tão intimamente ligado à tecnologia. A página pessoal do Dr Setzer é: http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/

Escolas Waldorf também estão presentes no Brasil, e você pode encontrar mais informações em http://www.sab.org.br/

Por: Ângelo Beck <angelobeck arroba floripa ponto com ponto br>

 

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